sábado, 15 de dezembro de 2012

FARINHADA - Aldenir Dantas


- Cuidado cum rodete, minino!
- Isso num num é brincadêra!
Advertiam os adultos.

Escanchado no sevador
cara cheia de massa
fazia páreo com meu pai
na sevagem da mandioca.

Depois vinha a prensagem
que, também, era comigo
depois a peneiragem:
a melhor de todas as partes.

O gosto forte da manipueira
as mãos ultrafinas, a tontura, o enjôo...
Mas, em compensação, sempre havia
uma prima, uma vizinha, a filha de uma comadre...
na peneira, peneirando, peneirando...

Girando as mãos debaixo da massa
mão de dedos macios
girando-se, tocando-se
fazendo girar a cabeça e o mundo.
Girando, tocando-se
fazendo pulsar o peito, as veias...
Girando, tocando-se
frazendo incendiar o desejo do beijo,
o brilho do olhar...

- Retire a cruêra, minino!
- Coloque mais massa!
- Atenção no sirivço!
Griatavam os pais vigilantes.

- Saiu massa da prensa!
- Vamos penerar!

E penerando, mexendo, mexendo...
Põem-se a balançar:
As meninas, os cabelos, as saias, os sonhos...
faazendo girar:
as paredes, as telhas, as nuvens, o mundo...
e tudo o que há.

Dizem que o pensamento voa
mas o meu embriaga-se de manipueira
e se deixa cair numa montanha de cascas de mandioca
quando lembro das farinhadas da minha infância.

4 comentários:

  1. O poeta Aldenir, com sua sensibilidade poética, desta vez nos levou para dentro da casa de farinha e discretamente nos remeteu a Gozagão: "eu tava na peneira eu tava...".

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  2. Um retrato irretocável.Musicalidade sugestiva que também faz girar o leitor nas suas reminiscências. Sensações que saltam das frases aguçando todos os nossos sentidos de leitor degustador de seu poema. Parabéns Aldenir!

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  3. Obrigado, Gilberto, Maciel e Marcos. Como sabemos, a poesia se constrói na recepção. Parabéns a vocês por, a partir desse conjunto de versos construírem um belo poema recheado de tantas poeticidades.

    Aldenir Dantas

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