sexta-feira, 28 de setembro de 2012

ENTREVISTA COM DR ZÉ DA LUZ - Gilberto Cardoso dos Santos



Gilberto: Brinde-nos com um texto autobiográfico. Fale-nos de suas origens humildes, infância juventude e família.

Zé da Luz:
Caro Gilberto, inicialmente gostaria de lhe agradecer a oportunidade e interesse em entrevistar-me. Aceitei com entusiasmo o convite e já estou com meus baús de memórias prontos para esta viagem... A respeito de minhas origens humildes, é verdade, dariam material para um pequeno romance autobiográfico. Como ainda não escrevi tal romance, prefiro transcrever aqui as primeiras estrofes do cordel autobiográfico Do roçado ao doutorado (2007), que ilustram em pequenas molduras verbais alguns fragmentos mnemônicos de minha saudosa infância:



Nasci em mil novecentos e sessenta
O poder deixava as varandas litorais
JK inaugurava a cidade de Brasília
No coração dos cerrados centrais
O fusca era o novo carro de passeio
E o vento secava roupas nos varais

Com sangue quente de nordestino
Vim ao mundo nas terras de Goiás
Na tradição antiga do campo
Meu pai lidava de sol a sol nos arrozais
Minha mãe acariciava os meus sonhos
Cantando toadas debaixo dos laranjais
(...)
Dos cerrados verdejantes de Goiás
Voltamos pras terras áridas potiguares
E o sol que aquece o tempo, aquece a gente
Enchendo de fé e esperança os olhares
No aguardo das enchentes e aguaceiros
Que fazem a dança das almas nos altares

Voltamos pras cercanias agrestes do Trairi
Sob os céus da cidade de São Bento
Na casinha de taipa do sítio Cupiras
Aprendi a andar e a correr ao vento
Subir em árvores e brincar nos lajedos
E passear na cangalha de jumento
(...)

Quando um dia acordei com idade de menino
Meu pai me deu caderno, lápis e sacola
Disse pra eu aprender a ler e escrever
E não abandonar o caminho da escola
Pois neste mundo o pior mendigo
É o que faz do saber uma esmola

E assim as estações da infância se passaram
Na rotina da roça, escola e futebol
E no embalo musical da Jovem Guarda
Criei asas e cantei como rouxinol
Comecei a me encantar por uma florzinha
Que fez brilhar no coração a luz do sol

Nas noites de luar lá na pracinha
As rodas de cantiga e de cirandas
Meninos e meninas enamorados
Sob o brilho das estrelas venerandas
Contavam histórias e juravam amor eterno
Sem saber que o coração vive de demandas
(...)

Muito mais tenho eu para lembrar
Mas não é exata a matemática da memória
Prefiro emoldurar esses eventos na minha alma
A cometer injustiça com a história
Pois a gratidão é a única recompensa
De quem ver na verdade a sua glória



Gilberto: Discorra um pouco sobre suas conquistas acadêmicas e atuais campos de estudo.
Zé da Luz:

Concluí o curso de Letras (UFRN) em 1984 e o de Pedagogia (UFRN) em 1992. Ambos no campus de Santa Cruz. No curso de Pedagogia fui o aluno laureado e orador da turma. Em 1993 fui aprovado em 1º lugar num concurso para professor (Língua Portuguesa) da UFRN/campus avançado de Santa Cruz. Esse foi um dos melhores momentos de minha vida. Em 1995, depois de ter sido aprovado para o IFRN (Natal) – antiga ETFRN –, precisei me mudar para Natal. Mas, por razões de foro íntimo, pedi exoneração do cargo. Eu já era professor da UFRN e estava determinado a fazer pós-graduação.


De 1996 a 1997, fiz a Especialização; em 2001 concluí o Mestrado; em 2007 concluí o Doutorado. Os três cursos foram realizados em Estudos da Linguagem/Linguística Aplicada, na UFRN. Ainda estou pensando no pós-doutorado; quem sabe nas terras de nossos patrícios lusitanos...
A linguagem é uma ferramenta extraordinária. A linguagem nos transforma em seres especiais, capazes de transitar por esferas sociais, virtuais, espirituais. Por isso, todos os meus esforços, teóricos e práticos, estão voltados para a investigação, análise e produção de trabalhos no campo da linguagem – especialmente em língua portuguesa.



Na vida acadêmica, obtive algumas conquistas
Em Linguística, comecei com a especialização
Na sequencia, fiz o curso de mestrado
Quando ampliaram o campo da pós-graduação
Fui aprovado no curso de doutorado
E descobri que a tese não acaba essa paixão

Foi exatamente na pós-graduação
Que as águas do saber se aprofundaram
As enchentes das caudalosas teorias
Em todos os recantos de minha casa entraram
Passei a sonhar com pressupostos noite e dia
E minha rotina e retina se abalaram

Revisitei as dicotomias de Saussure
O respeitado pai da Lingüística
E da teoria gerativa do Chomsky
Adquiri algumas características
Que na visão da gramática normativa
Parecem mais coisas cabalísticas

No redemoinho das diversas correntes
Aprendi que a linguagem tem sua ética
A gramática é dinâmica e emergente
E o uso constante faz sua estética
Não há lugar para o certo e o errado
Quando comunicar é a regra dialética



Gilberto: Que professor(es) e escola(s) foram marcantes em sua vida?
Zé da Luz:
Em São Bento, a profa. Benta Lourenço. Em Santa Cruz, o prof. Ribeiro. Logicamente, tive outros bons professores; citei esses dois sem deixar de homenagear também os demais.
Com certeza, o Grupo Escolar Theodorico Bezerra, em São Bento, é um ícone de meus primeiros anos de escolaridade (Primário). Em Santa Cruz, cito a E. E. Prof. Ribeiro (o Estadual) onde concluí o 1º grau (ensino fundamental) e, tempos depois, lecionei diversas disciplinas, inclusive matemática (risos); e o Colégio Técnico (CNEC) onde concluí o 2º grau (ensino básico) e atuei como professor por seis anos. Mas, sem dúvida, a E. E. Cosme Marques foi um lugar onde vivi excelentes experiências como diretor. Cito também os anos de estudante universitário no Campus de Santa Cruz. Grande efervescência acadêmica, hoje não mais vista. Veja a estrofe:

No campus avançado do Trairi
Fui aluno, monitor, professor e diretor
Mas a política equivocada de FHC
Quase arruinou os campi do interior
Fui obrigado a seguir pra capital
E mais uma vez castigado pela dor

Gilberto: Elenque pontos positivos e negativos de ser professor universitário.
Zé da Luz:
Quando você faz o que gosta, no lugar certo, sendo respeitado e até admirado, esses são inquestionavelmente os pontos positivos.  É claro, sendo razoavelmente (bem) pago para isso. Como pontos negativos, por exemplo, ainda enfrentamos alguns problemas relacionados à assiduidade e produtividade dos alunos.


Gilberto: O que significa Natal para você e o ter que residir aí?
Zé da Luz:
Na verdade, no dia 5 de março de 1995, deixei Santa Cruz literalmente chorando... (não vale a ambiguidade, as lágrimas eram minhas mesmo!). No entanto, o tempo é um remédio amargo mas curativo; hoje, já estou plenamente adaptado a esta cidade, tão maltratada pela atual administração. Incrível, mas uma borboleta – um animalzinho que é uma metáfora ecológica – causou muitos danos à paisagem desta ainda aprazível capital. Sou privilegiado; moro num bairro ainda tranquilo, mas, ao mesmo tempo, está próximo de tudo – shopping, praia, BR, supermercados, universidades, além de contar com um sem-número de barzinhos (risos). Certo dia escrevi isto: “São Bento é meu ponto de partida, Santa Cruz é minha estrada, Natal é meu pódio”. Como estou no campo de batalhas, espero, com as bênçãos dos céus, que muitas coisas boas possam ainda me acontecer nesta cidade...  Mais uma estrofe:

Refeito do impacto dos primeiros dias
Comecei uma relação de amor por Natal
A cidade virando as páginas de sua história
E eu aprendendo a domingar nas praias do litoral
Todas as noites contemplar suas estrelas e luar
Tem sido meu exercício predileto, habitual

Resumindo: em Natal foi possível realizar três cursos na área de pós-graduação, o que me favoreceu bastante para a ascensão funcional na carreira de professor universitário. Sou também sócio da UBE-RN – União Brasileira de Escritores. Por outro lado, nasceram nesta capital minha filha caçula (Natalya) e meu primeiro neto (Arthur), entre outras coisitas mais.

Gilberto: Quando e como foi despertado em você o amor pela leitura? Como conseguia livros? Fale-nos de obras que foram marcantes.
Zé da Luz:
A bem da verdade, eu só botei os pés na escola pela primeira vez com nove anos de idade! Imagine que coisa! Fora de faixa, como se dizia antigamente. Meu neto tem três anos e já frequenta a escola há dois. Por isso tive de pisar forte no acelerador... A partir dos dez anos comecei a dar meus mergulhos na superfície dos textos. Que grande momento! A leitura talvez seja a maior das descobertas da Humanidade. Falo da leitura plural, do processo pleno de decodificação de signos para projeção de efeitos de sentido.
Em São Bento, no início da década de 1970, havia poucas opções de leitura. Minha mãe tinha uma amiga que morava nos arredores da cidade e que trazia revistas de Natal. Que revistas? Capricho, Grande Hotel e outras do gênero. Traduzidas para o português, as fotonovelas eram todas italianas e francesas, ambientadas em cenários de Roma e Paris; tudo muito bonito, cerimonioso, respeitoso. Havia a Sétimo Céu, produzida no Brasil. Depois, organizaram uma pequena biblioteca municipal em que havia muitas revistas em quadrinhos; passei a ler gibis do Walt Disney. Que delícia! Afora as leituras de cartilhas escolares, foi esse universo romanesco das fotonovelas e lúdico dos quadrinhos que me desenvolveu o gosto pela leitura. Lia diariamente, várias horas a fio. Já em Santa Cruz, continuei com esse gosto pela leitura diletante, mas, como a gente cresce e amadurece, ampliei o cardápio de opções. Passei a ler vorazmente livros de história, romances, crônicas, poesia, ensaios, e também de filosofia. Lia os livros da biblioteca municipal, mas também das pequenas bibliotecas escolares. Algumas vezes conseguia livros com amigos. Muitos foram os livros que me tocaram profundamente. Cito em primeiro lugar a Bíblia. Li-a por completo, e continuo lendo-a de forma crítica e reflexiva. É um grande legado histórico, social, cultural, filosófico, artístico, espiritual do mundo cristão. Outras obras relevantes: Desobedecendo, de Henry Thoreau, Colunas do caráter, S. Júlio Schwantes, O príncipe, de Maquiavel; Casa grande e senzala, Gilberto Freyre; Vidas secas, Graciliano Ramos: Dom Casmurro, de Machado de Assis; entre muitas outras. Passei a dedicar mais tempo aos livros do que a qualquer outra coisa. Lia de tudo. Cheguei a listar num caderno todos os livros lidos durante um ano. Lembro que, em determinado ano da década de 80, consegui ler mais de cem obras. Paradoxalmente, creio que fui beneficiado pela ausência da internet, celular e até certo tempo da TV. Então sobrava tempo demais para leitura...  além de um joguinho de futebol, uma pescaria no açude, um namorico aqui e ali, uma geladinha no Bar do Mangue, no Bar do Baixinho, etc. Depois, vem a casa, o casamento, etc. etc. etc.

Gilberto: Quando produziu seu primeiro texto? Lembra-se dele? Em linhas gerais, o que já produziu?

Zé da Luz:
Meu primeiro texto, fora da escola, foi uma oração. Escrevi-a em 1980. Depois a repasso para vocês na íntegra. Como se vê, nada aconteceu precocemente em minha vida. Tudo foi fruto de muito trabalho e amadurecimento pessoal, social, espiritual. No campo literário, há alguns anos venho escrevendo poesia, crônicas, e principalmente aforismos. Quase todos são trabalhos inéditos. No campo da pesquisa linguística, tenho escrito alguns artigos sobre fenômenos sintáticos e semânticos. Considero também bastante significativas as minhas participações em antologias poéticas produzidas por vários poetas de Santa Cruz. Ademais, pretendo escrever um romance de cunho histórico, mesclando realidade com ficção, resgatando um fato marcante acontecido em Santa Cruz. Por ora, fiquemos por aqui.

Gilberto: Sente-se mais à vontade com a prosa ou com a poesia?
Zé da Luz:
Na poesia, procuro ser conciso e profundo (???); na prosa, sou livre e caudaloso. Penso que a poesia mexe mais com nosso íntimo, a prosa mexe mais com o íntimo dos outros. Me sinto mais à vontade com a prosa (tão à vontade que acabei de desobedecer a uma regra da gramática!) (risos).

Gilberto: Fale-nos especificamente de seu cordel autobiográfico. Que pensa hoje sobre esse estilo de poesia?

Zé da Luz:
O cordel é uma manifestação literária legítima e em plena expansão. Hoje está presente em quase todos os cenários artístico-culturais, não mais restrito às feiras livres, sobrevivendo da voz solitária de um trovador ou menestrel. É um gênero de poesia que proporciona falar de qualquer assunto, usando um registro formal ou coloquial, didático ou humorístico. Quanto ao cordel autobiográfico, fui motivado pela conclusão do doutorado em 2007. Pensei em dar uma lembrancinha (souvenir) para os convidados à cerimônia de defesa. Então surgiu a ideia de falar um pouco de mim, usando a poesia de cordel. Foi bem recepcionado. Mantive um tom meio formal, mas sem me preocupar muito com as técnicas da versificação.

Gilberto: Relendo o Maravalhas Ardentes hoje, encontra pensamentos descartáveis, ou ingênuos?

Zé da Luz:
Claro, mas somos como as árvores: quanto mais velhas, mais os frutos são saborosos. Defendo o seguinte princípio: Não fale algo que você não tenha coragem de escrever. Tudo que escrevi, no tempo em que escrevi, tive a coragem de falar para alguém, ou para minha própria consciência. A partir da máxima heraclitiana “um homem não se banha duas vezes no mesmo rio”, parafraseio-a dizendo que ninguém escreve duas vezes o mesmo texto. Por isso, não pretendo modificar o que já está escrito. Do contrário, seriam novos textos. Prefiro preservar o estatuto histórico de cada texto que escrevi, mesmo sabendo que certas ideias, hoje, são consideradas anacrônicas, extemporâneas, ou mesmo ingênuas. Faz parte.

Gilberto: O que pretende publicar ainda?
Zé da Luz:
Creio que a esta pergunta podem ser aplicadas algumas informações anteriores. Em todo caso, tenho também o desejo de escrever um manual de morfossintaxe, para uso doméstico na universidade e em escolas de ensino básico. Seria uma modesta contribuição para rejuvenescer e arejar o ensino dessa área gramatical.

Gilberto: Pesquisas recentes dão conta que 38% dos estudantes universitários têm dificuldade em leitura e escrita. Você rotineiramente percebe esse drama?
Zé da Luz:
Exatamente. A leitura e a escrita são processos cognitivos sofisticados. Ler com proficiência qualquer tipo de texto e escrever com razoável competência, assumindo um estilo próprio, não são tarefas tão simples. E, infelizmente, as escolas não conseguiram ainda trabalhar isso de forma produtiva, reflexiva, crítica. Obviamente, a situação atual já é bem melhor do que décadas anteriores.

Gilberto: Qual a real importância do estudo da gramática normativa para o aprendizado da língua? Acha que os professores de primeiro e segundo graus de Língua Portuguesa são, em parte, responsáveis pelo analfabetismo funcional?
Zé da Luz:
A gramática normativa deita suas raízes na antiguidade clássica (greco-latina). Ao longo dos séculos, sua proposta é estabelecer parâmetros prescritivos para orientar os comportamentos comunicativos, falando e escrevendo, segundo um padrão de língua socialmente prestigiado (a língua literária). Portanto, constitui um modelo de descrição da língua, que deve ser estudado, principalmente, na escola. Afinal, trata-se da modalidade oficial de língua adotada pelo Estado brasileiro (e outras nações). Consiste também no veículo de transmissão dos saberes científicos, pedagógicos, filosóficos, teológicos, jurídicos e artísticos. Não há língua sem gramática. Mas a gramática não comporta a língua na sua totalidade. Existem muitas gramáticas, pois existem muitas manifestações linguísticas. E todas as manifestações linguísticas devem ser objeto de estudo nas escolas e academias universitárias, respeitando, logicamente, cada nível de maturidade dos alunos. Em especial, a escola não pode suprimir a espontaneidade linguística dos alunos. Ela deve suprir os alunos com as variações dialetais socialmente correntes e aceitas no país. É a ideia do poliglota de sua própria língua, defendida pelo gramático Bechara. Para isso, precisamos de professores bem (in)formados e motivados psicológica e financeiramente, num ambiente pedagógico bem estruturado. Lembro, ainda, que não se ensina a língua apenas pelo caminho da gramática. O estudo da gramática pela gramática fracassou há muito tempo. O estudo da língua deve partir dos textos (leitura e escrita), pois todo texto pressupõe uma gramática, seja ela formal ou informal, literária, técnica ou coloquial.
A problematização do ensino de língua materna é um assunto muito complexo, envolve muitos aspectos teóricos e práticos. Não vejo os professores como culpados, mas como vítimas (junto com pais, alunos, técnicos) nesta conjuntura da problematização. Nessa perspectiva, não podemos proceder à caça das bruxas (maus profissionais, maus pais, maus alunos). Isso sempre existiu. Precisamos enfrentar os problemas juntos (governo, sociedade, estudiosos, etc.), buscando soluções quase sempre transitórias para problemas quase sempre velhos e recorrentes. É a implacável força da dinamicidade da vida a exigir de todos energias para prosseguir perante os desafios.
Cristovão Buarque disse certa vez que só acreditava numa revolução educacional quando esta passasse pela CABEÇA do professor, pelo CORAÇÃO do professor, pelo BOLSO do professor.
Acho que é por aí o caminho: FORMAÇÃO – MOTIVAÇÃO/COMPROMISSO – VALORIZAÇÃO.

Gilberto: Caso conheça, que visão tem das ideias de Marcos Bagno e de Rubem Alves?

Zé da Luz:
Sobre Rubens Alves, não ouso falar, pois não o li ainda. Sei que é um autor muito aplaudido no cenário nacional.
Quanto a Marcos Bagno, trata-se de um linguista do discurso. Não está preocupado com a gramática da língua em si. Sua formação sociolinguística permite abordar, sem preconceitos, todas as variações linguísticas como sendo legítimas manifestações do idioma em nosso país.
Ele defende novos paradigmas para o ensino do português brasileiro. Como tudo que é novo, tal proposta se torna impactante e causa estranhamento por parte de agentes conservadores ou reacionários. Considero um dos arautos das contribuições científicas no campo das pesquisas linguísticas, em que pesem as arengas ideológicas travadas entre ele e outros representantes da tradição gramatical.

Gilberto: Particularmente, tributa sua eficiência no manejo da língua à leitura ou ao estudo da gramática?
Zé da Luz:
A leitura dos inúmeros livros e revistas que li ao longo da vida me proporcionou conhecer melhor o espírito da língua. A gramática está presente, viva e dinâmica, nos textos. Fora disso, a gramática vira produto, sem vida, passivo ante as visitas esporádicas dos que se atormentam com as dúvidas...
Pergunto a você: Quem é que vive constantemente consultando um manual com regras de trânsito, para depois sair dirigindo seu carro? Quem é que vive lendo o Código do Consumidor, para depois sair e comprar os produtos desejados? Quem é que vive abrindo a Bíblia diariamente, para depois sair e interagir com seus vizinhos ou desconhecidos?   É isso mesmo, da mesma forma ninguém sente necessidade de ler a gramática diariamente, para depois sair e atuar nos palcos da vida...
A gramática é apenas mais um dos muitos expedientes ou suportes das/nas práticas pedagógicas do ensino da língua.

Gilberto: Já leu Língua e Liberdade, de Luft? E a crônica O Gigolô das Palavras, de Veríssimo – texto em que o livro se baseia – conhece? Que pensa a respeito?

Zé da Luz:
Já li ambas as obras e recomendo a todos a leitura delas. São obras que manifestam uma visão lúcida e lúdica, respectivamente, da natureza funcional do idioma. Ajudam-nos a refletir e assumir uma postura crítica (mas responsável) no estudo das questões linguísticas.

Gilberto: Recomende-nos algumas leituras no campo literário e/ou acadêmico.
Zé da Luz:
Para quem está viajando pela primeira vez no território da literatura nacional, recomendo os clássicos, anteriormente mencionados. Sempre é bom começar com os mestres, para não se desencantar com os discípulos. Todavia, sobretudo, é salutar ter uma mente aberta, para provar do saber e do sabor das coisas novas e antigas. Portanto, leia os clássicos citados nesta entrevista. Vantagem dupla: apreciar literatura e aprender história.

Gilberto: Que diferenças, no âmbito da política, religião, estilo de vida e profissão, há entre o José de hoje e o de antes?

Zé da Luz:
O José de hoje é a soma de todos os josés emanados ao longo de meus 52 abris (nunca fiz esse plural antes!). Mas todos têm o mesmo caráter e o mesmo coração. Sem maiores detalhes (até porque, acredito, todos me conhecem muito bem), transcrevo mais um poemeto autobiográfico:

Eu sou apenas um Zé,
um cara iluminado e cheio de fé.
Não gosto de briga nem de intriga.
Mas não tenho medo de sombras
nem gritos de assombração.
Não carrego nada nas mãos.
A boca me faz o bico
e a mala é meu coração.

Semeio aqui mais uns pensamentos meus:

- A política está acima dos partidos, mas a pátria está acima da política, porque o povo está acima da pátria.
- O povo e Deus caminham juntos, apesar das sombras e das curvas da estrada.
- Convém afirmar que a dignidade de pobre começa pela boca: gostar de falar a verdade, orar com sinceridade, comer o pão com o suor do rosto.


Gilberto: Tem alguma ideia revolucionária ou receita para colocar a educação nos eixos? Qual?
Zé da Luz:
Santo Deus! Se eu tivesse essa clarividência, certamente que eu estaria em Brasília, no Ministério da Educação (risos). Não, não tenho nenhuma receita para aplicação imediata no campo da educação. No entanto, tenho contribuído de forma incessante, no âmbito de minhas ações pedagógicas, para elevar o nível do diálogo e da reflexão acerca da problemática educacional (município, estado, união). Com certeza, existe muita gente, preparada e bem intencionada, debatendo e trabalhando nesse sentido. Os frutos já começam a surgir... (basta observar, em termos gerais, a visibilidade do Brasil de ontem e de hoje, interna e internacionalmente). Isso não acontece por acaso.

Gilberto: De que(m) sente saudades?
Zé da Luz:
Sinto muitas saudades de meu mano Gabriel e de meu avô Totonho. Sinto saudade de alguns amigos que partiram prematuramente: Zezinho de Hosana, Cezar, Marcélio, entre outros.
Confesso: sou um saudosista sem melancolia. Ainda povoam meus sonhos os tempos de infância vivida em São Bento do Trairi, e os primeiros anos vividos no bairro do Paraíso, em Santa Cruz, quando a atmosfera por lá ainda era suave e o rio corria livre e limpo por baixo da ponte...
Como vou todo mês a Santa Cruz, uma forma de não permitir que a saudade invada meu coração, vejo e revejo meus pais, avó, irmãos, sogra, e muitos amigos que estimo profundamente. Claro, a cervejinha gelada continua inigualável!...


Gilberto: Você é um amante das máximas. Apresente pensamentos que norteiam sua vida.
Zé da Luz:
Cito algumas de meu próprio engenho:
- Minha crença em Deus vem mais da ciência do que da religião.
- A corrupção exterior é a projeção da corrupção interior.
- Não quero um futuro entre muros, nem com olhos cheios de medo; não quero caminhos escuros, nem sussurros de segredo.
- As nuvens são cheias e leves, os homens são vazios e pesados.

- Toda criança deve ter um brinquedo e um livro em suas mãos; um brinquedo para a inocência, e um livro para a consciência.

- Três coisas arruínam a qualidade do serviço público no Brasil: a inassiduidade abonada, a ociosidade remunerada e a improbidade premiada.

- A língua é uma lâmina cortante; quando muito afiada pode ferir os outros, quando muito rebota pode machucar a nós mesmos.

É isso, amigos, vamos aguardar a publicação dessas obras. (risos)

Gilberto: Quem são seus escritores preferidos? E filósofo predileto, tem algum?
Zé da Luz:
LITERATURA: em língua portuguesa: Machado de Assis, Graciliano Ramos, Humberto de Campos, Clarice Lispector, Carlos Drummond, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa; em língua espanhola: Cervantes, Garcia Marques (sei que gosto de muitos mais!).
FILOSOFIA: li quase todas as obras de Nietzsche; tenho lido alguns textos de Platão, Rousseau, Pascal, Foucault, Deleuze, entre outros. Na verdade, por necessidade do ofício docente, atualmente tenho me concentrado mais na área de Linguística Cognitiva (Semântica Cognitiva) e Gramática da Construção.


Gilberto: Por quais poemas tem predileção?
Zé da Luz:
Existem muitos poemas maravilhosos de poetas maravilhosos. Não gostaria de ser injusto com nenhum deles... Inclusive comigo mesmo (risos).

Gilberto: O que é poesia? O que significa para sua vida?

Zé da Luz:
Na minha concepção, poesia é energia vital em profusão pelo cosmos, que se manifesta entre nós, humanos, pelos sentidos. Por isso, é preciso sensibilidade para acessar as vibrações poéticas – seja pelo ouvir/olhar/sentir/falar. O poema é apenas produto, captado e codificado, que precisa ser recaptado e recodificado pelo ouvinte/leitor, no sentido de também poder experienciar o prazer estético e extático dessa energia – a poesia. Enquanto energia, a poesia está no dinâmico processo da vida, projetando-se através da paisagem, do sentimento, do semblante, da silhueta, da penumbra. Assim, podemos sentir a poesia que paira no horizonte numa tarde quente de verão, no jardim em plena primavera, na correnteza exuberante de um rio, no cantar dos pássaros na despedida da madrugada, na brincadeira inocente das crianças, na serenidade dos anciãos, enfim, na pintura, na música, na escultura, na arquitetura, etc. Principalmente, a poesia se revela em sua plenitude através do verbo: a palavra escrita ou falada.

Gilberto: Brinde-nos com um poema próprio ao qual muito aprecia.
Zé da Luz:
Deixo este para reflexão:

JOGO DA VIDA

Ai do pequeno que não
luta

que se esconde na própria
fraqueza

que desconhece a possível
certeza

que cai no jogo sem mostrar
defesa

morto está para o mundo
que vive

e vivo está para o tempo
que morre


Gilberto: Deus: é uma realidade ou possibilidade?
Zé da Luz:
Respondo com uma reconstrução de suas palavras: Deus é uma possibilidade real.

Gilberto: Eleja o(s) melhor(es) romance(s) de todos os tempos.
Zé da Luz:
Sinto muita dificuldade em responder a esta pergunta. Existe o cânone universal da literatura, onde se encontram as obras consagradas de autores consagradíssimos. Como não as li todas, a minha escolha seria parcial e provisória. Mas, sem dúvida, D. Quixote, de Miguel de Cervantes, e Dom Casmurro, Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, eu leria, releria, tresleria... Estas obras devem entrar em qualquer cânone literário.

Gilberto: Paulo Coelho, em recente entrevista à Folha, detonou o romance Ulisses. Afirmou: "Os autores hoje querem impressionar seus pares"; "Um dos livros que fez esse mal à humanidade foi 'Ulysses' [clássico de James Joyce], que é só estilo. Não tem nada ali. Se você disseca 'Ulysses', dá um tuíte".  Que pensa sobre Paulo Coelho e sobre esta afirmação?

Zé da Luz:
Não quero comprar polêmica sem conhecimento de causa. Contudo, reporto-me a apenas uma questão na fala do Paulo Coelho. Se “Ulysses é só estilo”, ele não deixa, em hipótese alguma, de ser um romance, e festejado. Cito aqui um comentário sobre essa obra: Considerado por alguns críticos como a obra mais importante do século XX, ‘Ulysses’ é um monumento dos tempos modernos. Nela estão presentes todos os elementos, agradáveis ou insossos, deste século entremeado por duas grandes guerras – o antissemitismo, a erotização, o racionalismo cientificista, o adultério, as falsidade das relações sociais. Para muitos, lê-la não é uma tarefa fácil, mas é certamente recompensadora” (Henry Alfred).
Afinal, “O estilo é o homem” (Buffon), e “Estilo é saber quem você é, o que você quer dizer, e não dar a mínima” (Gore Vidal).
Não posso falar de Paulo Coelho, o escritor, ainda não li um livro seu.

Gilberto: Livros de papel, aos poucos, estão perdendo espaço para os e-books. Há bibliotecas, nos E.U.A., apenas de obras digitalizadas. Que acha dessa tendência? Adaptar-se-á bem?
Zé da Luz:
No mundo pós-moderno, o sol continua brilhando para todos. Antigamente, se pensava que a televisão sepultaria o cinema, tempo depois se imaginou que a internet aposentaria a televisão... Como se vê, todos esses veículos continuam atuando em nossa sociedade, inclusive o rádio, o vovô deles.
Creio que o livro de papel ainda está muito longe de ser extinto. Haja vista o volume incontável de publicações técnicas, científicas, artísticas, religiosas, culturais, lançadas e vendidas diariamente no Brasil e no mundo.
Sinceramente, nada ainda substitui o prazer de ter um livro nas mãos, seja deitado numa rede, ou à beira de uma piscina, seja debaixo de uma árvore ou mesmo no silêncio de uma biblioteca.
Em todo caso, o que importa mesmo é a leitura: seja ela feita por meios físicos ou virtuais, “ler é o melhor exercício”. Sempre.

Gilberto: Cite obras que leu e detestou, autores que não recomendaria.
Zé da Luz:
Não me lembro de ter lido nenhum livro que não o recomendaria...
Com a palavra, Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

Gilberto: Fique à vontade quanto às palavras finais.
Zé da Luz:
Ufa! Uma viagem longa, mas prazerosa.
Fazia tempo que não me descortinava por inteiro.
Esvaziei meus baús de perdidos & achados.
Desejo que minhas palavras, simples e sinceras, possam me retratar de forma transparente e verdadeira aos olhos dos que me conhecem, e especialmente dos que ainda não me conheceram.  
Resta-me agradecer a você, Gilberto, pela iniciativa e deferência à minha pessoa.
Você é uma pessoa do bem. Seu trabalho neste contexto midiático é elogiável.

Para fechar as cortinas, ficam estes pensamentos autobiográficos:

- O conhecimento foi a estrada que me desviou do inferno.

- O meu tempo é agora, e se a corda da vida não arrebentar, vou tentar atar os elos do ontem e do amanhã na argola da felicidade.

10 comentários:

  1. Viagem curta para o comprimento, altura e largura da grandiosidade que é esse ilustre professor, poeta e escritor José da Luz Costa, de quem tenho orgulho e enorme satisfação de ser seu amigo. Mas como o próprio poeta diz, Tudo vale a pena quando a alma não é pequena! E Gil fez, mais uma vez, o gol de placa, ao exibir uma entrevista com uma autoridade dessas.

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  2. Tenho sempre o hábito de dar uma olhada no blog do amigo Gilberto e foi com um misto de surpresa, alegria e admiração que li a entrevista do professor Zé da Luz. E que bela entrevista!
    Quando adolescente, ouvia muito as pessoas falarem na competência do professor Zé da Luz. Naquela época, eu não o conhecia, nem mesmo de fisionomia, como se costuma dizer. Quando ingressei no Curso de Letras, aqui em Santa Cruz, para minha felicidade, cursei quase todas as cadeiras de Língua Portuguesa e Linguística com o professor Zé da Luz. Ainda hoje, lembro-me com bastante nitidez de suas aulas.
    Gilberto, hoje, você me traz uma convidativa oportunidade para agradecer publicamente ao professor Zé da Luz pelas tantas aulas que me foram dadas, pelos tantos conhecimentos que me foram repassados sobre essa nossa tão particular e bela Língua Portuguesa.

    Cristiane Praxedes Nóbrega

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  3. Mestre Nailson, obg pela apreciação. O que seria de um gol se não houvesse uma torcida para vibrar,não é mesmo? E vc não está simplesmente na minha torcida, amigo: tem dado bons passes e feito gols fantásticos.

    Cristiane, é um prazer ter uma leitora como vc, tão culta e inteligente. Zé da Luz, como era de se esperar, iluminou a muitos nesta entrevista. Pela abertura que nos deu na entrevista, a ele agradecemos.

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  4. Gilberto,

    Lembro-me de que “Gravetos e Veredas”, obra do imenso Zé da Luz, foi uma de minhas primeiras leituras na adolescência. Livro com o qual Zé da Luz presenteou meu pai, de quem é amigo há muito tempo. Não esqueço muitas máximas da referida obra (e olha que Zé da Luz estava apenas começando!).
    Zé da Luz é um incomensurável farol! Sinto-me feliz por ter sido iluminado por ele!

    Quanto à entrevista, dispensa maiores comentários. Gilberto sempre destaca o que há de mais importante em cada entrevistado. É uma riqueza!

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  5. Valeu, Teixeirinha! Cada vez mais vamos vendo a importância de Zé da Luz para nossas letras.

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  6. Grande Zé, irradiando Luz! Aluno que fui, de Matemática no Estadual e de Português e Linguística (ainda com trema), no Campus de Santa Cruz, continuo sendo um aluno seu, aprendendo com seus apólogos, com suas máximas, com seus artigos, com sua poesia, enfim, com sua história, que é um exemplo de vida a ser seguida. ZédaLuz, por sua competência, alcançou pleno sucesso na cátedra,sendo um dos mais respeitados professores no campo da Linguística, e quero crer que uma vez aposentado e vivendo o tão almejado ócio criativo, vá finalmente se dedicar um pouco mais à carreira literária, reeditando os excelentes "Gravetos e Veredas" e o "Maravalhas Ardentes" e outras máximas e pensamentos de seu riquíssimo baú, publicando também toda a sua obra poética, bem como o romance, inédito, que trará à tona um período marcante da história de Santa Cruz (o da grande enchente de 81). Gil, parabéns por mais uma brilhante entrevista, mas fiquei intrigado com a foto que a ilustra, pois juro para mim mesmo que você confundiu Zé da Luz com João Alberto, que de agora em diante passa a ser um sósia de Zé, pelo menos para mim (rsrsrs).

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  7. Obrigado, Grande Marcos! O Zé tá bem diferente nessa foto, realmente! rsrsrsrs

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  8. Estive com Zé da Luz hoje pela manhã,30.09.2012. Ele, inclusive, estava com essa mesma camisa. O visual dele está bem rejuvenescido mesmo. O cara fez tratamento ortodôntico etc e tal, deu uma emagrecida e tudo mais. Foi por isso que o mestre Cavalcanti o confundiu com João Alberto, que está bem gordinho. Com relação a vc, Gil, nunca vou estar na sua torcida!!!! Só era o que faltava, eu estar na torcida de Gil!!!!

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  9. Mais uma excepcional entrevista no nosso blog, a importancia de Zé Daluz para nossa cidade todos nós sabemos e reconhecemos.

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  10. Francisca Joseni dos Santos1 de outubro de 2012 às 08:00

    Zé Daluz é um exemplo a ser seguido, um grande referencial para todos aqueles que querem ter uma trajetória brilhante e produtiva através dos seus próprios esforços. Nailson além dos retoques "arquitetônicos" feitos existe também uma possível substituição dos óculos por lente de contato ou algo similar. Mas ele está bem na foto! Ah! a entrevista é simplesmente maravilhosa!
    Francisca Joseni dos Santos - Professora

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