Gilberto:
Brinde-nos com um texto autobiográfico. Fale-nos de suas origens humildes,
infância juventude e família.
Zé da Luz:
Caro
Gilberto, inicialmente gostaria de lhe agradecer a oportunidade e interesse em
entrevistar-me. Aceitei com entusiasmo o convite e já estou com meus baús de
memórias prontos para esta viagem... A respeito de minhas origens humildes, é
verdade, dariam material para um pequeno romance autobiográfico. Como ainda não
escrevi tal romance, prefiro transcrever aqui as primeiras estrofes do cordel
autobiográfico Do roçado ao doutorado
(2007), que ilustram em pequenas molduras verbais alguns fragmentos mnemônicos de
minha saudosa infância:
Nasci em
mil novecentos e sessenta
O poder
deixava as varandas litorais
JK inaugurava
a cidade de Brasília
No coração
dos cerrados centrais
O fusca era
o novo carro de passeio
E o vento
secava roupas nos varais
Com sangue
quente de nordestino
Vim ao
mundo nas terras de Goiás
Na tradição
antiga do campo
Meu pai
lidava de sol a sol nos arrozais
Minha mãe
acariciava os meus sonhos
Cantando
toadas debaixo dos laranjais
(...)
Dos
cerrados verdejantes de Goiás
Voltamos
pras terras áridas potiguares
E o sol que
aquece o tempo, aquece a gente
Enchendo de
fé e esperança os olhares
No aguardo
das enchentes e aguaceiros
Que fazem a
dança das almas nos altares
Voltamos
pras cercanias agrestes do Trairi
Sob os céus
da cidade de São Bento
Na casinha
de taipa do sítio Cupiras
Aprendi a
andar e a correr ao vento
Subir em
árvores e brincar nos lajedos
E passear
na cangalha de jumento
(...)
Quando um
dia acordei com idade de menino
Meu pai me
deu caderno, lápis e sacola
Disse pra
eu aprender a ler e escrever
E não
abandonar o caminho da escola
Pois neste
mundo o pior mendigo
É o que faz
do saber uma esmola
E assim as
estações da infância se passaram
Na rotina
da roça, escola e futebol
E no embalo
musical da Jovem Guarda
Criei asas
e cantei como rouxinol
Comecei a
me encantar por uma florzinha
Que fez
brilhar no coração a luz do sol
Nas noites de
luar lá na pracinha
As rodas de
cantiga e de cirandas
Meninos e
meninas enamorados
Sob o
brilho das estrelas venerandas
Contavam
histórias e juravam amor eterno
Sem saber
que o coração vive de demandas
(...)
Muito mais tenho
eu para lembrar
Mas não é exata a
matemática da memória
Prefiro emoldurar
esses eventos na minha alma
A cometer
injustiça com a história
Pois a gratidão é
a única recompensa
De quem ver na
verdade a sua glória
Gilberto:
Discorra um pouco sobre suas conquistas acadêmicas e atuais campos de estudo.
Zé da Luz:
Concluí o curso de Letras (UFRN) em 1984 e o de
Pedagogia (UFRN) em 1992. Ambos no campus de Santa Cruz. No curso de Pedagogia
fui o aluno laureado e orador da turma. Em 1993 fui aprovado em 1º lugar num
concurso para professor (Língua Portuguesa) da UFRN/campus avançado de Santa
Cruz. Esse foi um dos melhores momentos de minha vida. Em 1995, depois de ter
sido aprovado para o IFRN (Natal) – antiga ETFRN –, precisei me mudar para
Natal. Mas, por razões de foro íntimo, pedi exoneração do cargo. Eu já era
professor da UFRN e estava determinado a fazer pós-graduação.
De
1996 a 1997, fiz a Especialização; em 2001 concluí o Mestrado; em 2007 concluí
o Doutorado. Os três cursos foram realizados em
Estudos da Linguagem/Linguística Aplicada, na UFRN. Ainda estou pensando no
pós-doutorado; quem sabe nas terras de nossos patrícios lusitanos...
A linguagem é uma ferramenta extraordinária. A
linguagem nos transforma em seres especiais, capazes de transitar por esferas
sociais, virtuais, espirituais. Por isso, todos os meus esforços, teóricos e
práticos, estão voltados para a investigação, análise e produção de trabalhos
no campo da linguagem – especialmente em língua portuguesa.
Na vida
acadêmica, obtive algumas conquistas
Em Linguística,
comecei com a especialização
Na
sequencia, fiz o curso de mestrado
Quando
ampliaram o campo da pós-graduação
Fui
aprovado no curso de doutorado
E descobri
que a tese não acaba essa paixão
Foi
exatamente na pós-graduação
Que as
águas do saber se aprofundaram
As
enchentes das caudalosas teorias
Em todos os
recantos de minha casa entraram
Passei a
sonhar com pressupostos noite e dia
E minha rotina e retina se abalaram
Revisitei
as dicotomias de Saussure
O
respeitado pai da Lingüística
E da teoria
gerativa do Chomsky
Adquiri
algumas características
Que na
visão da gramática normativa
Parecem
mais coisas cabalísticas
No
redemoinho das diversas correntes
Aprendi que
a linguagem tem sua ética
A gramática
é dinâmica e emergente
E o uso
constante faz sua estética
Não há
lugar para o certo e o errado
Quando
comunicar é a regra dialética
Gilberto: Que
professor(es) e escola(s) foram marcantes em sua vida?
Zé da Luz:
Em
São Bento, a profa. Benta Lourenço. Em Santa Cruz, o prof. Ribeiro.
Logicamente, tive outros bons professores; citei esses dois sem deixar de
homenagear também os demais.
Com
certeza, o Grupo Escolar Theodorico Bezerra, em São Bento, é um ícone de meus
primeiros anos de escolaridade (Primário). Em Santa Cruz, cito a E. E. Prof.
Ribeiro (o Estadual) onde concluí o 1º grau (ensino fundamental) e, tempos
depois, lecionei diversas disciplinas, inclusive matemática (risos); e o
Colégio Técnico (CNEC) onde concluí o 2º grau (ensino básico) e atuei como
professor por seis anos. Mas, sem dúvida, a E. E. Cosme Marques foi um lugar
onde vivi excelentes experiências como diretor. Cito também os anos de estudante
universitário no Campus de Santa Cruz. Grande efervescência acadêmica, hoje não
mais vista. Veja a estrofe:
No campus avançado do Trairi
Fui aluno,
monitor, professor e diretor
Mas a
política equivocada de FHC
Quase
arruinou os campi do interior
Fui
obrigado a seguir pra capital
E mais uma
vez castigado pela dor
Gilberto:
Elenque pontos positivos e negativos de ser professor universitário.
Zé da Luz:
Quando
você faz o que gosta, no lugar certo, sendo respeitado e até admirado, esses
são inquestionavelmente os pontos positivos.
É claro, sendo razoavelmente (bem) pago para isso. Como pontos
negativos, por exemplo, ainda enfrentamos alguns problemas relacionados à
assiduidade e produtividade dos alunos.
Gilberto: O que
significa Natal para você e o ter que residir aí?
Zé da Luz:
Na
verdade, no dia 5 de março de 1995, deixei Santa Cruz literalmente chorando...
(não vale a ambiguidade, as lágrimas eram minhas mesmo!). No entanto, o tempo é
um remédio amargo mas curativo; hoje, já estou plenamente adaptado a esta
cidade, tão maltratada pela atual administração. Incrível, mas uma borboleta –
um animalzinho que é uma metáfora ecológica – causou muitos danos à paisagem
desta ainda aprazível capital. Sou privilegiado; moro num bairro ainda
tranquilo, mas, ao mesmo tempo, está próximo de tudo – shopping, praia, BR,
supermercados, universidades, além de contar com um sem-número de barzinhos
(risos). Certo dia escrevi isto: “São
Bento é meu ponto de partida, Santa Cruz é minha estrada, Natal é meu pódio”.
Como estou no campo de batalhas, espero, com as bênçãos dos céus, que muitas
coisas boas possam ainda me acontecer nesta cidade... Mais uma estrofe:
Refeito do
impacto dos primeiros dias
Comecei uma
relação de amor por Natal
A cidade
virando as páginas de sua história
E eu
aprendendo a domingar nas praias do
litoral
Todas as
noites contemplar suas estrelas e luar
Tem sido
meu exercício predileto, habitual
Resumindo: em Natal foi
possível realizar três cursos na área de pós-graduação, o que me favoreceu
bastante para a ascensão funcional na carreira de professor universitário. Sou também
sócio da UBE-RN – União Brasileira de Escritores. Por outro lado, nasceram
nesta capital minha filha caçula (Natalya) e meu primeiro neto (Arthur), entre
outras coisitas mais.
Gilberto: Quando
e como foi despertado em você o amor pela leitura? Como conseguia livros?
Fale-nos de obras que foram marcantes.
Zé da Luz:
A
bem da verdade, eu só botei os pés na escola pela primeira vez com nove anos de
idade! Imagine que coisa! Fora de faixa, como se dizia antigamente. Meu neto
tem três anos e já frequenta a escola há dois. Por isso tive de pisar forte no
acelerador... A partir dos dez anos comecei a dar meus mergulhos na superfície
dos textos. Que grande momento! A leitura talvez seja a maior das descobertas
da Humanidade. Falo da leitura plural, do processo pleno de decodificação de
signos para projeção de efeitos de sentido.
Em
São Bento, no início da década de 1970, havia poucas opções de leitura. Minha
mãe tinha uma amiga que morava nos arredores da cidade e que trazia revistas de
Natal. Que revistas? Capricho, Grande Hotel e outras do gênero. Traduzidas para
o português, as fotonovelas eram todas italianas e francesas, ambientadas em
cenários de Roma e Paris; tudo muito bonito, cerimonioso, respeitoso. Havia a
Sétimo Céu, produzida no Brasil. Depois, organizaram uma pequena biblioteca
municipal em que havia muitas revistas em quadrinhos; passei a ler gibis do
Walt Disney. Que delícia! Afora as leituras de cartilhas escolares, foi esse
universo romanesco das fotonovelas e lúdico dos quadrinhos que me desenvolveu o
gosto pela leitura. Lia diariamente, várias horas a fio. Já em Santa Cruz,
continuei com esse gosto pela leitura diletante, mas, como a gente cresce e
amadurece, ampliei o cardápio de opções. Passei a ler vorazmente livros de
história, romances, crônicas, poesia, ensaios, e também de filosofia. Lia os
livros da biblioteca municipal, mas também das pequenas bibliotecas escolares.
Algumas vezes conseguia livros com amigos. Muitos foram os livros que me
tocaram profundamente. Cito em primeiro lugar a Bíblia. Li-a por
completo, e continuo lendo-a de forma crítica e reflexiva. É um grande legado
histórico, social, cultural, filosófico, artístico, espiritual do mundo
cristão. Outras obras relevantes: Desobedecendo, de Henry Thoreau, Colunas
do caráter, S. Júlio Schwantes, O príncipe, de Maquiavel; Casa
grande e senzala, Gilberto Freyre; Vidas secas, Graciliano Ramos: Dom
Casmurro, de Machado de Assis; entre muitas outras. Passei a dedicar
mais tempo aos livros do que a qualquer outra coisa. Lia de tudo. Cheguei a
listar num caderno todos os livros lidos durante um ano. Lembro que, em
determinado ano da década de 80, consegui ler mais de cem obras. Paradoxalmente,
creio que fui beneficiado pela ausência da internet, celular e até certo tempo
da TV. Então sobrava tempo demais para leitura... além de um joguinho de futebol, uma pescaria
no açude, um namorico aqui e ali, uma geladinha no Bar do Mangue, no Bar do
Baixinho, etc. Depois, vem a casa, o casamento, etc. etc. etc.
Gilberto: Quando
produziu seu primeiro texto? Lembra-se dele? Em linhas gerais, o que já
produziu?
Zé da Luz:
Meu
primeiro texto, fora da escola, foi uma oração. Escrevi-a em 1980. Depois a
repasso para vocês na íntegra. Como se vê, nada aconteceu precocemente em minha
vida. Tudo foi fruto de muito trabalho e amadurecimento pessoal, social,
espiritual. No campo literário, há alguns anos venho escrevendo poesia,
crônicas, e principalmente aforismos. Quase todos são trabalhos inéditos. No
campo da pesquisa linguística, tenho escrito alguns artigos sobre fenômenos
sintáticos e semânticos. Considero também bastante significativas as minhas
participações em antologias poéticas produzidas por vários poetas de Santa
Cruz. Ademais, pretendo escrever um romance de cunho histórico, mesclando
realidade com ficção, resgatando um fato marcante acontecido em Santa Cruz. Por
ora, fiquemos por aqui.
Gilberto:
Sente-se mais à vontade com a prosa ou com a poesia?
Zé da Luz:
Na
poesia, procuro ser conciso e profundo (???); na prosa, sou livre e caudaloso.
Penso que a poesia mexe mais com nosso íntimo, a prosa mexe mais com o íntimo
dos outros. Me sinto mais à vontade com a prosa (tão à vontade que acabei de
desobedecer a uma regra da gramática!) (risos).
Gilberto:
Fale-nos especificamente de seu cordel autobiográfico. Que pensa hoje sobre
esse estilo de poesia?
Zé da Luz:
O
cordel é uma manifestação literária legítima e em plena expansão. Hoje está
presente em quase todos os cenários artístico-culturais, não mais restrito às
feiras livres, sobrevivendo da voz solitária de um trovador ou menestrel. É um
gênero de poesia que proporciona falar de qualquer assunto, usando um registro
formal ou coloquial, didático ou humorístico. Quanto ao cordel autobiográfico,
fui motivado pela conclusão do doutorado em 2007. Pensei em dar uma
lembrancinha (souvenir) para os
convidados à cerimônia de defesa. Então surgiu a ideia de falar um pouco de
mim, usando a poesia de cordel. Foi bem recepcionado. Mantive um tom meio
formal, mas sem me preocupar muito com as técnicas da versificação.
Gilberto:
Relendo o Maravalhas Ardentes hoje, encontra pensamentos descartáveis, ou
ingênuos?
Zé da Luz:
Claro,
mas somos como as árvores: quanto mais velhas, mais os frutos são saborosos.
Defendo o seguinte princípio: Não fale
algo que você não tenha coragem de escrever. Tudo que escrevi, no tempo em
que escrevi, tive a coragem de falar para alguém, ou para minha própria
consciência. A partir da máxima heraclitiana “um homem não se banha duas vezes
no mesmo rio”, parafraseio-a dizendo que ninguém
escreve duas vezes o mesmo texto. Por isso, não pretendo modificar o que já
está escrito. Do contrário, seriam novos textos. Prefiro preservar o estatuto
histórico de cada texto que escrevi, mesmo sabendo que certas ideias, hoje, são
consideradas anacrônicas, extemporâneas, ou mesmo ingênuas. Faz parte.
Gilberto: O que
pretende publicar ainda?
Zé da Luz:
Creio
que a esta pergunta podem ser aplicadas algumas informações anteriores. Em todo
caso, tenho também o desejo de escrever um manual
de morfossintaxe, para uso doméstico na universidade e em escolas de ensino
básico. Seria uma modesta contribuição para rejuvenescer e arejar o ensino
dessa área gramatical.
Gilberto:
Pesquisas recentes dão conta que 38% dos estudantes universitários têm
dificuldade em leitura e escrita. Você rotineiramente percebe esse drama?
Zé da Luz:
Exatamente.
A leitura e a escrita são processos cognitivos sofisticados. Ler com
proficiência qualquer tipo de texto e escrever com razoável competência,
assumindo um estilo próprio, não são tarefas tão simples. E, infelizmente, as
escolas não conseguiram ainda trabalhar isso de forma produtiva, reflexiva,
crítica. Obviamente, a situação atual já é bem melhor do que décadas
anteriores.
Gilberto: Qual a
real importância do estudo da gramática normativa para o aprendizado da língua?
Acha que os professores de primeiro e segundo graus de Língua Portuguesa são,
em parte, responsáveis pelo analfabetismo funcional?
Zé da Luz:
A
gramática normativa deita suas raízes na antiguidade clássica (greco-latina).
Ao longo dos séculos, sua proposta é estabelecer parâmetros prescritivos para
orientar os comportamentos comunicativos, falando e escrevendo, segundo um
padrão de língua socialmente prestigiado (a língua literária). Portanto,
constitui um modelo de descrição da língua, que deve ser estudado,
principalmente, na escola. Afinal, trata-se da modalidade oficial de língua
adotada pelo Estado brasileiro (e outras nações). Consiste também no veículo de
transmissão dos saberes científicos, pedagógicos, filosóficos, teológicos,
jurídicos e artísticos. Não há língua sem gramática. Mas a gramática não
comporta a língua na sua totalidade. Existem muitas gramáticas, pois existem
muitas manifestações linguísticas. E todas as manifestações linguísticas devem
ser objeto de estudo nas escolas e academias universitárias, respeitando, logicamente,
cada nível de maturidade dos alunos. Em especial, a escola não pode suprimir a
espontaneidade linguística dos alunos. Ela deve suprir os alunos com as
variações dialetais socialmente correntes e aceitas no país. É a ideia do
poliglota de sua própria língua, defendida pelo gramático Bechara. Para isso,
precisamos de professores bem (in)formados e motivados psicológica e
financeiramente, num ambiente pedagógico bem estruturado. Lembro, ainda, que
não se ensina a língua apenas pelo caminho da gramática. O estudo da gramática
pela gramática fracassou há muito tempo. O estudo da língua deve partir dos
textos (leitura e escrita), pois todo texto pressupõe uma gramática, seja ela
formal ou informal, literária, técnica ou coloquial.
A
problematização do ensino de língua materna é um assunto muito complexo,
envolve muitos aspectos teóricos e práticos. Não vejo os professores como
culpados, mas como vítimas (junto com pais, alunos, técnicos) nesta conjuntura
da problematização. Nessa perspectiva, não podemos proceder à caça das bruxas
(maus profissionais, maus pais, maus alunos). Isso sempre existiu. Precisamos
enfrentar os problemas juntos (governo, sociedade, estudiosos, etc.), buscando
soluções quase sempre transitórias para problemas quase sempre velhos e recorrentes.
É a implacável força da dinamicidade da vida a exigir de todos energias para
prosseguir perante os desafios.
Cristovão
Buarque disse certa vez que só acreditava numa revolução educacional quando
esta passasse pela CABEÇA do professor, pelo CORAÇÃO do professor, pelo BOLSO
do professor.
Acho que é por aí o caminho: FORMAÇÃO –
MOTIVAÇÃO/COMPROMISSO – VALORIZAÇÃO.
Gilberto: Caso
conheça, que visão tem das ideias de Marcos Bagno e de Rubem Alves?
Zé da Luz:
Sobre
Rubens Alves, não ouso falar, pois não o li ainda. Sei que é um autor muito aplaudido
no cenário nacional.
Quanto
a Marcos Bagno, trata-se de um linguista do discurso. Não está preocupado com a
gramática da língua em si. Sua formação sociolinguística permite abordar, sem
preconceitos, todas as variações linguísticas como sendo legítimas
manifestações do idioma em nosso país.
Ele
defende novos paradigmas para o ensino do português brasileiro. Como tudo que é
novo, tal proposta se torna impactante e causa estranhamento por parte de
agentes conservadores ou reacionários. Considero um dos arautos das
contribuições científicas no campo das pesquisas linguísticas, em que pesem as
arengas ideológicas travadas entre ele e outros representantes da tradição
gramatical.
Gilberto:
Particularmente, tributa sua eficiência no manejo da língua à leitura ou ao
estudo da gramática?
Zé da Luz:
A
leitura dos inúmeros livros e revistas que li ao longo da vida me proporcionou
conhecer melhor o espírito da língua. A gramática está presente, viva e
dinâmica, nos textos. Fora disso, a gramática vira produto, sem vida, passivo
ante as visitas esporádicas dos que se atormentam com as dúvidas...
Pergunto
a você: Quem é que vive constantemente consultando um manual com regras de
trânsito, para depois sair dirigindo seu carro? Quem é que vive lendo o Código
do Consumidor, para depois sair e comprar os produtos desejados? Quem é que
vive abrindo a Bíblia diariamente, para depois sair e interagir com seus
vizinhos ou desconhecidos? É isso mesmo,
da mesma forma ninguém sente necessidade de ler a gramática diariamente, para
depois sair e atuar nos palcos da vida...
A
gramática é apenas mais um dos muitos expedientes ou suportes das/nas práticas
pedagógicas do ensino da língua.
Gilberto: Já leu
Língua e Liberdade, de Luft? E a crônica O Gigolô das Palavras, de Veríssimo –
texto em que o livro se baseia – conhece? Que pensa a respeito?
Zé da Luz:
Já li ambas as obras e
recomendo a todos a leitura delas. São obras que manifestam uma visão lúcida e
lúdica, respectivamente, da natureza funcional do idioma. Ajudam-nos a refletir
e assumir uma postura crítica (mas responsável) no estudo das questões
linguísticas.
Gilberto:
Recomende-nos algumas leituras no campo literário e/ou acadêmico.
Zé da Luz:
Para
quem está viajando pela primeira vez no território da literatura nacional,
recomendo os clássicos, anteriormente mencionados. Sempre é bom começar com os
mestres, para não se desencantar com os discípulos. Todavia, sobretudo, é
salutar ter uma mente aberta, para provar do saber e do sabor das coisas novas
e antigas. Portanto, leia os clássicos citados nesta entrevista. Vantagem
dupla: apreciar literatura e aprender história.
Gilberto: Que
diferenças, no âmbito da política, religião, estilo de vida e profissão, há
entre o José de hoje e o de antes?
Zé da Luz:
O
José de hoje é a soma de todos os josés emanados ao longo de meus 52 abris
(nunca fiz esse plural antes!). Mas todos têm o mesmo caráter e o mesmo
coração. Sem maiores detalhes (até porque, acredito, todos me conhecem muito
bem), transcrevo mais um poemeto autobiográfico:
Eu
sou apenas um Zé,
um
cara iluminado e cheio de fé.
Não
gosto de briga nem de intriga.
Mas
não tenho medo de sombras
nem
gritos de assombração.
Não
carrego nada nas mãos.
A
boca me faz o bico
e a
mala é meu coração.
Semeio
aqui mais uns pensamentos meus:
- A política está acima dos
partidos, mas a pátria está acima da política, porque o povo está acima da
pátria.
- O povo e Deus caminham
juntos, apesar das sombras e das curvas da estrada.
- Convém afirmar que a
dignidade de pobre começa pela boca: gostar de falar a verdade, orar com
sinceridade, comer o pão com o suor do rosto.
Gilberto: Tem
alguma ideia revolucionária ou receita para colocar a educação nos eixos? Qual?
Zé da Luz:
Santo
Deus! Se eu tivesse essa clarividência, certamente que eu estaria em Brasília,
no Ministério da Educação (risos). Não, não tenho nenhuma receita para
aplicação imediata no campo da educação. No entanto, tenho contribuído de forma
incessante, no âmbito de minhas ações pedagógicas, para elevar o nível do
diálogo e da reflexão acerca da problemática educacional (município, estado,
união). Com certeza, existe muita gente, preparada e bem intencionada,
debatendo e trabalhando nesse sentido. Os frutos já começam a surgir... (basta
observar, em termos gerais, a visibilidade do Brasil de ontem e de hoje,
interna e internacionalmente). Isso não acontece por acaso.
Gilberto: De que(m)
sente saudades?
Zé da Luz:
Sinto
muitas saudades de meu mano Gabriel e de meu avô Totonho. Sinto saudade de
alguns amigos que partiram prematuramente: Zezinho de Hosana, Cezar, Marcélio,
entre outros.
Confesso:
sou um saudosista sem melancolia. Ainda povoam meus sonhos os tempos de
infância vivida em São Bento do Trairi, e os primeiros anos vividos no bairro
do Paraíso, em Santa Cruz, quando a atmosfera por lá ainda era suave e o rio
corria livre e limpo por baixo da ponte...
Como vou todo mês a Santa
Cruz, uma forma de não permitir que a saudade invada meu coração, vejo e revejo
meus pais, avó, irmãos, sogra, e muitos amigos que estimo profundamente. Claro,
a cervejinha gelada continua inigualável!...
Gilberto: Você é
um amante das máximas. Apresente pensamentos que norteiam sua vida.
Zé da Luz:
Cito algumas de meu próprio engenho:
- Minha crença em Deus vem mais da ciência do que da
religião.
- A corrupção exterior é a projeção da corrupção
interior.
- Não quero um futuro entre muros, nem com olhos cheios
de medo; não quero caminhos escuros, nem sussurros de segredo.
- As nuvens são cheias e leves, os homens são vazios e pesados.
- Toda criança deve ter um brinquedo e um livro em suas mãos; um
brinquedo para a inocência, e um livro para a consciência.
- Três coisas arruínam a qualidade do
serviço público no Brasil: a inassiduidade abonada, a ociosidade remunerada e a
improbidade premiada.
- A língua é uma lâmina cortante; quando muito afiada pode ferir
os outros, quando muito rebota pode machucar a nós mesmos.
É isso, amigos, vamos aguardar a publicação dessas
obras. (risos)
Gilberto: Quem
são seus escritores preferidos? E filósofo predileto, tem algum?
Zé da Luz:
LITERATURA:
em língua portuguesa: Machado de Assis, Graciliano Ramos, Humberto de Campos,
Clarice Lispector, Carlos Drummond, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa; em língua
espanhola: Cervantes, Garcia Marques (sei que gosto de muitos mais!).
FILOSOFIA:
li quase todas as obras de Nietzsche; tenho lido alguns textos de Platão,
Rousseau, Pascal, Foucault, Deleuze, entre outros. Na verdade, por necessidade
do ofício docente, atualmente tenho me concentrado mais na área de Linguística
Cognitiva (Semântica Cognitiva) e Gramática da Construção.
Gilberto: Por
quais poemas tem predileção?
Zé da Luz:
Existem
muitos poemas maravilhosos de poetas maravilhosos. Não gostaria de ser injusto
com nenhum deles... Inclusive comigo mesmo (risos).
Gilberto: O que
é poesia? O que significa para sua vida?
Zé da Luz:
Na minha concepção, poesia é
energia vital em profusão pelo cosmos, que se manifesta entre nós, humanos,
pelos sentidos. Por isso, é preciso sensibilidade para acessar as vibrações
poéticas – seja pelo ouvir/olhar/sentir/falar. O poema é apenas produto,
captado e codificado, que precisa ser recaptado e recodificado pelo
ouvinte/leitor, no sentido de também poder experienciar o prazer estético e extático
dessa energia – a poesia. Enquanto energia, a poesia está no dinâmico processo
da vida, projetando-se através da paisagem, do sentimento, do semblante, da
silhueta, da penumbra. Assim, podemos sentir a poesia que paira no horizonte
numa tarde quente de verão, no jardim em plena primavera, na correnteza
exuberante de um rio, no cantar dos pássaros na despedida da madrugada, na
brincadeira inocente das crianças, na serenidade dos anciãos, enfim, na
pintura, na música, na escultura, na arquitetura, etc. Principalmente, a poesia
se revela em sua plenitude através do verbo: a palavra escrita ou falada.
Gilberto: Brinde-nos
com um poema próprio ao qual muito aprecia.
Zé da Luz:
Deixo
este para reflexão:
JOGO DA VIDA
Ai do pequeno que não
luta
que se esconde na própria
fraqueza
que desconhece a possível
certeza
que cai no jogo sem mostrar
defesa
morto está para o mundo
que vive
e vivo está para o tempo
que morre
Gilberto: Deus:
é uma realidade ou possibilidade?
Zé da Luz:
Respondo
com uma reconstrução de suas palavras: Deus
é uma possibilidade real.
Gilberto: Eleja
o(s) melhor(es) romance(s) de todos os tempos.
Zé da Luz:
Sinto
muita dificuldade em responder a esta pergunta. Existe o cânone universal da
literatura, onde se encontram as obras consagradas de autores consagradíssimos.
Como não as li todas, a minha escolha seria parcial e provisória. Mas, sem
dúvida, D. Quixote, de Miguel de
Cervantes, e Dom Casmurro, Memórias póstumas de Brás Cubas, de
Machado de Assis, eu leria, releria, tresleria... Estas obras devem entrar em
qualquer cânone literário.
Gilberto: Paulo
Coelho, em recente entrevista à Folha, detonou o romance Ulisses. Afirmou: "Os
autores hoje querem impressionar seus pares"; "Um dos livros que fez
esse mal à humanidade foi 'Ulysses' [clássico de James Joyce], que é só estilo.
Não tem nada ali. Se você disseca 'Ulysses', dá um tuíte". Que pensa sobre Paulo Coelho e sobre esta
afirmação?
Zé da Luz:
Não quero comprar polêmica sem conhecimento de
causa. Contudo, reporto-me a apenas uma questão na fala do Paulo Coelho. Se
“Ulysses é só estilo”, ele não deixa, em hipótese alguma, de ser um romance, e
festejado. Cito aqui um comentário sobre essa obra: “Considerado por alguns
críticos como a obra mais importante do século XX, ‘Ulysses’ é um monumento dos
tempos modernos. Nela estão presentes todos os elementos, agradáveis ou
insossos, deste século entremeado por duas grandes guerras – o antissemitismo,
a erotização, o racionalismo cientificista, o adultério, as falsidade das
relações sociais. Para muitos, lê-la não é uma tarefa fácil, mas é certamente
recompensadora” (Henry Alfred).
Afinal,
“O estilo é o homem” (Buffon), e “Estilo é saber quem você é, o que você quer
dizer, e não dar a mínima” (Gore Vidal).
Não
posso falar de Paulo Coelho, o escritor, ainda não li um livro seu.
Gilberto: Livros
de papel, aos poucos, estão perdendo espaço para os e-books. Há bibliotecas,
nos E.U.A., apenas de obras digitalizadas. Que acha dessa tendência?
Adaptar-se-á bem?
Zé da Luz:
No
mundo pós-moderno, o sol continua brilhando para todos. Antigamente, se pensava
que a televisão sepultaria o cinema, tempo depois se imaginou que a internet
aposentaria a televisão... Como se vê, todos esses veículos continuam atuando
em nossa sociedade, inclusive o rádio, o vovô deles.
Creio
que o livro de papel ainda está muito longe de ser extinto. Haja vista o volume
incontável de publicações técnicas, científicas, artísticas, religiosas,
culturais, lançadas e vendidas diariamente no Brasil e no mundo.
Sinceramente,
nada ainda substitui o prazer de ter um livro nas mãos, seja deitado numa rede,
ou à beira de uma piscina, seja debaixo de uma árvore ou mesmo no silêncio de
uma biblioteca.
Em
todo caso, o que importa mesmo é a leitura: seja ela feita por meios físicos ou
virtuais, “ler é o melhor exercício”. Sempre.
Gilberto: Cite
obras que leu e detestou, autores que não recomendaria.
Zé da Luz:
Não
me lembro de ter lido nenhum livro que não o recomendaria...
Com
a palavra, Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
Gilberto: Fique
à vontade quanto às palavras finais.
Zé da Luz:
Ufa!
Uma viagem longa, mas prazerosa.
Fazia
tempo que não me descortinava por inteiro.
Esvaziei
meus baús de perdidos & achados.
Desejo
que minhas palavras, simples e sinceras, possam me retratar de forma
transparente e verdadeira aos olhos dos que me conhecem, e especialmente dos
que ainda não me conheceram.
Resta-me
agradecer a você, Gilberto, pela iniciativa e deferência à minha pessoa.
Você
é uma pessoa do bem. Seu trabalho neste contexto midiático é elogiável.
Para
fechar as cortinas, ficam estes pensamentos autobiográficos:
- O conhecimento foi a
estrada que me desviou do inferno.
- O meu tempo é agora, e se a
corda da vida não arrebentar, vou tentar atar os elos do ontem e do amanhã na
argola da felicidade.
Viagem curta para o comprimento, altura e largura da grandiosidade que é esse ilustre professor, poeta e escritor José da Luz Costa, de quem tenho orgulho e enorme satisfação de ser seu amigo. Mas como o próprio poeta diz, Tudo vale a pena quando a alma não é pequena! E Gil fez, mais uma vez, o gol de placa, ao exibir uma entrevista com uma autoridade dessas.
ResponderExcluirTenho sempre o hábito de dar uma olhada no blog do amigo Gilberto e foi com um misto de surpresa, alegria e admiração que li a entrevista do professor Zé da Luz. E que bela entrevista!
ResponderExcluirQuando adolescente, ouvia muito as pessoas falarem na competência do professor Zé da Luz. Naquela época, eu não o conhecia, nem mesmo de fisionomia, como se costuma dizer. Quando ingressei no Curso de Letras, aqui em Santa Cruz, para minha felicidade, cursei quase todas as cadeiras de Língua Portuguesa e Linguística com o professor Zé da Luz. Ainda hoje, lembro-me com bastante nitidez de suas aulas.
Gilberto, hoje, você me traz uma convidativa oportunidade para agradecer publicamente ao professor Zé da Luz pelas tantas aulas que me foram dadas, pelos tantos conhecimentos que me foram repassados sobre essa nossa tão particular e bela Língua Portuguesa.
Cristiane Praxedes Nóbrega
Mestre Nailson, obg pela apreciação. O que seria de um gol se não houvesse uma torcida para vibrar,não é mesmo? E vc não está simplesmente na minha torcida, amigo: tem dado bons passes e feito gols fantásticos.
ResponderExcluirCristiane, é um prazer ter uma leitora como vc, tão culta e inteligente. Zé da Luz, como era de se esperar, iluminou a muitos nesta entrevista. Pela abertura que nos deu na entrevista, a ele agradecemos.
Gilberto,
ResponderExcluirLembro-me de que “Gravetos e Veredas”, obra do imenso Zé da Luz, foi uma de minhas primeiras leituras na adolescência. Livro com o qual Zé da Luz presenteou meu pai, de quem é amigo há muito tempo. Não esqueço muitas máximas da referida obra (e olha que Zé da Luz estava apenas começando!).
Zé da Luz é um incomensurável farol! Sinto-me feliz por ter sido iluminado por ele!
Quanto à entrevista, dispensa maiores comentários. Gilberto sempre destaca o que há de mais importante em cada entrevistado. É uma riqueza!
Valeu, Teixeirinha! Cada vez mais vamos vendo a importância de Zé da Luz para nossas letras.
ResponderExcluirGrande Zé, irradiando Luz! Aluno que fui, de Matemática no Estadual e de Português e Linguística (ainda com trema), no Campus de Santa Cruz, continuo sendo um aluno seu, aprendendo com seus apólogos, com suas máximas, com seus artigos, com sua poesia, enfim, com sua história, que é um exemplo de vida a ser seguida. ZédaLuz, por sua competência, alcançou pleno sucesso na cátedra,sendo um dos mais respeitados professores no campo da Linguística, e quero crer que uma vez aposentado e vivendo o tão almejado ócio criativo, vá finalmente se dedicar um pouco mais à carreira literária, reeditando os excelentes "Gravetos e Veredas" e o "Maravalhas Ardentes" e outras máximas e pensamentos de seu riquíssimo baú, publicando também toda a sua obra poética, bem como o romance, inédito, que trará à tona um período marcante da história de Santa Cruz (o da grande enchente de 81). Gil, parabéns por mais uma brilhante entrevista, mas fiquei intrigado com a foto que a ilustra, pois juro para mim mesmo que você confundiu Zé da Luz com João Alberto, que de agora em diante passa a ser um sósia de Zé, pelo menos para mim (rsrsrs).
ResponderExcluirObrigado, Grande Marcos! O Zé tá bem diferente nessa foto, realmente! rsrsrsrs
ResponderExcluirEstive com Zé da Luz hoje pela manhã,30.09.2012. Ele, inclusive, estava com essa mesma camisa. O visual dele está bem rejuvenescido mesmo. O cara fez tratamento ortodôntico etc e tal, deu uma emagrecida e tudo mais. Foi por isso que o mestre Cavalcanti o confundiu com João Alberto, que está bem gordinho. Com relação a vc, Gil, nunca vou estar na sua torcida!!!! Só era o que faltava, eu estar na torcida de Gil!!!!
ResponderExcluirMais uma excepcional entrevista no nosso blog, a importancia de Zé Daluz para nossa cidade todos nós sabemos e reconhecemos.
ResponderExcluirZé Daluz é um exemplo a ser seguido, um grande referencial para todos aqueles que querem ter uma trajetória brilhante e produtiva através dos seus próprios esforços. Nailson além dos retoques "arquitetônicos" feitos existe também uma possível substituição dos óculos por lente de contato ou algo similar. Mas ele está bem na foto! Ah! a entrevista é simplesmente maravilhosa!
ResponderExcluirFrancisca Joseni dos Santos - Professora