terça-feira, 29 de novembro de 2011

A LITERATURA DA DÉCADA DO MEDO - Nailson Costa

Na década de 70, a ditadura militar intensificou a  repressão política, a censura e,
conseqüentemente, a violência. A propaganda ideológica do regime estava, cada vez mais,
presente na vida dos brasileiros.
No Rio Grande do Norte a censura, a repressão e a perseguição política não eram mais
suaves do que no resto do país. O governador Cortez  Pereira usou sua retórica
desenvolvimentista para vender a imagem do Estado com suas riquezas econômicas e
naturais. A UFRN incentivou a realização de Semanas  Culturais e com isso propiciou o

surgimento de talentosos artistas plásticos, escultores, poetas e cronistas detentores de
linguagens e de temáticas próprias.
Foram inaugurados em Santa Cruz o Ginásio Estadual (hoje a Escola Estadual Prof.
Francisco de Assis Dias Ribeiro), a Escola Normal (hoje a Escola Estadual José Bezerra
Cavalcanti – antigo Pedagógico), a Escola Estadual  Isabel Oscarlina Marques, a Escola
Estadual João Ferreira de Souza, a Escola Municipal Antônio Alexandre Pontes, a Biblioteca
Municipal, a Caixa Econômica Federal, o Bradesco, o SAAE, o Conjunto Residencial Aluísio
Bezerra, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Santa Cruz continuou a passos largos nos
caminhos do desenvolvimento70.
Na literatura nacional, o poema social – uma poesia  de expressão política, de
linguagem simples e escolha de temas relacionados com a realidade do país – apesar da
repressão, começava a se fazer presente com mais freqüência.
Nacionalmente, a poesia das décadas de 1960 e 1970 reuniu várias influências do que
ficou conhecido como contracultura71: a poesia de protesto, de denúncia social, de
esmagamento do indivíduo na sociedade industrial, na era da conquista espacial; o
psicodelismo. Além disso, apresentou a retomada de certos valores da Geração de 22, como o
prosaico, a simultaneidade de idéias e de imagens, bem como influências do Concretismo. Por
tudo isso, foi descrita como “sincrética”, ou seja, que reúne várias tendências diferentes.
No plano estadual, o conto, gênero narrativo não muito utilizado pelos nossos artistas
da palavra escrita em terras potiguares, começou a ser praticado. Nomes como os de Eulício


Farias de Lacerda, Socorro Trindade, Francisco Sobreira e Tarcísio Gurgel são
representativos quando se trata desse novo gênero literário.
Socorro Trindade, sem medo de ousar na forma, corajosamente externou a sua
indignação com o atual momento político por que passava a nação brasileira e provocou a
censura ao lançar o livro Eu não tenho palavras em que só tinha na capa o título e o nome da
autora. O restante da folhas, como o próprio título sugere, não tinha palavras, as páginas
estavam dadaisticamente em branco.
Se antes da repressão os artistas de Santa Cruz não optaram por temas polêmicos ou
não fizeram uso das mais variadas inovações formais já há muito praticada, inclusive pelos
nossos conterrâneos potiguares, no auge das perseguições, do medo, da morte, muito menos
ainda. A literatura local não deu trabalho àqueles encarregados de fiscalizar e manter a ordem
estabelecida. Nossas obras mantiveram, portanto, em seus versos, os traços medievais,
clássicos, neoclássicos ou românticos subjetivos de sua lírica.
Os anos 70 seguem seus antecessores românticos lendo e cantando os poemas, cantos
e hinos que melhor traduziam suas tradicionais posturas líricas.
Os artistas da palavra escrita e falada, responsáveis pela expressão desses sentimentos,
são Maria Celestina da Silveira (Dona Maroquinha),  Joca Lindo, Luís Francisco Xavier,
Fabiano e Franklin, Rosemilton Silva, Teresa Lúcia de Carvalho Silva, Antônio Borges,
Adonias Soares, Letácio, José Iválter, José Antônio de Melo, Geraldo Moura e tantos outros.
Como os poetas não queriam se indispor com o regime ditatorial no qual vivia o país,
restava-lhes escrever sobre temas que não questionassem aquela política imposta. [...]
[...]


Muitos cordelistas (não violeiros) desta cidade contaram a saga de famílias
importantes, como a família Bezerra, que teve como  seu principal expoente o Major
Theodorico Bezerra. O livro, O Imperador do Sertão, escrito pelo seu sobrinho, o médico e
político Lauro Bezerra, conta os muitos feitos do seu representante maior.
Em 1978 é lançado em Natal o livro Retalhos do meu sertão do agente de estatística e
professor José Euzébio Fernandes Bezerra, nascido na fazenda Boa Vista, município de Santa
Cruz – RN, em 19 de outubro de 1910.
O livro divide-se em duas partes. Na primeira, No mundo do vaqueiro, o escritor fala
de Apartação, Vaquejada, Aboio do vaqueiro, Poeta dos vaqueiros - Fabião das Queimadas –
e seus versos, Habilidades dos criadores e vaqueiros, O Curador de Rasto, Vestuário dos
vaqueiros e arreios, O cavalo e o burro-mulo, etc.; na segunda, Biografias e linhagens, são

ressaltadas as biografias e linhagens dos principais fazendeiros, vaqueiros das micro-regiões
Trairi-Potengi.
Apesar de o autor classificar, erroneamente, essas micro-regiões como sendo sertão,
sua obra é uma considerável fonte de pesquisas folclóricas da região. É literatura a serviço da
informação, gênero didático.
De 1825 a 1979, a literatura de Santa Cruz esteve a serviço das homenagens, de suas
saudades, interessando-se apenas pelos sentimentos e emoções pessoais, frutos de  uma visão
egocêntrica e de um universo limitado ao “eu”. Na verdade, o “eu-lírico” evade-se de seu
tempo e de seu espaço para encontrar nas glórias do passado e no imaginário uma espécie de
compensação das falhas encontradas no seu mundo real.


Fonte: Literatura Santacruzense. Autor: Nailson Costa de Medeiros.

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