sábado, 1 de outubro de 2011

Eles estão no caminho - Prof. Francisco Maciel


Eles estão no caminho

Outro dia fui com meu pai a Bananeiras na Paraíba, não tão distante, visitar um amigo e participar de uma cantoria. Foram duas horas de viagem, até que conseguimos localizar um dos últimos bairros daquela cidade e encaminhados para uma das casas da última rua. Ao adentrarmos, chamou-me a atenção na sala, uma estante velha com todo seu espaço dividido somente por uma televisão “antiga” e alguns livros.

Aquele homem, cantador de viola, criara seus quatro filhos sem emprego fixo, dependendo de convites ou se oferecendo para cantar nas residências, nos bares, nas feiras-livres ou , em tempos modernos, tentando convencer o povo a comprar CDs  . Não se cobra ingresso para este tipo de apresentação,  apenas se coloca uma “bandeja” e cada um contribui segundo as canções, estilos  ou temas que querem ouvir e no final o dinheiro é dividido entre os dois , pois sempre se apresentam em duplas.  Ele nunca pôde contribuir para o INSS e o sustento da família, até bem pouco, dependeu exclusivamente de sua voz, de seus talentos e de seu retorno para casa, após dias e dias viajando por lugares vizinhos ou mais distantes. 

Admirei quando aquele homem do alto de sua idade disse que havia convidado sua professora para assistir à cantoria e quando fez questão de ler pra gente  um documento com informações sobre os repasses do governo federal para o seu município, esclarecendo que eram apenas de ICMS, fundo de participação e que no mês anterior chegara aos dois milhões porque foi o mês que os brasileiros declararam imposto de renda. Depois ouvi sua esposa dizer que não concordava que os pais matriculassem seus filhos em escolas particulares,  mas sim que reivindicassem melhorias na escola pública. Fiquei sabendo que ela recentemente havia se formado em pedagogia e que estava trabalhando numa escola na zona rural, pois foi aprovada em concurso público do município.

O melhor estava por vir, quando descobri um casal de adolescentes: eram os dois filhos mais velhos. A menina , que dissera  freqüentar a lan hause apenas quando tinha que fazer uma pesquisa, havia sido aprovada em 2º lugar em um concurso para agente de meio ambiente na cidade vizinha, estava inscrita em dois vestibulares diferentes, conseguira acertar 46 questões no ENEM e já chegara a ficar estudando até às três horas da manhã. Seu irmão, um ano mais novo , conseguira acertar 53 questões no ENEM , de um total de 63 e estava inscrito também em dois vestibulares diferentes, sendo que já parcialmente aprovado para o curso de Ciências Agrárias, uma vez que nas etapas de que participou, a pontuação máxima conseguida foi em torno de quatrocentos pontos e ele já ultrapassara os seiscentos .

Fiquei encantado e parabenizei aquele pai que se limitou a dizer: “Eles estão no caminho”.

Ao retornar, refleti mais uma vez na importância dos pais em contagiar os filhos na busca do conhecimento, sendo exemplo, participando ativamente da sua formação, ao contrário dos que se omitem  ou simplesmente repassam responsabilidades à escola.
Somente hoje me dei conta de que tinha visitado uma das casas mais importantes daquela cidade e achei  que tinha obrigação de prestar contas  do que pude testemunhar.

                                                                                                                                                                       
Prof. Maciel

2 comentários:

  1. Texto encantador, prof Maciel!

    Não é necessária muita coisa para estar "no caminho". O caminho já está ali, desde sempre, dentro de cada um de nós, esperando ser trilhado.

    Parabéns!

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  2. Muito comovente esta narrativa de Maciel, a gente fica pensando, quantas pessoas tem de tudo na vida e todas as oportunidades, e nada fazem para progredir.

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