AMOR BUROCRÁTICO
Ao final do expediente, encontra a colega saindo do prédio. Quase nem se falam, nesse dia, oi, Ricardo, tudo bem? No primeiro momento há um pequeno susto. Tudo! Desculpe-me eu ter devolvido o processo, é que não era para o nosso setor. Não se preocupe, o erro foi meu! Acho que ele nem sabe que estou separada. Quer uma carona? Sempre foi meu desejo ir com essa antipática para o bem bom. Aceito sim, minha esposa precisou de o carro e estou de Uber. Essa conversa de homem safado eu já conheço. O carro é aquele ali, recebi hoje. Ô mentirosa! desde segunda-feira que vejo esse veículo aqui no pátio. É um carrão, parabéns! Obrigada!
Os dois entram no veículo. Aceita uma balinha? Essa mulher nunca foi tão delicada, e agora até mudou a voz. Aceito sim! Há um pequeno toque de mãos quando ele recebe o presente. Seu organismo começa, intuitivamente, a se preparar para o acasalamento. Se você não se importa Ricardo, vou entrar aqui no motel para tomar um banho. Preciso ir a um chá com minha amiga e estou precisando de um banho. Que mulher objetiva! Tudo bem! fiquei de jantar fora e aproveito e como por aqui. Que safado! nunca pensou nisso. Nem vou falar para dividir o motel, senão serei sua intrigada para o resto da vida. A ideia de entrar no motel foi dela. Eu queria levá-la para o meu apartamento que mantenho exclusivo para isso. Essa despesa eu não pago.
Eu sempre faço isso quando preciso sair à noite, mas, acompanhada, é a primeira vez. Ela sorri com a cabeça pendendo para o lado. Nunca vi tão dissimulada. Acho que usa este artifício há muito tempo. Deixe só eu pegar a roupa aqui no banco de trás. Se quiser pode entrar e pedir sua comida. Preciso saber qual é a dela. Vou entrar sim! Estou ficando nervosa. Onde coloquei esses sapatos. Ah! estão aqui! Hum, é bacana essa arquitetura. Esse safado pensa que me engana. Deve ter vindo aqui com várias das minhas colegas que usam esse mesmo artifício. Você me ajuda a desabotoar minha blusa? esses botões são superapertados. Que corpo lindo. Você faz academia? Todos os dias, antes de ir para o trabalho. Esse cheiro de mulher carente está me deixando louco. No meu prédio há uma sala de musculação, por quê? gostou? Aham! Parece que está tensa! posso massagear seus ombros? Então deixe eu tirar o sutiã e você massageia os seios, também.
Até agora são apenas amigos de trabalho, mantendo-se respeito mútuo, claro, deixando nas “entreações”, tendências para outras interpretações. Será se posso tirar a camisa? Claro, posso massageá-lo. Será se não vai se virar para eu ver o final da coluna vertebral? Vire-se que massageio. Se eu me virar ele vai logo para cima. Tenho que dar a impressão de não estar a fim. Gosto de homens cabeludos como você! Que mãos macias. Mais para perto do pescoço. Humm! Chegou a comida. Ela tranca-se no banheiro enquanto ele, faminto, devora o jantar. Ele arrota no quarto, ela responde de outra forma sonora lá do vaso. Fazem uma batucada com os sons corporais. Os dois no ritmo de samba deixa a noite mais animada.
Ficam em silêncio por alguns minutos. Ele não consegue mais arrotar e ela se entretém com a maquiagem. Cinco minutos depois ela sai do banho enxuta. Ele está nu, deitado, jogando no celular. Ela gosta do orangotango ali exposto. Venha! Ela tira a toalha. Eu tenho o chá para ir. Quer que eu toque a corneta? Sim, vá tocando enquanto eu varro a sala. 69 minutos ainda faltam para que ela chegue ao compromisso agendado. Então, seja rápido, diz ela, que não quero estragar o penteado. Cidade grande é assim, pensa ele. Tudo fast-food.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 27.03.2022 – 08:17
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