Senhoras e senhores,
vocês não fazem ideia do quanto estou feliz por ganhar esse Oscar, o meu primeiro! Como desejei, ao longo de minha carreira, receber esse prêmio! Esta noite, como devem ter percebido, teria tudo para ser perfeita, exceto por uma coisa. Todos vocês que presencialmente ou à distância nos assistem devem ter percebido o quanto me senti mal com a piada do Chris Rock. Dele, que optou por uma carreira humor sem limites nem considerações, a gente deve esperar de tudo; mesmo assim, fui pego de surpresa com a desprezível menção que ele fez ao problema de minha esposa.
Chris e eu e temos muito em comum: somos pretos, somos atores e humoristas, já trabalhamos juntos. Decerto, em nosso passado fomos vítimas de discriminação e de piadas sórdidas pela nossa condição. Todo Mundo Odeia o Chris e Um Maluco no Pedaço expressaram um pouco dessa realidade.
Richard Williams, personagem que me garantiu o Oscar, era um feroz defensor da família. Por ela, brigava, batia e apanhava. Nessa noite tive impulsos de agir como ele em defesa de Jada.
Senti vontade de me levantar da cadeira (vocês devem ter percebido que cheguei a ensaiar esse movimento) e ir até onde estava o Chris a fim de dar-lhe uma merecida bofetada. Respirei fundo, porém, e tudo fiz para não estragar o momento. Lembrei-me que há cerca de dez anos fiz o que não devia quando espanquei um fã por me beijar. Depois tive que desculpar-me. Não quis repetir o erro!
Nesse instante, calmo e feliz por ter em mãos esse troféu, parabenizo a minha esposa por reagir tão bem à piada infame, absolutamente inadequada. Senti, é verdade, desejo de protegê-la, de assumir as suas dores, mas percebi a tempo que agindo assim eu estaria a reforçar um comportamento condenável, tão em voga em nosso tempo: o de fazer justiça com as próprias mãos.
Após o ocorrido, recebi várias mensagens de amigos e amigas indignadas com o que o Chris disse. Uma amiga disse que eu deveria tê-lo espancado, sim, mas eu falei pra ela que isso seria uma demonstração de machismo estrutural. Não apenas isso: eu estaria a agir como um pitbull em defesa do que julga ser seu, não como um marido equilibrado. Ela própria, a ofendida, reagiu com classe e me elogiou depois por eu não ter sido impulsivo.
Eu, que tenho a sorte de ter uma legião de fãs e admiradores em todo o mundo, não poderia decepcioná-los num momento como esse agindo feito um toglodita. Sei, que na cabeça de muitos, não há clara distinção entre o que represento nas telas e o que de fato sou. Muitos de vocês me tomam como exemplo. O amor não justifica a violência. De modo algum, queridos amigos e amigas, recorram à força bruta para resolver questões dessa natureza. Jamais esqueçamos do projeto de Não-Violência encabeçado por nosso irmão Martin Luther King.
A Chris eu gostaria de dizer o seguinte: você optou por tentar ser engraçado a qualquer custo. Você não se incomoda com o choro de quem lhe inspira "boas" piadas. Seus fins justificam os meios. Assim como você tem o direito de fazer graça sobre qualquer coisa, eu tenho o direito de não gostar de alguns de seus chistes. Talvez eu devesse ser mais tolerante com o que disse, não sei, mas no momento é isso que sinto. O tempo dirá como devo continuar a reagir a isso. Você estragou minha noite, camarada! Como você é do tipo que perde o amigo mas não perde a piada, acaba de perder minha amizade. Ao menos por enquanto.
Há um provérbio chinês que diz: "Você não pode impedir que os pássaros da tristeza voem sobre sua cabeça, mas pode, sim, impedir que façam um ninho em seu cabelo." Não permiti e não permitirei que suas palavras se aninhem em minha mente e me envenenem. À semelhança do personagem Richard Williams, que nalguns momentos suportou agruras, inclusive agressões físicas por amor às filhas, mantive o autocontrole por amor a tudo que ocorre de bom nessa noite memorável. Caso eu tivesse feito o que pensei, esta noite passaria a ser lembrada não pelo Oscar que recebi, mas pela violência que teria praticado.
Fiquei feliz com as palavras do Denzel Washington no intervalo, quando lhe falei da raiva que estava sentindo do Chris Rock. Ele me parabenizou por eu haver me contido e disse: ‘Em seu momento de maior grandeza, tome cuidado. É nessa hora que o Diabo irá te procurar. ”
De fato, senhores e senhoras, foi isso mesmo que ocorreu. Ainda bem que eu resisti. Como descrito em o Eterno retorno de Nietzsche, esse momento se repetiria ad infinitum em minha consciência. Agora, porém, ao contrário do que ocorreu há dez anos, poderemos nos deliciar quantas vezes quisermos com as boas lembranças desse memorável evento, único em nossas vidas. Quanto à piada infame, friamente analisada amanhã decerto já não terá tanta graça e será esquecida.
Abraço a todos, a todas e até o próximo Oscar!
Gilberto Cardoso dos Santos
Parabéns Gilberto, esse seria o discurso perfeito! Infelizmente, em alguns momentos de nossas vidas os instintos mais selvagens afloram e é compreensível.
ResponderExcluirAí alguns dizem: "ele foi humano..." Pode ser. Infelizmente tem sido "humano" também rir e menosprezar a desgraça alheia. Porém, nada deveria ser mais humano que usar a razão e o bom senso.
ResponderExcluirParabéns pela belíssima reflexão!! A humanidade não tá 100% perdida por causa de alguns poucos (bem poucos) que pensam como você!! ❤️
Querido amigo Gilberto, acredito que a maioria das pessoas tenham recriminado o ato agressivo naquele momento. Não quero justificá-lo ou enaltecê-lo, mas entender que, num momento de consagração, nossa mente funciona na base do sim e do não, impedindo um comportamento mais racional que emocional.
ResponderExcluirAgora que tudo passou,fica claro como "deveria" ter sido feito, como muitas coisas na nossa vida.
Abraços meu querido amigo.
*"tenha"
ExcluirQuerido amigo Gilberto, acredito que a maioria das pessoas tenha recriminado o ato agressivo naquele momento. Não quero justificá-lo ou enaltecê-lo, mas entender que, num momento de consagração, nossa mente funciona na base do sim e do não, impedindo um comportamento mais racional que emocional.
ResponderExcluirAgora que tudo passou,fica claro como "deveria" ter sido feito, como muitas coisas na nossa vida.
Abraços meu querido amigo.
Belo texto, amigo. Teria sido um discurso perfeito, politicamente correto. A raiva, ira, certamente não são boas conselheiras. Entretanto, há momentos em que é preciso dar um basta, um golpe final. Chega de humoristas acreditarem que podem fazer tudo e, até podem, porém devem pagar o preço por isso -, aqui mesmo no Brasil vimos esses pseudos-humoristas fazendo piadas, não de mau gosto, mas agressivas com criança que ainda nem era nascida.
ResponderExcluirCertamente, o Chris vai pensar duas vezes em fazer outra piada igual. A violência em qualquer nível deve ser repreendida e cessada. Fez certo o Will? Não sei!
Vale ressaltar que o Will Smith, em primeiro momento também riu da *piada* do Chris Rock, o vídeo é claro. Ele só mudou sua postura após a Jada, atingida pela infeliz acidez do comentário do apresentador, mudar seu semblante.
ResponderExcluirBela e oportuna reflexão. Realmente seria a atitude perfeita recauchutada por belas palavras. Sou reconhecidamente pacífica, no entanto, neste caso em particular ao saber que foi pela terceira vez que ocasiões distintas o Chis Rock fez piadas infames com a Jada eu entendo o Will Smith e o "tabefe" dado. O Rock fez por merecer, ao meu ver.
ResponderExcluirJoseni Santos