GILBERTO: Buca, você tem o
privilégio de ser um dos ilustres representantes da cultura santa cruzense. Aos
que não o conhecem, fale sobre suas origens, família, hobbies, visão religiosa,
estado civil, interesses e formação acadêmica. Uma longa resposta, não é?
(risos).
BUCA: Olá Gilberto. Agradeço o
interesse e a oportunidade. Minha família é originária da região Seridó e
viemos para Santa Cruz no início da década de 1970. Meu avô paterno chamava-se
Pedro Alberto e foi o fundador do Monte do Galo, em Carnaúba dos Dantas. Somos,
portanto, uma família com uma forte origem religiosa. Entretanto, apesar de
minha origem católica eu sou espírita. Mas isso não me impede de desenvolver
ótimas ações em audiovisual com a Igreja Católica, onde tenho muitos e queridos
amigos e amigas. Sou solteiro e moro sozinho num condomínio em estilo barroco
na praia de Pium [a Vila Feliz], comunidade praiana próxima a Natal. É um
refúgio perfeito para se trabalhar com criatividade. Tenho formação em
comunicação e sigo estudando, o que sempre me deu muito prazer. E meu hobby é o
meu trabalho mesmo em cinema.
GILBERTO: Depois que arribou de
Santa Cruz, você esteve em muitas outras paragens. Fale-nos sobre alguns
lugares marcantes onde esteve, no Brasil e fora dele.
BUCA: o lugar mais marcante foi
realmente Cuba, onde tenho parcerias de trabalho e é bem diferente do que
qualquer pessoa diga. É muito parecido com o Brasil. Estive em outros da América
do sul e do Caribe, mas Cuba é realmente belíssima. E se disser que é
brasileiro então é que a coisa fica bem mais interessante.
GILBERTO: a partir de uma sugestão
sua, assisti o filme O SOM AO REDOR. Gostei, embora o final tenha me deixado
com a sensação de um coitus interruptus. Todavia, o
assistiria novamente, pois o que me interessa nesse tipo de filme é o modo como
as cenas se desenvolvem, a convincente sensação de realidade que o filme passa.
Quando deu a dica, você ainda o estava assistindo. No final, continuou com a
mesma impressão positiva?
BUCA: Continuei sim. É um filme
muito bem realizado e que tem a marca do cinema pernambucano. O ator Wagner
Moura [o capitão Nascimento de Tropa de Elite] é um dos que faz coro ao jornal
New York Times e aponta esse como um dos grandes filmes realizados no Brasil [o
NYT o listou entre os 10 melhores no mundo].
Outro filme que encanta a você e
a mim, pelo que já conversamos, é “O Céu de Suely”. Trace paralelos entre este
e o “O som ao redor”. Que há de tão especial e diferente em “O Céu de Suely”?
BUCA: É a nordestinidade. Ambos
diretores são nordestinos [Karim Aïnouz de
“O Céu de Sueli” é cearense e Kleber Mendonça é pernambucano]. O Céu de Suely
trata uma mulher comum como protagonista de um filme, uma heroína. Isso é
bastante raro no cinema nacional. A trilha sonora tem músicas brega e o filme
foi inteiramente rodado numa pequena cidade, com algumas pessoas participando
do elenco. É um filme que desglamouriza o cinema.
GILBERTO: Quais as origens desse
modo de fazer filme? Lembro-me de ter assistido pouquíssimos nessa linha,
alguns de origem estrangeira.
BUCA: a origem está aqui mesmo no
Brasil, no Cinema Novo, com sua “estética da fome” e a “estética do sonho”,
textos/manifesto do baiano Glauber Rocha. E também do impacto que foi a mudança
do cinema para o suporte digital, possibilitando a realização de mais e mais
filmes de curta metragem, que é a escola de todo cineasta. E nós do nordeste
pudemos realizar mais filmes e, portanto, criarmos mais festivais de cinema
para escoar a produção cada vez mais numerosa e de qualidade técnica e
estética.
GILBERTO: Gostaria que citasse
outros bons filmes (nacionais e estrangeiros) que seguem nessa linha. Aliás,
aproveite e nos apresente também dez ( ou mais) filmes que não poderiam faltar
numa lista de clássicos.
BUCA: brasileiros temos: Cinema,
Aspirinas e Urubus [Marcelo Gomes]; Eu receberia as piores notícias dos teus
lindos lábios [Beto Brant]; Elena [Petra Costa]; Amarelo Manga [Claudio Assis];
Underground [Emir Kusturica]; Lavoura Arcaica [Luis Fernando de Carvalho]; Machua [Andrés Wood]; Transylvania [Tony
Gatlif].
GILBERTO: Fique à vontade também
para discorrer sobre bons atores e diretores que recomenda.
BUCA: há uma certa homogeneidade
entre os grandes realizadores que permite uma identidade mais facilmente identificável,
digamos assim. Então que sugiro ver tudo que puderem de: irmãos Coen, Emir
Kustirica, Federico Felini, Almodovar, Stanley Kubric, Alejandro Amenabar,
Guillermo del Toro, Sofia Coppola, o próprio Coppola, Martin Scorcese, Wong Kar
Way, Fernando Meirelles, Walter Salles, Jonh Cassavetes, Tata Amaral, Claudio
Assis, Tarantino. Tem muita mais, mas acho que já tá de bom tamanho essa lista.
GILBERTO: Confesso minha
ignorância a respeito do chamado “Cinema Processo”. Vejo você, vez por outra,
fazendo alusão a esse tipo de filme. É você um dos criadores desse modo de
fazer cinema? Caracterize o cine processo.
BUCA: é sim, eu criei o Cinema
Processo e o fiz com a colaboração de muita gente boa, como de regra é uma
produção audiovisual. Tem que ter basicamente um batalhão de pessoas. É uma
linguagem/método de realização que une ação colaborativa com conhecimento
nativo. Uma equipe técnica de cinema realizando um filme com as pessoas de uma
determinada localidade. Todos interferem em todos os procedimentos artísticos
[não necessariamente os técnicos, que pressupõem um aprimoramento a médio e
longo prazos].
GILBERTO: Fale de trabalhos que
já fez nesta e em outras linhas.
BUCA: com o cinema processo fiz o
filme “Viva o Cinema Brasileiro!” somente, e iniciei a realização do curta
“Perdição” [em Janduis], mas que tomou outro rumo diferente do CP e se tornou
mais comum. Fora isso fiz alguns curtas “normais” que me deram projeção [como o
“A Força”, com qual fui pra os festival internacional de SP em 2001].
GILBERTO: O poeta e o prosador
Buca, como estão nesse momento?
BUCA: rapaz, estão adormecidos.
Tem projeto pra o prosador, mas por enquanto tá na pesquisa.
GILBERTO: Que projetos tem em
mente ou em andamento para 2013 e anos subsequentes?
BUCA: passei muitos anos trabalhando
nos bastidores, na política do audiovisual. Agora tô retomando a realização.
Vou fazer alguns curtas entre esse ano e o próximo, com roteiro do escritor
Carlos Fialho e outro do roteirista Geraldo Cavalcanti. E trabalhando diuturnamente
para realizar o filme de longa-metragem “Royal Cinema” o quanto antes.
Esperamos ter a verba necessária em um ano e meio. Vamos ver.
GILBERTO: O cinema, nestes
tempos, vive dias áureos, ou já esteve melhor? Complemente sua resposta falando
sobre a produção de curtas nos dias atuais.
BUCA: Vive o melhor momento com
folga! Hoje temos uma produção bastante significativa tanto na quantidade
quanto na qualidade. Estamos numa espécie de namoro cinematográfico com a
Paraíba, que já tem um circuito sólido de pequenos festivais. Estou criando o
festival “Feira Livre de Cinema” em Santa Cruz em parceria com o produtor
Ranieri Fernandes [e que já contamos com o apoio da prefeitura municipal] que
vai levar pra cidade tanto filmes quanto gente de cinema de várias partes do
país, mais especialmente da região nordeste. Não tem data certa ainda, mas vai
acontecer no próximo ano. Tem o projeto “Nós na Tela” criado e coordenado por
Geraldo Cavalcanti que tá realizando curtas pelo Estado e outras iniciativas
dessa mesma monta. Estamos num bom caminho. No final dos anos 90 tinha somente
eu me posicionando como cineasta aqui no RN. Creio que agora existam umas 30 ou
40 pessoas que se assumam como cineastas. Abdiquei de uma carreira no
jornalismo que se configurava como bastante promissora para seguir meu instinto
e creio que fiz a escolha certa.
GILBERTO: Diga-nos o que quiser
em suas palavras finais e finalize com uma frase ou cena de filme que acha
inesquecível.
BUCA: só tenho a agradecer seu
carinho e atenção. Sou envolvido com muitas coisas relacionadas às artes que se
conectem com o cinema. Agora, por exemplo, estou realizando um documentário com
o artista francês Mathieu Duvignaud e que pretende realizar uma obra de Land
Art [modalidade de arte de vanguarda que une tecnologia com elementos da terra]
com o santuário de Santa Rita. Mathieu ganhou o principal prêmio de paisagismo
em seu país e desenvolve projetos com artistas da China, por exemplo. É uma
excelente oportunidade para nossa cidade, pois que envolve trabalho coletivo e
muitos jovens podem ser influenciados nessa seara da arte e preservação de meio
ambiente. Mas espero que a galera se envolva com a “Feira Livre de Cinema”
quando dermos o start. Vai ser legal.
Parabéns ao meu amigo irmão Buca Dantas. Sei de sua batalha no mundo do cinema e de sua coragem para fazer arte em um espaço tão difícil. Mas se o artista sente, os obstáculos tornam-se a motivação da criação.
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