domingo, 4 de novembro de 2018

ARMADO ATÉ OS DENTES (Gilberto Cardoso dos Santos)

Da espada, prefiro a manga;
De bala, a que traz doçura;
Do revólver, sem o acento,
Revolver toda loucura
De querer me defender;
E os canhões a florescer
Dizendo NÃO à tortura.




terça-feira, 16 de outubro de 2018

A você - Fernanda Cândido

A você
Não falo pelo o poeta em si, Mas sim nas angústias de seus versos. E sinto por aqueles que o guardou para si. Será mesmo que se faz necessário uma lágrima para cada poema, Ou é lá, naquele verso, que encontramos a dor de todo poeta? Verso por verso, o poeta transpassa a sua identidade, E como um todo a própria história. Com toda a transparência consegue sentir até o que não o pertence, Observando histórias e dando vida, a cada uma, em sua poesia Tornando-se assim uma incógnita ao escrever. Fernanda Cândido

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

SUPER-SADIO - Heraldo Lins


SUPER-SADIO
Heraldo Lins – 15,10.2018 -Natal/RN
Na idade adulta, muito trabalhador. Hora marcada para cada trabalho que se propunha a fazer. Estava sempre a pensar no próximo compromisso. Agenda na cabeça. Não esquecia nada. Oito filhos para criar imprimia-lhe um ritmo acelerado em busca do sustento de domingo a domingo. A única festa era trazer refrigerantes para a ninhada que saltitava de alegria ao vê-lo apontar na esquina. Ao chegar à casa havia briga dos menores disputando o colo. Cada um tinha seu tempo para passar com ele e contar-lhe como foi a semana. Se havia denúncia de alguma travessura, com paciência mostrava-lhes o caminho correto a seguir. Para àqueles descendentes ali estava o super-herói. Músculos caracterizando homem familiarizado com o trabalho braçal. 
Denunciado, certa vez foi preso. A inveja o levou à prisão. Não conseguiram prendê-lo por muito tempo. A verdade veio à tona e o soltaram duas horas depois. No dia seguinte Judas passou em frente à sua casa e o cumprimentou. O mesmo respondeu “BOM DIA” como se nada houvesse acontecido. Homem sem rancor. Foi ensinado que o ódio é contra quem carrega. 
Seu objetivo era manter todos estudando tendo o que comer. Mesmo sem saber ler fluentemente, admirava quem sabia. Trouxe todos para a cidade. Lá prosperou. Comprou um sítio e uma casa. Algumas cabeças de gado faziam-lhe a felicidade. De casa para o trabalho. Paciente, ouvia a todos. Seu filho caçula fora assassinado. Tiro na nuca. Meteu-se com coisa ruim. Não derramou uma lágrima. Cada um segue o seu caminho.
- Por falta de conselho não foi, apenas murmurou.
Os dias foram passando. Aglomeraram-se em semanas, meses, anos, décadas empurrando-o para a velhice. Vendo os netos gritando hoje dentro de casa para ele é o seu divertimento. Às vezes se refugia no seu quarto, mas os menores vão perguntar-lhe: _ Vovô! Já tá dormindo?
Mas quem pensa que os compromissos acabaram, ficou enganado. Hoje ainda visita o sítio.Olha os animais. Dá ordens, mas sua preocupação maior está voltada para os dezesseis comprimidos diários que tem que ingerir. Na sua maioria são horários diferentes. Sua atenção está voltada para não esquecê-los. Quando esquece um deles o marcapasso dá sinais de que não está bombeando o sangue. Se esquecer outro as dores na coluna voltam. Se não tomar àquele a infecção urinária invade o sistema. Anda com bastante dificuldade. Mas se perguntarem o que sente, ele diz:
- nada... “tô bonzim”. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

TRÊS MARTELADAS DE AMIZADE (Gilberto Cardoso dos Santos – gcarsantos@gmail.com)



TRÊS MARTELADAS DE AMIZADE
(Gilberto Cardoso dos Santos – gcarsantos@gmail.com)


Ao baixar a poeira deste pleito,
Tão repleto de ideias divergentes,
Procuremos ser mais resilientes,
Acalmemos a bomba em nosso peito.
Hora é de esquecer o desrespeito,
O assédio, o insulto, a invasão;
De buscar, cultivar e dar perdão;
De expurgar tudo que nos desconforta.
Amizade é o martelo que abre a porta
Emperrada por causa da eleição.

Hora é de fazer o desbloqueio;
De brincar com quem antes se brincava;
De sonhar com quem antes se sonhava,
Mesmo vendo um futuro muito feio;
De abraçar-se com o outro sem receio
E sentir-se na mesma condição.
Não cultive a intriga, a divisão
E nem mire o irmão de cara torta.
Amizade é o martelo que abre a porta
Emperrada por causa da eleição.

Diz o povo que o que não tem remédio
Por si mesmo já está remediado.
Vamos ver a colheita, o resultado,
Se há firmeza na base deste prédio.
Ao findar a paixão, chegar o tédio,
Esperar o retorno da razão.
Muitas perdas, talvez, amputação...
Por enquanto, porém, “Inês é morta”.
Amizade é o martelo que abre a porta
Emperrada por causa da eleição.



Texto inspirado em 

TRÊS MARTELOS DE AMIZADE
Antônio Francisco - Poeta cordelista
Pra nós sermos amigos de verdade,
Precisamos amar e querer bem;
Repartir nosso pão pela metade;
Dividir nossos sonhos com alguém;
Plantar uma semente de amizade
No jardim onde nasce a solidão
E dizer no ouvido do ermitão:
Plante um pé de amizade em sua horta!
Amizade é a chave que abre a porta
Do castelo onde mora o coração.

Dê uma volta no carro da amizade,
Puxe 80 km de amor!
Se desvie da estrada do rancor;
Dê banguela descendo a humildade;
Acenda os faróis da caridade;
Ilumine a estrada do irmão;
Baixe o vidro da porta e dê com a mão,
Esse gesto é tão simples mais conforta.
Amizade é a chave que abre a porta
Do castelo onde mora o coração.

Se afaste do caos da vaidade;
Nunca pise na beira desse abismo
Nem se mele com a lama do egoísmo;
Beba água da fonte da verdade...
Só assim entraremos na cidade
Batizada com o nome de Sião.
Vamos todos, amigos, dar a mão!
Uma amizade sincera ninguém corta.
Amizade é a chave que abre a porta
Do castelo onde mora o coração.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

AS TUAS PALAVRAS

As tuas palavras
Nelson Almeida

Natal, 6 de outubro de 2018

Meu coração trilha caminhos desconhecidos
Navegas em águas profundas
Sem saber que a todo instante
O amor corteja a dor e o desatino
E mesmo sem perceber
A minha alma implora teus afagos
Deseja tuas palavras
Doces e meras palavras.


 

domingo, 30 de setembro de 2018

RESPOSTA EM VERSOS - Gilberto Cardoso dos Santos


RESPOSTA AO POETA E AMIGO Dudu Cama Elástica
que disse:
Você diz que Jesus não existiu
Você diz que não houve criação
Diz que somos fruto da evolução
que de um símio o homem evoluiu
Mas tu cita a Bíblia de modo vil
pra tentar convencer o indeciso
Eu não quero aqui fazer juízo
Mas citar a Bíblia quando convém
É fazer o mal se passar por bem
é dizer que o inferno é o paraíso

Não me leve pro lado pessoal
eu só quero entender seu pensamento
tu criticas a Jesus em um momento
e depois usa a Bíblia como aval
Pra você laicidade é o ideal
O estado longe da religião
mas depois você vem pregar sermão
12 portas, 12 apóstolos, 12 tribos
só se eu fosse um cavalo nos estribos
é que eu ia votar no teu Cirão.

Minha resposta:

Eu não gosto de ataque pessoal,
Pois indica fraqueza de argumento;
Não sou eu quem está em julgamento
Eis-me à parte de um pleito eleitoral.
Jesus Cristo, de forma radical,
Defendeu, deu a mão ao oprimido;
Pedro foi por Jesus repreendido
Quando a orelha do servo decepou.
O messias real nos ensinou:
“Quem com ferro ferir, será ferido.”

Jesus Cristo, o maior dos humanistas,
Forneceu ao seu povo peixe e pão;
Combateu com amor a agressão,
Se opôs aos pastores moralistas.
A história cristã nos deu conquistas
Que tornaram melhor nossa cultura;
Mas pastores de hoje, por usura,
Se tornaram do bem adversários;
No comércio da fé são partidários,
Dizem sim à ganância e à tortura.

É preciso ter regras definidas
Numa luta de boxe, capoeira;
Na política, porém, onde há sujeira,
Muitas faltas têm sido cometidas.
As entranhas vão sendo revolvidas,
Pois a língua, qual faca, vai rasgando.
Opinemos, porém, de modo brando,
Não lançando aos demais fel de amargura;
Feito o Cristo a dizer não à tortura,
Às ideias alheias respeitando.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Antítese - João Maria de Medeiros



Antítese Não há começo sem fim nem há direito sem torto Não há vida sem a morte e não ha vivo sem morto. Não ha escuro sem claro Nem o bom sem o ruim Nâo ha dúvida sem certo e nem há nao sem o sim. Não há céu sem o inferno nem abrigo sem prisão Não há branco sem preto e nem doente sem são. Não ha fundo sem o raso nem o alto sem o baixo nem o falar sem o surdo nem feliz sem cabisbaixo. Há de tudo nesta vida Nossa vida é assim É uma coisa ou outra Desde o começo ao fim. *João Maria de Medeiros é professor, poeta e cronista.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

BOM COMBATE - Lindonete Câmara


               

BOM COMBATE

Cuidado com o atual discurso fascista
Que elimina com arrogância a inteligência
Distribui linguagem intolerante e machista
Trazendo discurso de ódio e de demência.

NÃO a quem defende a nefasta ditadura militar
NÃO a quem incentiva ao linchamento de pessoas
NÃO a quem deseja ao outro torturar
NÃO a quem despreza a luta das mulheres numa boa.

NÃO a quem tem fobia a LGBT e a liberdade
NÃO a quem quer eliminar a juventude negra
NÃO a quem massacra o pobre com desigualdade
NÃO ao insensato que ao semelhante detesta.

NÃO a quem vai retirar os direitos trabalhistas
NÃO a quem persegue os sem-tetos e sem-terras
NÃO a quem caça quilombolas e índios de forma elitista
NÃO a quem rastreia os ribeirinhos como uma fera ferida.

NÃO a quem se arma para uma guerra
NÃO a quem combate violência com crime
NÃO à pessoa  é injusta, sexista e funesta
NÃO ao prepotente que humilha e deprime.

NÃO a quem combate os direitos humanos
NÃO a quem é racista e ri dos nordestinos
NÃO a quem se vê como raça ariana e com vil planos
NÃO a quem confunde o mal com o divino.

NÃO a quem almeja excluir os excluídos
NÃO a quem incita ao desmedido assassinato
NÃO a quem por dentro é mal e destruído
NÃO a quem tem aversão e sangue amargo.


Lindonete Câmara.
15/09/2018.

domingo, 9 de setembro de 2018

SETEMBRO AMARELO



SETEMBRO AMARELO

Campanha de cor iluminada
Representativa da alegria e da vida
Que ajuda prevenir à morte enviesada
Diante da própria e qualquer tentativa.

Esse assunto não deve ser velado
Por razões culturais ou religiosas
Mesmo sendo um diálogo amargo
Desmistifique compreensões pecaminosas.

O suicídio é questão de saúde pública
Não uma transgressão divina
Vai além da leitura bíblica
A dor que a si próprio elimina.

Comportamentos suicidas
Devem desenvolver clara comunicação
Das emoções idas e vindas
E expor os desejos do coração.

Cuidado com os tabus que circulam
São muitos fatores múltiplos determinantes
Não apenas de ordem psíquica como articulam
Ou orgânica sem outro motivo coadjuvante.

O sofrimento mental é algo da existência
E ainda existem graves questões sociais
Que necessitam de ajuda e providência
Para não obtenção de patologias prejudiciais.

Para evitar o suicídio e promover a vida
Há um convite ao questionamento e mudança
Apologia ao sentido de vida sem medida
Numa tomada de decisão com confiança.

Buscar tratamento especializado é a dica
Aos que vivem com terríveis sintomas
Para quem pensa em tirar a própria vida
É bom se aprofundar nos traumas que somam.

Existem muitos fatores de risco
Privação, negligência ou abuso na infância
Violência doméstica, desemprego, alcoolismo
Doenças mentais, isolamento, precisam de vigilância.

Cuidado com a ambivalência em gangorra
Com os desejos simultâneos de morrer e viver
Tudo passa, inclusive a infelicidade e qualquer zorra
Com o apoio emocional para precaver.

A impulsividade também é transitória
Desencadeia-se por eventos negativos
Mas, a durabilidade se dá em poucas horas
Busque questionamentos positivos.

Há quem pense 24 horas nos problemas
De forma drástica e bem rígida
Melhor buscar soluções sem dilemas
Com auxílio e ajuda empática cumprida.

Desespero, insônia e agressividade
São alguns dos sintomas presentes
Elevada ansiedade, desesperança, impulsividade
É preciso com resiliência expressar os sentimentos.

Incontáveis são as causas que aniquilam
E interferem na qualidade de vida
Não ao desfecho trágico e irreversível
Falemos da sobrecarga subjetiva.

Espalhemos essa campanha desmedida
Com um só objetivo
Ajudar a salvar vidas
Que vivem se articulando por algum motivo.


Lindonete Câmara
07/09/2018




quarta-feira, 5 de setembro de 2018

A IRA DAS LABAREDAS (José da Luz Costa)




A IRA DAS LABAREDAS
José da Luz Costa

Os olhos incrédulos da nação estarreceram-se com a pira gigantesca em que se transformou o Museu Nacional, situado na cidade ainda maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro. Era noite de domingo. Em tempo de eleições. E a pergunta se repetia na televisão: “Que Brasil você quer para o futuro?”

Cada casa deste país continental, que já foi um paraíso tropical, desejou ser um hidrante para lançar um jato de água abundante sobre aquelas implacáveis cortinas de fogo. As chamas famintas engoliam o passado e o presente. Um país tão jovem! que agora precisa se reconhecer nas cinzas deste holocausto, e aprender novas lições junto ao altar da pátria.

Museu Nacional. Um coração palpitante durante duzentos anos, mantendo vivas a história e a cultura. Tradições e traduções. Espelho onde se contemplava os rastros de antepassados, a face de homens e bichos de dias muito antigos. Tesouro de joias raras e caras. Casa real de filhos ilustres. Berço de acalento de nossa soberania e liberdade.

Museu Nacional. Ícone da tragédia. Tragédia anunciada, agoniada. Procura-se o pai da tragédia. Ninguém se apresenta. O edifício desnudo está órfão. Mas, erguido por mãos fortes, manteve-se ereto, com suas paredes imponentes, servindo de urna para receber as cinzas de todos os seres que ali habitaram ao longo das estações...

Museu Nacional. A última morada de Luzia. Uma jovem mulher que esperou onze mil anos para deixar as brenhas de uma caverna nas Minas Gerais e fixar residência num palácio real. Onde estão seus inquisidores? Sua alma ainda lança gritos dilacerantes pelos ares. Quem acendeu essa fogueira, que devorou o sossego de sua eternidade?

Museu Nacional. O filme mais triste exibido em tempo real para todo o país. Cadê os seus protagonistas? Encontram-se apenas dissimulados antagonistas. Agora, nestes dias de luto, eles ressurgem como salvadores, doadores, atores. São adeptos da famigerada filosofia do atraso. Ah! se tivesses a sorte das catedrais, dos palácios da justiça e das mansões parlamentares!...

Museu Nacional. O fogo que te devorou continua ardendo e nos inflamando por dentro. Um fogo que queima a nossa vergonha diante do mundo. Um fogo que enfumaça a nossa volátil vaidade. Um fogo que assusta as nossas crianças. Um fogo que seguirá incinerando a nossa esperança...

Museu Nacional. Mantenha-se firme e forte. Seja o símbolo de resistência deste Brasil gigante pela própria natureza. Mas faça-o levantar-se desse berço já não mais esplêndido. Faça soprar um novo vento Brasil adentro. Convide de volta seus visitantes, estudiosos, pesquisadores e admiradores.

E que os céus abrandem sua ira e aceitem que cada brasileiro seja um depositário das memórias nacionais. Pois, o esquecimento é o coveiro da história. E será mais uma tragédia permitir que o deszelo e o descaso lancem suas labaredas sobre nossa sorte. Melhor seria suplicar ao destino que cavasse a nossa derradeira alcova, sete palmos abaixo do solo pátrio.

Oh minha pátria amada! Não quero para ti a profecia apocalíptica de Ignácio de Loyola Brandão, no título de seu mais novo romance: “Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela”.

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

POR DEVER DE LEITOR - Zé da Luz


POR DEVER DE LEITOR (José da Luz Costa)

Quando se vive no mundo dos livros, ninguém escapa ao fascínio das palavras.
A linguagem flexibiliza o tempo e neutraliza a distância espacial. A linguagem veste e reveste e desveste os sentimentos humanos.
Antes, porém, que eu mude a direção e a intenção deste breve texto, vou me fixar no propósito primeiro de sua elaboração.
Eis aqui, portanto, a sua motivação primordial. Comprei, faz poucos dias, diretamente ao próprio autor, o livro "Crônicas da casa de Maria Gorda", do jornalista santa-cruzense Rosemilton Silva.
E entre uma tarefa e outra, entre um intervalo de aula e outra, fui adentrando as páginas desse livro com cheiro de guardado. Aquele cheiro que caracteriza as coisas boas que se guardam por muito tempo. E tudo nesse livro cheira a guardado. Guardado na cristaleira de memórias desse excelente contador de histórias. Mente lúcida e lúdica, de raciocínio linear, Rosemilton vai tecendo no presente a trama vívida de dias retorcidos e de personagens contorcidas. Pelo peso do tempo. E o contador de ca(u)sos não faz cerimônia, com vocativos nos chama e nos acompanha pelas ruas e becos de Santa Cruz, cruzando com figuras nobres e pitorescas (e outras piturescas, mesmo!). Aqui e ali, provocativo, faz insinuações sutis sobre atos e atores daquele cenário social. Tudo ao gosto da doçura e da lisura.
Com efeito, Rosemilton consegue, numa escrita prosaica mas não arcaica, reconstruir uma aquarela de reminiscências humanas e urbanas que nenhuma fotografia antiga, por si só, jamais nos levaria a um passeio nostálgico e saudável no passado (quase) recente de Santa Cruz.
Fui morador de Santa Cruz em três momentos históricos: duas vezes na década de 1960 e a partir de 1973 até 1995, quando muito triste me mudei para Natal.
Por isso, fica fácil para mim, e para quem assim se vê, reconhecer-se, mesmo estando ausente dos enredos narrativos, como mais um dos personagens dessas Crônicas. Conheci e convivi com muitas dessas figuras humanas repintadas fielmente pelo autor. Não nos mesmos dias, mas em tempos mais tardios.
Pois bem, não me esqueci da promessa lá do início: que seria um texto breve. Muito poderia eu ainda falar e comentar sobre as Crônicas, todavia, como registro de reconhecimento do engenho (da obra) e do talento (do autor), deixo aqui estas minhas palavras de apreço e de aplauso. 
Espero que outros leitores possam fazer essa mesma experiência com as Crônicas.
Parabéns, Rosemilton.


Zedaluz.



ADQUIRA

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

SER CRIANÇA - Emily Letícia



SER CRIANÇA

      Conheci uma garotinha que tinha entre seis a sete anos.  Eu a vi brincando, se divertindo com seu sorriso estampado no rosto.
   E tudo que eu consegui sentir naquele momento foi uma saudade. Uma saudade tão grande que fazia meu coração bater mais forte, e meus olhos se encherem de lágrimas. Nossa, que dor no peito, e vontade de voltar no tempo e poder ter novamente aquela chance de ser criança... de poder correr, brincar, ter amigos, ser amada, receber carinho, atenção e cuidado. Senti saudades até das quedas quando eu corria rápido demais e acabava tropeçando; saudades de quando eu comecei a aprender a andar de bicicleta; minhas primeiras pedaladas, que me causavam frios intensos na barriga. Senti uma saudade enorme de todos esses momentos e me arrependi por não ter aproveitado mais.
     Logo mais abri os olhos para a realidade e pude perceber que ser criança é a coisa mais maravilhosa que existe no mundo. Depois disto, aquela menininha estava ao meu lado, olhei para ela e  perguntei: Qual o seu maior desejo ? Ela me respondeu:  “Ser adulta!”
     E então eu a questionei: Mas, por quê?
E assim foi sua, resposta: “Ah... Quero ser grande e sair sozinha...”
    Depois disso, falei para ela:  “Mas menina, não deseje algo assim, você está passando pela fase mais legal, e divertida de sua vida. Ser adulto é coisa chata; não fazemos nada além de trabalhar, pagar contas e sair às vezes, sem contar com o coração partido, e decepções amorosas. Chegamos até a ficar sozinhos sem ninguém para nos fazer companhia.”
     Ela respondeu: “Poxa, agora me parece, que ser adulto é chato!”
E eu lhe perguntei: “Quer que eu te conte um segredo?”
Ela: “Sim, por favor!”
    Então eu lhe falei: “Você será adulta um dia, mas não deseje que esse dia chegue logo. Aproveite ao máximo enquanto ainda é criança; brinque e se divirta bastante, pois um dia terás saudades desses momentos, mas você não poderá voltar a ser criança e revivê-los.
    E finalmente ela me respondeu: “Sim, irei fazer isto; não deixarei nenhum momentinho passar em vão.”
Logo em seguida ela se despediu de mim, dizendo: “Tchau, até depois.”
    E assim a menininha foi com sua mãe para casa, com um sorriso enorme no rosto. E foi ali que vi como a vida passa num sopro, e a gente nem vê... Temos que aproveitar ao máximo a nossa vida, porque só vivemos uma vez. Ela é passageira e nunca sabemos quando irá acabar.

- EMILY LETICIA

domingo, 26 de agosto de 2018

REFLEXÃO SOBRE DESABAFO DE CACAU-EX BBB - Lindonete Câmara


REFLEXÃO SOBRE DESABAFO DE CACAU-EX BBB

Lendo, relendo e ouvindo o relato da mesma, repensei no quanto a sociedade é
injusta, julgadora, cruel em todos os aspectos e principalmente quando se trata de
padrões de beleza e estética feminina. Com valores deturpados e incoerentes com o real
sentido de vida, a classe dominante e artificial cobra aparências superficiais que
desvalorizam e entristecem, causando sofrimento mental desnecessário à população em
foco. Em meio a essa cobrança desenfreada, toda pessoa tem sua singular história de
vida e sem muitos questionamentos, na maioria das vezes, se vê interiorizando
paradigmas alheios como se fossem os mais corretos, lhes causando imensa dor. Dor
que traz consequências irreparáveis ou demoradas para a cura da alma, do corpo e de
tudo que o sufoca, com ou sem palavras. Não se aprofundando nesse viés que é tão
extenso e intenso, quero parabenizá-la pela coragem de se despir de todas as formas,
principalmente por ter tirado as vestes da alma diante à plateia da vida. Por ter mostrado
quem realmente é, o seu verdadeiro corpo, sem as máscaras que o mundo hipócrita
exige, levando em consideração que é uma pessoa pública, onde a exigência da mídia é
exacerbada e piora ainda mais os conflitos interiores.

Reforçando o relato e toda verbalização exteriorizada, vejo esse assunto bem
sério, vai além da visão externa, requer cuidado e orientação, já que este pode
problematizar e acompanhar a pessoa para o resto da vida, caso não busque tratamento
ou alguma fonte de ajuda. A pessoa estando centrada em si, sabendo de fato quem é,
não cairá nessa armadilha apregoada pelos ditadores e manipuladores da perfeição
corporal e nem cobrará dos filhos (as), pois saberá o quanto é prejudicial e adoecedor.
Cláudia refere que teve bulimia ainda quando criança, isso não é brincadeira, a
bulimia é um transtorno alimentar grave, marcado por compulsão, seguido de métodos
para evitar o ganho de peso que prejudica o desenvolvimento de si na forma de enxergar
a vida e tudo ao redor, baixando a autoestima, além do aparecimento de inúmeros
sintomas fisiológicos. As atitudes demonstradas terão uma grande representatividade
social e encorajarão pessoas a se livrarem também, a partir do próprio exemplo. Não é
fácil, é uma doença de difícil recuperação, é preciso persistência, pois o tratamento é
complexo e abrange outros profissionais, dependendo do caso.

Espero que a solicitação de Cláudia em relação ao AMOR próprio seja de fato
alcançada, já que tudo começa e termina por aí. Quando o indivíduo se ama, tudo muda,
tudo melhora, tudo ganha forma. A conversa com o corpo é importante para que seja
realmente aceito, este não é desmembrado da mente e do espírito, somos o todo, um ser
biopsicossocial que merece completa atenção.

Para as pessoas que estejam passando por essa situação, busquem a si, amem-se
cada vez mais, adentrem na própria alma, não se contentem apenas com a aparência,
resgatem valores saudáveis que trazem bem-estar, sejam empáticos consigo mesmos,
desmistifiquem esses valores em favor próprio e cuidem dos sentimentos ruins. Cada
um é dono de si, responsável pelo próprio corpo, pelas atitudes, pelas escolhas, não
deixem que outros tomem decisões por você ou lhes digam o que deves fazer, que roupa
deves vestir e tantas outras coisas cotidianas. Precisamos lidar com essa exigência
medíocre de beleza, dizendo NÃO, buscando nossa flexibilidade na simplicidade da
vida. Se cuidar é natural e necessário, anormal é servir à escravidão que enquadra,
rotula, inibe e adoece. Devemos nos unir em direção à libertação de poderes rígidos,
distorcidos e ainda patriarcais e combatermos toda forma de insensibilidade humana,
sejam quais forem. Que toda lágrima aprisionada venha à tona, na missão de ser
transformada para ser o que quiser, independentemente do que falem ou respirem. Na
verdade, a fala e o posicionamento do outro é apenas dele, algo com ele mesmo, então,
que haja liberdade em toda forma de pensar, sentir e viver.

Cuidemos de nós!


Lindonete Câmara (Psicóloga e Assistente Social)
    26/08/18