terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

“QUE FALTA DE ESCULHAMBAÇÃO!”

 


"QUE FALTA DE ESCULHAMBAÇÃO!"


— Andei pensando...

— Quer dizer que você ia andando e, durante a caminhada, pensou? É isso?

— Não, eu estava deitado pensando. Esse "andei" é a forma de dizer que estava pensando.

— Captei! Prossiga. 

— Então...

— Não diga "então", porque "então" é uma forma nova de iniciar uma conversa. E, como você tem mais de quarenta, deve dizer "pois bem", tendo em vista que você vem do outro mundo e é sua obrigação se expressar assim.

— Eu não venho de outro mundo! Estou na terra desde que nasci.

— Ledo engano. A cada dia há um novo mundo substituindo o velho, e você pensa que ainda está no mesmo. Isso acontece por falta de atenção nas mudanças que ocorrem. Saiba que constantemente a força universal troca o mundo, e muitos nem percebem de tão ocupados que ficam correndo atrás das suas ilusões. Basta ver que nenhum dia é igual ao outro.

— E para onde foi o mundo que ontem estava aqui?

— Ele foi descartado junto com as pessoas que morreram. É como se fosse uma vela acesa sendo consumida pelo fogo e levando a fumaça com ela em forma de seres vivos. Assim que bate zero hora, um novo planeta substitui este, e a partir daí o atual vai se dissolvendo junto com as criaturas que nasceram para irem embora naquele período de tempo. Por exemplo, as músicas que você gosta deixam a lista das mais vendidas, e os outros habitantes passam a se deleitar com canções que você não mais entende. Nesse ponto, pode estar chegando o momento do seu descarte.

— Quer dizer que tudo que aprendi deixa de ter valor?

— A cada momento, os valores são modificados pelas almas que ficam no limbo, fazendo o trabalho de esquecimento funcionar para dar lugar aos novos conhecimentos que irão valer. Ou você acha que o movimento de rotação e translação não serve para nada? É esse mecanismo que descarta as lembranças, e as células velhas também são jogadas diretamente para os buracos negros.

— Mas não é discriminação racial chamar o buraco de negro?

— Poderia ser se fosse chamado por um zé ruela qualquer, mas isso não atinge os cientistas que podem chamar qualquer coisa do que quiserem, inclusive planeta vermelho, dia branco... Qualquer nome que vier do lado desses pesquisadores fica para sempre. Diga o que você estava pensando!

— Nada não, deixa pra lá.

O outro doido se deu por vencido e ficou olhando para as mãos, tentando encontrar vestígios de que elas estavam se dissolvendo.


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/RN, 06.02.2024 - 12h23min.




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