terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Heraldo Lins



 A BOLA ESTÁ EM TODAS


Fui ontem conhecê-lo, porém passei da entrada e quando ia chegando à praia, por sorte, encontrei um homem dirigindo com óculos de grau bem grossos. Buzinei baixando o vidro para perguntar sobre o rio tomanu. É ali atrás, respondeu-me com ar de quem é "doido" para pintar sua “brasília” de amarelo.

Voltei e, lá mais à frente, encontrei um pescador preto com cabelos brancos. Fica acolá! “desembeiçou” o lábio inferior e ainda deu detalhes que o acesso ficava naquele coqueiral perto da placa. 

Eu já estava meio que desorientado porque no meio da estrada tinha cavaletes. O desvio me fez passar por solavancos e ouvir reclamações de quem estava no banco de trás. É ruim demais! disse a pessoa insatisfeita e arrependida por estar ali no meio da ansiedade. Eu, sem aliviar o acelerador, só queria chegar.  

No portão, nem sinal de gente. Faltou só eu dizer: e agora José? Um homem, com cara de “sub-heroi”, surgiu do nada para abri-lo. Dava a impressão que estava com raiva de não ter aprendido a sorrir. Ao passar pelo desconfiado, buzinei para mostrar moral.

Dirigi mais uns trezentos metros bem esticados e cheguei ao último portão. Pelo menos me deu tranquilidade em saber  que se alguém tentasse me fazer o mal teria que penar um bocado para sair daquele amaranhado de portões. A sensação de segurança foi inspirada pela cara do homem com fome.

Você é hospede? perguntou-me quem eu achei ser o filho da dona, pois estava fora do padrão da desnutrição. Havia dois seguranças com o adolescente. Um, com uma bola na mão, não tinha mais que onze anos e o outro, comendo uma cocada de coco com rapadura, também da mesma idade. O trio de seguranças estava formado, o que me deu ainda mais tranqüilidade foi saber que se eu precisasse correr com medo de qualquer ameaça, com certeza, eles correriam comigo.   

Já havia deixado as duas passageiras na recepção e fui procurar uma sombra, pois quem não é hóspede deve estacionar fora do pátio. De imediato, não encontrei “flanelinhas”, mas quando fui adentrar tive que deixar quarenta e cinco por nós três. O bom é que, além de cuidar do carro, o “pastorador” joga pelada enquanto espera chegar clientes.

Finalmente, ao subir uns degraus, uma mulher veio perguntar-me se eu estava com duas “senhorinhas”. Isso mesmo, respondi. Uma até que aceitou o título, porém a outra não gostou quando eu disse de que ela tinha sido chamada. Claro que eu só lhe informei quando estávamos à setenta quilômetros de distância. 

Olhamos o cardápio de três pratos, algumas porções de caiaque, aerobunda, esquibunda e quadriciclo. Lá, a bunda tem muita serventia. Fiquei pensando se aquilo tudo era para comer, foi quando li que se tratava das atividades oferecidas pelo hotel. 

No final do almoço, o café veio frio gelado. Deve ser para contrastar com a quentura ventilada das margens do rio tomanu que estava cheio de filhotes de pirarucu. Lá também há uma grande preferência por nomes terminados em “U”.  

Às dezesseis horas, o restaurante é fechado e fica só funcionando a correnteza do rio, as ondas do mar, o vento também não para e nem a madeira das portas deixa de ser desbotada.

É um lugar para “curtir” o silêncio da natureza, desde que não tenha final de copa do mundo. 

 

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 19.12.2022 – 23h48min



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