O CONTIDO NO CONTEÚDO
Ele queria ir mais longe do que fora da última vez que andou por lá. O local é indefinido com um pequeno córrego saindo do seu interior e a entrada estreita fica constantemente coberta por uma mata “camuflante”. É dali que ele olha indeciso com medo de dar o primeiro passo em direção ao resultado previsível de desenterrar suas dores. A última vez que explorou o celeiro das mágoas, ficou com a alma dolorida durante vários dias. Seus trastes memorizados saíram em forma animalescas que o mastigaram com afiadas presas torturando-o sem o objetivo claro de matá-lo.
As aberrações apareceram sujas de lama podre em um movimento de ir e vir abrindo e fechando cicatrizes “supurantes,” tendo-o como o legítimo hospedeiro do rancor. Os demolidores misturaram-se com o próprio demolido e a vítima passou a ser o agressor. Aquelas deformações não acontecem por livre e espontânea vontade, e sim, são manipuladas pelo criador que as odeia e as ama ao mesmo tempo, envaidecendo-se em tê-las como patrimônio.
Ele finalmente entra sabendo que está diante das próprias crias nutridas de longas datas. Quer desenterrá-las e dar um fim com objetivo de ficar livre, mas a experiência abre caminho para surgirem outras mais potentes. Parece que não tem fim aquele criadouro de dúvidas, e cada vez que a água dos segundos é baldeada, mais delas são criadas.
Olha para o lado tentando se maldizer e percebe que há várias entradas disponíveis usadas por outros. Ele achava que era o único a ter aquele esconderijo, mas não, é bem mais comum do que se imagina. Todos têm um para guardar os ossos do ofício que são protegidos por capas dissimuladas e intransponíveis. Cada problema é acorrentado com vários tipos de material, sendo o do lazer e do trabalho os mais usados. Vez por outra se soltam causando destruição total do hospedeiro.
Com ou sem dedicação, o instinto demolidor sempre demandará cuidados, por isso resolve domesticá-los sem a ilusão de exterminá-los. Vai finalmente encontrando forças que nem sabia que possuía, e mergulha tentando arrancar pela raiz os que lhe perturbam. Quer extirpar as possíveis ações que iria praticar caso não desse um basta e consegue, provisoriamente.
Nada de bom vem quando alimenta-se com a ração das lembranças de más experiências, e se pudesse ia embora daquele portal, entretanto, não seguir em frente é o mesmo que negar-se. Olha para trás e não ver outra alternativa a não ser continuar.
A indisposição o transformou em algo característico de quem está pronto para se entregar, depor as armas da vida e se deixar levar. Aceita, nem triste nem contente, ser empurrado para o abismo com seus monstros de estimação a tiracolo.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 22.07.2022 - 06:46
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