domingo, 31 de julho de 2022

CUIDAR NÃO É FÁCIL - Heraldo Lins

 








CUIDAR NÃO É FÁCIL


Ficou aguardando o resultado de um exame. Ao lado, uma mulher falava, em viva voz, que por volta das treze horas já estaria em casa. 

Havia um homem, com aspecto de louco, gritando que era trinta reais uma caixa de comprimido. Pessoal... quem quer ajudar? dizia ele com cara de paisagem. 

Uma vendedora, baixinha e desnutrida, chegou oferecendo uma bandeja de uva por apenas seis pratas. Parou ao lado, escorou-se na porta de vidro e esfregou os pés sujos e suados no tapete da entrada. 

Um velho, com máscara, cambaleava amparado pelas filhas que diziam: tenha calma papai, o senhor já já chega em casa; cuidado com a bolsa coletora.  

Na porta, havia dois guardas impedindo os vendedores e os pedintes de entrarem no salão de espera. Conversavam, distraidamente, sem demonstrar interesse em quem chegava e saía. 

Mesmo o som da cigarra anunciando a vez, as pessoas, tensas, ficavam olhando para o painel como se fosse a melhor programação de cinema, e para não ficar com tédio, um voluntário digitava a ordem de chegada.  

O prédio era uma construção bem moderna com torres de ventilação curvando-se para o subsolo. Na entrada, uma guarita cobrava estacionamento de quem vinha correndo por uma migalha a mais de tempo vivo. 

Lá dentro, um senhor, há duas semanas, respirava com auxílio de máquinas. Sua saúde estava distante da recuperação. Um outro tinha dado entrada logo cedo por estar com pressão baixa. Dois idosos, um, à procura de oxigênio e o outro tomando soro. 

Nesse ínterim, uma jovem com dores preencheu a ficha na urgência. Mãe de uma filhinha, tinha se sentido mal na fábrica. Achava que era um problema de intestino. Depois, a autópsia verificou ter sido outra coisa, menos erro médico.  

Na hora do almoço, muitos veículos do interior já estavam indo embora. A mulher do celular embarcara em um deles, dizendo: daqui a pouco chego! Fez questão de gritar alto como se fosse uma vaidade ir embora. 

O deficiente ainda encontrava-se, aqui e acolá, gritando por ajuda. Sua gordura o impedia de permanecer em pé por muito tempo, e as sandálias, consertadas com pregos atravessados, precisavam de descanso. Ele, rosado e suado, exalava um odor que contribuía para que as cadeiras, por perto, permanecessem desocupadas.     

A mulher das uvas perambulava pensando em comer sua mercadoria. Com um short preto desbotado, deu a entender que conhecia aquele que estava pedindo. Falaram-se em tom baixo e ela foi embora. 

A jovem paciente havia sido medicada. Uma injeção resolveria, procedeu assim o médico. Muitos para atender, horário apertado, já na hora do almoço... é só mais uma dorzinha...

Uma criança, equilibrando-se em dois palitos, entra com um lenço amarrado na cabeça escondendo a queda de cabelo. Está com leucemia, mas os tratamentos modernos fazem milagres, dizem os familiares esperançosos.   

Chegam os maqueiros despejando sua carga humana e partem para ir buscar mais. Saem rindo como se estivessem em uma partida de futebol. Havia disputa para quem fizesse mais viagens?... Devem ganhar por produção, interroga-se alguém desconfiado com tanta rapidez.   

A jovem mãe, depois de ser medicada, levanta-se e caminha, vagarosamente, em direção à saída. Acreditava que tudo havia sido resolvido. Sua aparência é boa, e a dor... que dor?  

Quem quer ajudar? pessoal, é trinta reais! O maluco permanecia recitando seu discurso de carente. A cada pessoa que chegava, ele falava a mesma coisa. Ficava em silêncio até uma pessoa se levantar, e, nesse momento, com mais ênfase: quem vai ajudar?... repetia a ladainha.

A mulher jovem, ao passar pelo salão de espera, sentou-se e arriou ali mesmo. Doutor! grita alguém desesperado. Essa menina está passando mal! Acudam! acudam!

O idoso, consumindo soro no quarto, estava silencioso. Sua acompanhante permanecia dando-lhe assistência e divertindo-se nas redes sociais. 

Os enfermeiros foram chamados às pressas para reanimar a jovem mulher. O que fazer? Alguém teve a brilhante ideia de retirar o oxigênio de um para colocar nela. Morreram os dois. Os familiares foram chorar dentro da sala do velho sobrevivente. 

Segundo o administrador, essa rotina no hospital municipalizado está dentro da normalidade. Amanhã teremos mais, diz ele sem aparentar emoção, e pensa: quem tiver sorte, sobreviverá. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 30/07/2022 - 08:51



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