segunda-feira, 25 de julho de 2022

CONHECE ALGUÉM ASSIM? - Heraldo Lins

 









CONHECE ALGUÉM ASSIM?


Havia morrido há pelo menos sete anos e a família já vendera tudo que o homem deixara. Diziam que cada um tinha uma missão, a do morto foi de juntar, a deles, de espalhar. Em vida o pobre homem rico corria atrás até de uma carona para não ter que ficar nas mãos de mecânicos. 

Segundo sua concepção, todo mundo queria roubar o seu dinheiro, única coisa que dava valor acima do normal. Para ele, as cédulas tinha um encanto a ponto de sentir prazer em apalpá-las igual a uma mãe dá carinho ao filho recém-nascido. Quando saía uma cédula com novo valor, ele corria para o banco tentando ser o primeiro a possuí-la. 

Teve um desgosto grande quando um rival fez de tudo para desbancá-lo. Dizem até que foi o motivo maior de sua morte. Passou a definhar até o encontrarem morto. Acredita-se que não perdoou a nova estampa dentro de bolsos alheios. 

Para ser o primeiro, entrava em contato com o gerente combinando o negócio, e como era o maior depositante, seu pedido era aceito. Pagava uma taxa por fora para que o lote de novas notas só circulassem quinze dias depois. 

Era a única despesa que fazia além do programado e isso ele levava muito a sério. Contratava um motociclista para ficar à disposição levando-o a exibir sua nova aquisição monetária nos quatro cantos da cidade, inclusive, nos sítios e fazendas. Ninguém tinha a honra de segurá-la. Mostrava um pouco afastado da pessoa, e se insistissem, cobrava dez por cento por poucos minuto desde que deixassem, em seu poder, duas notas correspondendo ao valor da nova, e mais a metade para descontar a taxa de segurança. Se quem quisesse ver não dispusesse de tal quantia, ele pedia para colocar as mãos para trás num gesto de respeito, desconfiando de um possível ataque.

O aluguel de uma motocicleta se fazia necessário porque o tempo voava e não podia deixar de mostrar a todos em primeira mão. No dia a dia normal andava a pé utilizando o argumento que Deus tinha feito os pés com esse objetivo, e, para não contrariar o criador, usava-os em todo o seu potencial. Perturbados com o procedimento dele se privar até de uma boa alimentação, muitos filhos foram embora e a mulher morreu tísica. 

Os sobreviventes ficaram de longe esperando ansiosos o dia em que o velho viesse a falecer para gastarem tudo, não por necessidade, mas por vingança ao sovina. Esse dia chegou. Foram avisados pelo vizinho, pois o velho morava sozinho comendo o que sobrava de um parente próximo. Quando não sobrava, ficava em jejum prolongado dizendo que imitava Jesus que passou quarenta dias assim. Em tudo ele usava a bíblia para sustentar seus pontos de vista, inclusive, para se defender em seus atos ilícitos. 

Durante o período que estava em casa, ocupava-se em fechar baús cheios de cacarecos e conferir o dinheiro escondido, ninguém sabe onde. Andava com um molho de chaves a tiracolo gabando-se que cada casa sua estava ali representada. O técnico chaveiro já sabia que a metade eram falsas e que ele comprara apenas para se vangloriar. 

No quartinho escuro, dormia sentado na poltrona porque entendia que cama era objeto de luxo. Só bastava aquela que utilizava de várias formas, enfatizando que não ia gastar dinheiro com um móvel que só serviria para usá-lo durante a noite. A poltrona negociada em troca de um ovelha doente, servia. 

Comer em uma mesa era luxo exarcebado. A poltrona, mais uma vez entrava em cena auxiliada pelo chão. Censurava quem se servia do chão apenas para pisar. Jamais teria gasto cimento para deixá-lo com pouco uso. O chão poderia ser utilizado, como de fato era, na função de armário e guarda-roupa. Sanitário para quê? se tinha um monte de areia! Imitava os gatos, enterrando-os. Nem de cemitério ele precisou. Quando abriram o quartinho, só restava a roupa furada. Os ratos haviam lhe comido todo.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 23.07.2022 -  15:03



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