sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

ESPERA FRUSTRANTE - Heraldo Lins

 


ESPERA FRUSTRANTE


Papai Noel, durante onze anos, passou perto da minha rede para roubar-me a esperança. Eu o amaldiçoava toda vez que olhava para baixo e não via o presente que tanto me prometiam.

Certa vez, ele ficou imitando gatos namorando no telhado. Exatamente na noite de Natal não consegui dormir com aqueles miados inconvenientes de Papai Noel.

Lá em casa não tinha chaminé, e na porta da cozinha eu colocava latas e panelas arrumadas, caso ele tentasse entrar, o barulho me acordaria.

Acho que Papai Noel notou minha estratégia e por isso nunca tentou me presentear, entretanto, aquele “cara” fazia isso todos os anos na casa vizinha. Deixava presentes, aumentando minha inveja para com Carlinhos. O velhinho também deixava bonecas falantes para Carla, irmã dele, porém, eu não tinha inveja, apenas, sentia-me apaixonado.  

Eu deixava meias no entrançado da rede porque diziam que ele colocava os presentes lá, mas, por mim, eu colocaria era um saco, só assim, caberia o carro que eu pensava ganhar. Uma madrugada, ao olhar as meias, encontrei uma barata. Ela saiu em disparada e eu atrás pensando que era uma princesa encantada em forma de inseto. Foi luta tentar agarrá-la, porém, ao chegar perto, o gato a pegou e saiu correndo, mastigando-a. Acredito que era mesmo uma princesa encantada. Desse dia em diante eu dormia com um cacete ao lado, caso Papai Noel deixasse outra princesa encantada, eu mataria o gato.

Na rua, havia fila de quem o velhinho safado havia escolhido para presentear. Manifestações de vaidade através da bola nova fazia-me contar nos dedos quem tinha sido bonzinho. Hoje é que vejo o quanto precisei treinar para não sair quebrando os brinquedos desfilados na calçada. 

Mesmo não tendo sido presenteado, fazíamos a própria corda de pular com palha de carnaúba; os carros, com latas de leite ninho; cavalo de pau tinha só um barbante servindo de cabresto no cabo de vassoura. A maior fortuna que se podia ter era brincar de argolinha com cavalos de pau, e isso nós fazíamos, inclusive, impedíamos que  os cavalos com cabeças de plásticos corressem na nossa pista.  

Nessa época, éramos ricos de imaginação. Todo o mundo nos pertencia, nossos pais eram os mais fortes e viviam ali pertinho para nos proteger.

Só depois que crescemos é que a névoa do encanto vai embora. Passamos a distinguir feiura, pessoas de cor e homens amulherados. A fantasia se transforma em realidade e é aí que vem a tristeza de tomar conhecimento da vida como ela é. Com a evolução do pensamento vemos o lado negativo da vida, aí, Papai Noel deixa, não um presente, mas um vazio desse tamanho.   

 

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN,07.12.2021  - 22:29



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