domingo, 6 de junho de 2021

SONHOS VEGETAIS - Heraldo Lins

 


SONHOS VEGETAIS   



Sou um coqueiro. Já tentei sair dessa minha condição de botar coco, mas não consegui. A goiabeira queria trocar de lugar comigo mais não foi possível. Eu queria ter muitos galhos, e ela, sonhava em ver o rio daqui de cima. Ela soube que fico observando o rio encher, e isso a estimulou a propor a troca. Quando o rio está cheio divirto-me olhando os peixes. Pergunto-os para onde vão. Eles respondem: estamos indo morar no mar. 


Como será o mar? Dizem que é muito grande. Acredito que nunca terei esse prazer em conhecê-lo. Conheço a água. Ela passa sempre por aqui em forma de pingos. Não tem pés, mas corre. Eu sou um pé, e fico parado. Minha condição de estático me causa tristeza. Queria viajar por esse mundo afora. Conhecer outras plantas. Dizem que há uva. Não a conheço. Tanta coisa nesse mundo que só sei de “ouvi falar”. 


Os únicos bichos que moram por aqui são abelhas e lagartixas. Quando minhas folhas caem é um pedaço de mim indo embora. Lá embaixo ficam se amontoando sem nada para fazer. Aqui em cima serviam para me abanar. Mas é preciso me conformar com isso. Nem sei se poderia impedi-las. Acho que não! Quando menos espero, elas caem. Os cocos também são assim. Eu me esforço muito para vê-los carnudos. Puxo água por vinte e cinco metros. Coloco dentro deles, e depois me abandonam sem nem dizer adeus. 


Minha tristeza só não é maior porque vejo outras folhas e cocos nascendo. Sofro por ser ingênuo a ponto de achar que vão ficar grudados em mim. Tudo se reinicia. Estico-me para dar apoio aos que vão chegando. Os que me abandonam deixam a marca da sua ingratidão no meu tronco.


Meu vizinho sofreu uma descarga elétrica ontem. Nossa condição de sem-teto nos deixa vulneráveis a esse tipo de malvadeza. Tanta pedra por aí para o relâmpago cair, mas ele prefere exercitar seu sadismo em nós. 


As aves resolveram fazer-me companhia. Um gavião está mais tempo pousado. Acho que está querendo pegar uma lagartixa. São da mesma estirpe dos relâmpagos. Matam sem remorso. 


A carnaubeira disse-me que vou morrer. Ela é mais antiga e já viu outros da minha espécie sucumbirem. Ela também vai, disse-me o urubu. O cajueiro falou que eu poderia, depois de morto, conhecer o mar. Basta eu permanecer robusto que serei escolhido para fazer parte do lastro de uma jangada. Que bom, então morrer não será tão ruim assim.         



               

Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 25/03/2021 – 17:36

84-99973-4114

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”