quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Ordem, sentido e diploma! (Maciel Souza)



Voltei à Escola Agrícola “Vidal de Negreiros” onde cursei o ensino médio. No banheiro, um senhor na porta cobrava R$ 2,00. Pedi que me deixasse entrar, pois tão logo providenciaria o dinheiro: _Só mediante pagamento adiantado_ foi o que disse. Saí indignado:_Volto a minha escola e sou tratado assim?_ Com lágrimas nos olhos acordei. O sonho foi depois que assisti a uma reportagem em que policiais militares vão administrar escolas públicas do estado de Goiás ao custo de R$ 1.500,00 reais ao ano por família e, desempregado, o pai de uma das alunas diz que vai tirar a filha da escola: “Eu não tenho condições. Como fica para alguém sem emprego?”
A nossa escola tem profundas marcas do militarismo. Até aí nenhuma novidade. Fardamento, disciplina, atividades, castigo, portões fechados, corredores... são heranças desse modelo. O que chama atenção é o “aprofundamento de relação” e o processo sorrateiro de terceirização da educação pública, em meio a discussões por uma educação inovadora, inclusiva e pela desmilitarização da polícia.
Segundo a reportagem, “A Secretaria de Educação de Goiás garante que quem não puder pagar terá vaga garantida em outra escola pública e de graça”. Está claro nesta fala, nada eufêmica, o discurso segregado de que o estado de Goiás vai dispor de uma escola para os que podem e outra para os filhos de pais que não podem custear, numa segunda milha, uma melhor escola para seus filhos. Entretanto, até para aqueles que “não se adaptarem ao projeto”, fica “resolvido” aí o inciso constitucional de que educação é direito de todos e dever do Estado. E assim chegou o dia de nosso contracheque determinar em que escola pública matricular nossos filhos, depois da cobrança de pedágio nas estradas e antes de nossa conta bancária certificar de vez nosso acesso a determinados procedimentos médicos ofertados pelo SUS.
Atento a este processo de mercantilização do público, mais especificamente da educação e de passagem por um município vizinho, observei um carro de som fazendo propaganda de um curso de pedagogia ministrado por uma instituição privada. Os atrativos eram aulas uma vez por semana, brindes e garantia de diploma daqui a três anos. A impressão é de que fazem anúncios de cursos para formação de professores igual se empurra panfletos de produtos de supermercado por debaixo de nossas portas. Na Finlândia, por exemplo, país que se destaca em educação, esse mesmo professor leva sete anos para se formar, dos quais três anos é residência pedagógica e, ainda aqui no Brasil, segundo estudos da professora Bernardete Gatti, que serve também para as duas escolas do estado de Goiás, 69% do curso de Pedagogia são apenas teoria, os outros 31% são muitas vezes teoria sobre a prática.
Eu vi há pouco que de olho no repasse de recursos do MEC, um gestor municipal anunciou em blogues o sorteio de uma moto para atrair matrículas de alunos em suas escolas de Ensino Fundamental no início deste ano letivo. Ora, sem querer abordar as estatísticas de morte por esse meio de transporte a serem consideradas numa decisão pedagógica, nem pretender discutir aqui questões que implicam numa possível incoerência educacional, diante do que prever a Legislação Nacional de Trânsito com relação a menores enquanto condutores; num país onde educação é levada a sério no mínimo o sorteio seria de livros ou procurariam conquistar alunos pelo seu diferencial pedagógico.
O exemplo mais forte que vem de Goiás só confirma as dificuldades tremendas em avançarmos na mudança de paradigma da educação e pior, não conseguimos desvencilhar-se desse formato de escola que já provou não irá redimir o país. Sempre entendi que educação e polícia repressiva atuam em lados opostos, mas há os que justificam esse tipo de atitude como meio de contenção à violência que adentrou os muros das escolas. Nestas horas referências a Paulo Freire, pensamentos de Rubem Alves, experiências de Emilia Ferreiro... só molduram nossos trabalhos acadêmicos e provam  que nos apropriamos dos conceitos de Educação como redenção, reprodução  e transformação da sociedade (SAVIANI, 1987)  apenas para fundamentar as nossas teorias. Na prática mesmo chamamos a polícia e impomos ordem na casa.

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