segunda-feira, 9 de julho de 2012

PETIÇÃO E DESPACHO EM VERSOS - Ronaldo Cunha Lima e juiz Roberto Pessoa


Na Paraíba, alguns elementos que faziam uma serenata foram presos. Embora liberados no dia seguinte, o violão foi detido. Tomando conhecimento do acontecido, o famoso poeta e político Ronaldo Cunha Lima enviou uma petição ao Juiz da Comarca, em versos, solicitando a liberação do instrumento musical.


Senhor Juiz.
Roberto Pessoa de Sousa


O instrumento do “crime”que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente, Doutor, é um violão.


Um violão, doutor, que em verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.


O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Entre ambos inexiste afinidade.


O violão é próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam  a vida
E sufocam as suas próprias dores.


O violão é música e é canção
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.


Seu viver, como o nosso, é transitório.
Mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.


Ele, Doutor, que suave lenitivo
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão


Mande entregá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno acoite
De suas cordas finas e sonoras.


Liberte o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?


Será crime, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?


Mande, pois, libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.


É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.


O juiz Roberto Pessoa de Sousa, por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha Lima: o verso popular.


Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.


Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.


Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.


Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar á porta do Juiz.


Enviado por Francisco Maciel.

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