CONVERSA ENTRE O FUMO E O ÁLCOOL
O álcool e o cigarro sempre foram bons amigos. Sempre conversavam pelos palácios, praças, bares, cabarés... Numa noite de lua cheia, na Praça da Ilusão tiveram a seguinte conversa:
FUMO: Boa noite, senhor álcool, como vai?
ÁLCOOL: Bem, obrigado! E você?
FUMO: Excelente! Como estão os índices de mortandade disseminados por Vossa Excelência?
ÁLCOOL: Que é isso, rapaz? Nunca matei ninguém! Você, sim, vive matando gente. Faz-se de santo, mas é um dos piores assassinos com quem já cruzei. Outro dia, li num jornal coisas sobre você que me deixaram horrorizado. Apesar de se apresentar assim, sempre bem vestido, e de investir pesado em companhas publicitárias com o intuito de escamotear a verdade sobre si, carrega consigo mais de 4.700 substâncias tóxicas, sendo 43 delas cancerígenas. E aí, o que me diz sobre isso?
FUMO: Alto lá, camarada! Nunca obriguei ninguém a me consumir. Por onde passo, digo quem eu sou. Vai me dizer que nunca viu minhas advertências?! Agora você é covarde! Frequenta as melhores festas. Veste-se de belas garrafas multicoloridas, se perfuma todo, adota belos e diferentes nomes em cada país por onde passa. Na França, chama-se vinho; na Alemanha, cerveja; na Escócia, Whisky; na Rússia, Vodca; no México, Tequila; no Brasil, cachaça etc. Se não tem nada a esconder, por que muda tanto de nome? Eu te conheço, rapaz!
ÁLCOOL: Nunca enganei a ninguém, amigo! Eu sou a vítima. As pessoas abusam de mim e depois reclamam: “a culpa é álcool!”. Que nada. Se me respeitassem... Mas..., covarde é você! Usa a nicotina para dar um pouco prazer e em troca rouba a liberdade das pessoas, tornando-as dependentes. Só depois de algum tempo é que mostra suas verdadeiras intenções.
FUMO: Veja só quem fala! Você excita as pessoas, dando-lhes uma sensação de bem-estar, de euforia, de felicidade..., mas nem precisa esperar muito e já as humilha, fazendo-as perder a decência e a compostura. E o que é mais ignóbil: elas ainda se sentem o máximo sendo humilhadas! Parece se divertir com isso, não?!
ÁLCOOL: Tudo bem, admito que dou boas gargalhadas em troca do que ofereço. Todavia, no dia seguinte não perturbo mais ninguém. Você, ao contrário, é mais discreto, porém mortal. Mata aos poucos, lentamente, como se estivesse tragando as pobres vítimas.
FUMO: Perto do que você faz isso se chama bondade. Ao menos garanto alguns anos de vida aos meus seguidores. Nunca embriaguei jovens para em seguida mata-los no trânsito; nunca tirei a razão de pobres trabalhadores, tornando-os homicidas sem saberem o motivo; nunca fiz pessoas saudáveis se tornarem dependentes e improdutivas; nunca transformei homem em mendigo..., respeito a dignidade das pessoas.
ÁLCOOL: Mas subtrair a liberdade das pessoas não é tirar-lhes antes a dignidade? Ademais, os hospitais estão cheios de doentes que lhe culpam por isso. Você é o responsável por 30% das mortes por câncer, 90% nos casos de câncer de pulmão. Isso diz tudo sobre você.
Os dois ficaram em longo e profundo silêncio, talvez envergonhados...
Autor: Marcelo Pinheiro