quarta-feira, 23 de abril de 2025

BELÍSSIMO TEXTO SOBRE O PAPA FRANCISCO, DE PAULO QUARTIERMEISTER


Charge publicada em O Jornal do Commércio (Recife, PE)


ele morreu.
jorge mario bergoglio.
o papa francisco.
ou, como eu prefiro chamar…
o anti-papa.

o cara que chegou no maior trono simbólico da fé cristã
com a cara de quem acabou de sair de uma padaria na zona sul de buenos aires.
com os sapatos gastos, o pulmão falhando,
e a alma inteira.

ele olhou aquele palácio, aquelas tapeçarias, aquelas vozes embriagadas de tradição…
e fez o que qualquer adulto lúcido faria…
revirou os olhos.
soltou um suspiro.
e foi varrer.
literalmente.

pegou uma vassoura.
não de prata.
não de ouro.
vassoura mesmo.
daquelas que limpam lama,
não imagem.

porque ele entendeu desde o começo,
a igreja não precisava de um novo papa.
precisava de alguém que aceitasse entrar no porão,
ligar a luz,
e encarar o mofo.

foi o único dos últimos séculos que entrou no cargo sem querer parecer santo.
e por isso, foi o mais próximo de um.

morava num quartinho simples.
não por humildade instagramável.
mas porque ele detestava aquele palácio,
aquele corredor de cem metros,
aquele ar-condicionado de mármore.
ele dizia: 'três quartos e cem metros de corredor me fazem mal.'

então ficou com o essencial.
uma cama.
uma bíblia.
um café fraco.
e um relógio de plástico no pulso,
barato, feio, torto.
mas funcional.
exatamente como ele.

dirigia um ford focus azul que tossia a cada esquina.
um carro que, sozinho, já era uma crítica viva ao papado com motorista e cortina de veludo.
ele dirigia porque queria ver o mundo.
porque queria sentir o cheiro da rua.
e porque sabia que deus, se é que ainda circula,
não anda de blindado.

e a cruz…
de ferro.
simples.
pesada.
nada de ouro, nada de brilho.
porque o fardo era real.
e ele queria sentir no osso.

o anti-papa, sim.
porque ele não falava como papa.
não posava como papa.
e não julgava como papa.
falava como gente.
posava como quem carrega dor.
e olhava o outro sem catálogo de pecados na mão.

quando perguntaram sobre homossexuais, ele não citou versículo.
não usou meia-palavra.
só disse: “quem sou eu pra julgar?”
e ali, naquele momento,
abriu mais portas que todos os concílios anteriores.

falou com trans.
falou com travestis.
recebeu mães que choravam filhos suicidas e não perguntou se estavam em comunhão.
porque ele sabia…
ninguém precisa estar puro pra ser amado.

enquanto os outros papas encenavam moral,
ele vivia misericórdia.
enquanto os outros celebravam tradição,
ele celebrava sobrevivência.
enquanto os outros desenhavam regras,
ele construía pontes.

e, claro, o vaticano odiava ele.
com um ódio discreto.
silencioso.
de quem sabe que vai sobreviver ao homem
mas não à memória dele.

porque francisco foi o susto.
o erro na liturgia.
a nota fora no coral de vozes previsíveis.

ele falava de capitalismo com desprezo.
falava de guerra como quem viu corpo de criança em vala.
falava de deus como quem tinha dúvidas
e por isso mesmo, fé.

e agora ele se foi.

sem pompa.
sem câmera escondida.
sem um último milagre.

morreu num quarto limpo,
num prédio funcional,
como morrem os que não precisam provar mais nada.

e agora o mundo segue.

seguem os bispos com seus ternos caros e suas certezas ocas.
seguem os pastores de palanque e púlpito patrocinado.
seguem os fanáticos com slogans religiosos bordados em ódio.

mas o que não segue…
é aquele tipo de presença.
silenciosa.
insistente.
radicalmente humana.

porque francisco não foi um papa de frases.
foi um papa de gestos.
foi o homem que escolheu a vassoura.
que escolheu o ferro.
que escolheu escutar quando o mundo inteiro gritava.

e se você não se emociona com isso,
talvez tenha virado exatamente aquilo que ele tentou curar…
alguém que confunde fé com vitrine,
moral com julgamento,
e deus com espetáculo.

obrigado, francisco.
por rasgar a fantasia,
por incomodar o conforto,
e por lembrar, até o último suspiro,
que amar ainda é mais revolucionário
do que qualquer dogma.

você foi o anti-papa.
e, por isso,
o único que fez sentido.


Poema publicado em Realidade Real, por Paulo Quartiermeister.

Um comentário:

  1. Belíssimo? Nunca li tanta bobagem. É isso que dá falar do que não se conhece.

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