O OUTRO LIXO
(MACIEL
SOUZA)
O quintal aqui de casa é maior do que o necessário, nele
tenho até pista de caminhada e dele acumulo alguns relatos. Outro dia recebi a
visita do rapaz da Vivo, sondando o local para instalar uma antena. Foi do
quintal que surgiu a crônica Frutos Adocicados, em homenagem a meu vizinho, seu
Arlindo, e é de lá que colho pinha, laranja, acerola e flores. Ali nosso
cachorro foi sepultado e é onde hoje vive a nossa gata.
O ruim é que ele fica
numa esquina, limita-se com um beco. Daqueles que pegam o beco, aparecem
latinhas jogadas por cima do muro, garrafas pet e, do nada, insistiram em jogar
sacos de lixo. Mesmo assim, prefiro esta certa desordem à organização imposta
dos condomínios, onde até espirros precisam ser educados. Mas tudo tem limites,
depósito de lixo não dá. Investiguei o lixo e, a exemplo do lixo de Luís Fernando
Veríssimo, o conteúdo e as pistas apontaram ao funcionário do seu dono. Chamei
o proprietário para uma conversa, ele reconheceu seu lixo com mil pedidos de
desculpas, fez a limpeza do local e tudo ficou resolvido.
Outro dia jogaram um gato
recém-nascido num dia chuvoso, tomei-o nos braços, envolvi-o com uma toalha, coloquei-o em lugar seguro
e fiz um rápido diagnóstico conclusivo de que setenta por cento de seus órgãos
estavam paralisados. Ao meio-dia, entendi que esse comprometimento chegara a noventa
e cinco por cento e o vi agonizando. À tarde, encontrei-o se arrastando e
consegui com que bebesse leite através de uma seringa. A partir daí a
recuperação foi instantânea: passeou, brincou dentro de casa e começou a reagir
às investidas de ciúmes por parte do meu cachorro. Passamos então a chamá-lo de
Vitório porque ressurgiu do nada. Minha esposa ficou surpresa e expliquei-lhe que gatos
possuem sete vidas. Depois foi adotado por uma família
e ficamos sabendo que era uma fêmea.
Do quintal para frente da minha casa, vivia sendo importunado
com um menino que passava e tocava a campainha: Um dia eu pego! Flagrei! Pra
ele estava tão comum que simplesmente cruzou o beco, enquanto o segui até a
lotérica. Pedi para que não mais se repetisse, do contrário iria conversar com
seus pais. A façanha voltou a se repetir e desta vez era a mãe do menino,
neutralizando meu poder de argumentar e até de dizer alguns palavrões.
Mas foi hoje à tarde que palmas infantis na minha porta me
motivaram a escrever esta crônica, com o título o Outro Lixo, para não
confundir com O Lixo de Veríssimo. Eram quatro crianças:
— O senhor é o dono da casa?
— Sim, sou eu!
— Dá pra o senhor devolver nossas
bolas? São duas que caíram no seu
quintal.
— Tá certo, vou procurar e jogo de
volta!
No momento pensei: Por onde andam os
pais destas crianças tão educadas e me imaginei bem velhinho rodeado por elas
adultas, lembrando do ocorrido. Depois, passou em minha mente minha própria
imagem riscando a calçada de seu Zé Lopes com uma patinete, e de repente ele em
pé com um bodoque numa das mãos e quatro bolas de barro cozido na outra. Pra
nunca mais! E no dito beco sem muro, eu adentrava a área particular do quintal de
seu Hermes Nascimento e colhia limões sem que ele ou meus pais nem sonhassem.
Caro diploMaciel: seu exercício de empatia aplicado aos contratempos aleatórios do dia a dia rendeu-lhe mais uma boa crônica. - Gilberto Cardoso
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