terça-feira, 23 de maio de 2023

NEM SEMPRE É DO JEITO QUE SE PENSA

 


NEM SEMPRE É DO JEITO QUE SE PENSA


Mesmo na penumbra, a moça permanecia ocultando os peitos com os cotovelos. Acariciei sua pele bronzeada enquanto ela se encolhia ainda mais, arrepiando-se. Talvez uma da manhã fosse a hora que só o abajur ainda estivesse aceso. Naquele quarto de hóspedes, receávamos que outros escutassem nossos corpos se aproximando. Na mesinha do espelho, seus simples pertences haviam sido colocados a pedido dos meus gestos. Deu para perceber que ela não tinha prática, apenas servia na casa há poucos dias, mas, acredito, a ilusão de fugir levada por um homem forasteiro talvez tivesse lhe impulsionada a fazer a visita. Com a cabeça baixa, permanecia tensa. Quem sabe, nunca estivera "limpa de roupa" em frente a um outro homem. 

Hum!? Levantou o queixo ajudado pelos meus dedos. Queria vê-la olhando para mim, entretanto, com sutileza própria da vergonha, a cama que ela havia arrumado, antes da minha chegada, foi o paradeiro do seu olhar. O silêncio imposto pelo medo de sermos flagrados, obrigou-me a falar a linguagem do toque. Tive o cuidado de mantê-los com suavidade enquanto acariciava seus cachos soltos, lindos e bem cuidados observados durante o jantar. O olhar, que ela me negava naquele momento, havia sido farto durante a refeição como também sua disposição em demonstrar as boas-vindas através do sorriso. Fui servido na área reservada da mansão, e ela foi quem veio, juntamente com uma colega mais velha, me servir. 

Sentia-me um sujeito feliz ao analisar meus sentimentos naquele instante.  Diante daquela formosura, lembrei-me do tempo em que éramos hóspedes da casa do estudante. Nas “noites sorrateiras,” íamos para a “zona” mendigar descontos das profissionais que nos deixavam esperando para só depois da meia-noite é que, se não estivessem alugadas, podiam nos fazer o “favor". Livre dessas amarras financeiras, hoje me via atraindo mulheres por força do cargo. Daria para ser um casamento?, perguntava-me sem chance de prosseguir naquele intuito. Outras virão, e me envergonharia de ter pensado assim. 

Seu respirar pausado e forte chegava-me através do ar quente sentido na base do pescoço. Linda precisava ser tocada com cuidado. Se era a primeira vez, minha responsabilidade aumentaria por saber que todo o processo imaginativo de uma virgem esbarra no medo da dor. Minha experiência em frequentar mulheres, tornou-me perito em detectar cheiros de uma fruta em época de colheita. Ela estava, sim, nesse momento e eu não poderia desperdiçá-lo. Ela veio, não porque quisesse, mas conduzida por hormônios compatíveis com sua juventude.

Um anel de noivado não ficaria bem na minha mão tendo a dela como cara metade, apesar da beleza dela extrapolar a média das modelos, em quilômetros. Minha educação tradicional e a posição social alcançada através de muito esforço, não deixaria amar uma menina do interior sem formação. São as barreiras que vão surgindo e que nos faz utilizar, até de forma inconsciente, a régua da discriminação para medir tudo que vem à frente. Pus-me a domar o querer de ficar com ela eternamente, pois precisava de liberdade, mesmo sentindo algo a mais naquele momento. Estava sendo diferente das milhares de vezes já acontecidas. Deveria ser uma paixão adormecida e que agora estava vindo à tona... não sabia, nem demorei muito nessa dúvida.  

É bom deitar-se, murmurei depois de beijá-la incessantemente. Ela já estava “um mel.” Conseguia retribuir as carícias dando a entender que fosse expert. Mas não, suas mãos deslizavam indecisas sem a “automatização das tarimbadas. Eu estava com fome e ela também. Uma fome contida pela sensação de conforto e paz, isso foi o que senti pela primeira vez em toda minha existência. Encolerizei-me por estar me deixando levar por algo que não dominava. Será que é o tão falado amor?, perguntei-me deitando-me também. Percebi os “olhos da santa” fechados. Como estava linda a minha linda. Ela é humana, pude comprovar ao sentir seu murmúrio cadenciado por duas horas ininterruptas. Mesmo saciados, permanecemos abraçados sem vontade de que aquele momento acabasse. O mundo jamais seria o mesmo. 

Ela chorou e não quis dizer o motivo depois que começou a sorrir. Chorava e sorria. Cobriu o rosto com vergonha de estar se expondo. Nunca pensei que fosse tão bom, disse com voz sussurrante.  Passou a mão em meus cabelos, beijou-me e sorriu novamente virando-se para um momento a sós. Fiquei em silêncio e quieto. Nosso futuro dependia das articulações mentais que estava a fazer. Retornou o rosto e disse: vou me casar com você. Obedeci.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN,22.05.2023–11h25min.



2 comentários:

  1. Este conto retrata com maestria um momento íntimo e intenso entre duas pessoas, explorando temas como a descoberta, a atração e as barreiras sociais. O autor descreve e os sentimentos e sensações experimentados pelos personagens, proporcionando ao leitor uma imersão na história. - Gilberto Cardoso

    ResponderExcluir
  2. Gostei do "com maestria" e também "...uma imersão na história." Vida longa ao Poeta. Obrigado.

    ResponderExcluir

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”