A PROVA ESTÁ CLARA
O que fazer?, perguntou a mulher diante do portal das respostas. Escuta teu coração!, foi o ensinamento. Voltou para casa e ficou a pensar. Como vou escutar algo que não produz som? Foi dormir com a esperança de lá encontrar o que procurava. Nos sonhos, deparou-se com o tempo estacionado ministrando palestra. Ah, parece que este tem muito a contar, afinal de contas tudo que foi criado ou exterminado teve ele como testemunha.
O carvalho aproveitou o encontro para pedir o dobro dos anos para sua existência, sendo seguido pela pedra que reivindicou alguns milhões a mais. O tempo mandou a seca para punir o carvalho, e para a pedra, muita chuva, sol e vento. A mulher preferiu permanecer calada. Não era maluca de demonstrar insatisfação já que havia visto o que tinha visto.
Numa projeção, o tempo expôs a vida dela como modelo. Está vendo esta criatura? Ela não tem rosto como vocês estão vendo. Ela olhou para si e realmente estava sem olhos, nariz e boca. No lugar do rosto, um espelho. Ela "se acha," continuou o tempo. O que a definiu, foi sempre pensar que a pedra ali estava com o objetivo de servir de esconderijo para ela, e o carvalho, para lhe dar sombra e lenha. Ela sentiu vergonha de ter perdido seu tempo pensado assim mesmo diante de um espelho que sempre refletiu, somente só, seus desejos.
Naquela assembleia, a água permanecia sendo assessora do tempo juntamente com o vento. O sol bocejava de já ter participado, centenas de vezes, sem nem mais demonstrar animação. O tempo permanecia mastigando enquanto falava. Não podia parar porque, segundo ele, estava fazendo seu trabalho de consumir tudo e expelir novos seres. Mostrou a mulher nascendo das suas entranhas.
O "ajuntamento das células," fez dela uma pessoa com todos os pré-requisitos para se tornar um ser morto. Seus movimentos, juntamente com o desenvolvimento, não passavam de ilusão de ótica. Não existem movimentos, disse o tempo, e por isso não existe vida. Como não!?, questionou o vento, já que minha existência depende exclusivamente dele. Você não tem existência independente, e por isso mesmo não pode se sentar aqui. Levante-se e saia. O vento saiu soprando sem nem conseguir mais fazer uma folha vibrar. Sua consciência de não existir, extinguiu sua existência, imediatamente.
A mulher transformou-se num rato e a partir de então sua concentração voltou-se para fugir de gatos. Não mais existia vontade de se maquiar, pentear-se ou usar saia curta. Vivia assombrada, dia e noite, dedicando-se a se esconder dos predadores. Seu pensamento mudou no momento em que mudou seu formato, e assim reforçou a teoria de que o pensamento muda de acordo com a aparência de quem está pensando; o pensamento da minhoca é outro em comparação com o do peixe, e assim vai. Por isso que existem poetas, matemáticos, artistas e ditadores, disse o tempo fazendo todos os seres pensarem que estavam ouvindo algo absurdo, e por serem diferentes, preferiram ficar calados para não dar a impressão de não estar entendendo e passarem por idiotas.
A mulher agora estava água. Não existia mais medo nem de se evaporar. Sua felicidade nunca havia alcançado tamanha grandeza nem quando retirou um sinal da cara que a enfeiava. Estava feliz e completa como água, e por isso acordou. Viu, de imediato, a reversão do big bang.
Essa reversão foi acontecendo em câmera lenta. Viu as paredes da casa encolhendo entrando umas dentro das outras. Seu braço entrou, suas pernas também e foi subindo subindo...sua boca, nariz... quando os olhos estavam entrando, ela acordou novamente.
Agora estava dentro do núcleo do átomo. Viu o núcleo sendo sugado por outros átomos, e estes por outros acompanhados por despertares de sonos intermináveis fazendo-a perceber, no seu estágio de pequena mente alienada, que a vida é um sonho com mortes incluídas.
No mesmo instante, o tempo chegou, com sua infinita sabedoria, explicando que o estágio natural é a morte, e que ela fica sendo atacada por vidas torturadas pelo sensível. Explicou ainda que no mundo dos mortos, há tensão quando alguém está prestes a “ganhar o que chamam de vida.”
Ao contrário da vida sendo morta, no “estágio mortificado,” antes de ir para a vida, o ser passa a se movimentar e todos começam a cuidar para que a passagem seja feita sem traumas. A família do morto fica triste porque o ser vai sofrer no novo formato humano. Como está fulano?, perguntam os outros mortos. Ganhou vida. Ah, coitado! Que o tempo tenha piedade do seu corpo, comentam eles com ar tristonho e esperançosos do rápido regresso.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 16.05.2023 - 09h13min.
"Escuta o teu coração!", conselho que deve ser seguido por todos que desejam escrever bons textos. - Gilberto Cardoso
ResponderExcluirVamos tentando acertar. Amanhã tem mais, ou não. A porta produtora tem vontade própria e se ela se abrir, mando outro. Obrigado, Gilberto! Tentei escutar ao máximo meu coração nesse também. No início, nem sabia em que ia dar. Fui arrumando as palavras e de repente o tempo me deu tempo para mexer com ele. Às vezes, é bom quebrar os paradigmas...
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