quarta-feira, 17 de maio de 2023

CARAPUÇA

 


CARAPUÇA 


O "filho da ignorância" esqueceu o artigo "o" em uma frase simples, besta, fácil de se saber e ainda quer posar de escritor, de sabichão. Fiquei olhando o erro e deixei passar, mas antes fiz uma alusão sutil ao erro para que saiba que por mais que crie algo, ainda deve ficar submisso a mim. Ah, isso sim! Tenho o poder de publicar seus deslizes ou não, mas prefiro deixar que fiquem, afinal nada melhor do que desmascará-lo. 

Meu sorriso, nessa hora, veio entre os dentes igual ao do Cão Rabugento ajudante de Dick Vigarista: "he he he," afinal tenho especialização, mestrado, doutorado, pós nos pós, menos no vocábulo humildade. Minha formação impede-me de ser humilde em todas as circunstâncias, mas fico posando de "santo" para que as pessoas não percebam meu ódio em "fazer esteira" para outros se deitarem em "berço explêndido."

É difícil manter-me na linha da humildade se minha essência é orgulhosa. Qualquer dia desses, tinha que estourar, por mais que eu disfarçasse em forma de elogios e aplausos pelo que os outros produzem. Não dava para me manter apenas como coadjuvante, pois meus cursos e leituras impedem-me de ser mais contemplativo do que sou. Estudei para me destacar entre os demais, e não posso ficar só assistindo alguém se sentir bem pelo produto das minhas intervenções sem que eu leve os louros, também.

Essa questão de alfinetar os colegas é a maneira que encontrei de demarcar território. Preciso disso para que meu ego, misturado com o instinto de soberba vingativa, possa permanecer em busca de mais aperfeiçoamento, senão não vale a pena correr atrás. 

Estou seguindo o mesmo modus operandi de todos meus colegas que já criaram "jornalzinhos" para se destacarem. Eu já soube que um deles ficava recolhendo "opiniões provocadas" dos leitores e depois repassava para o autor se manifestar. Ele ficava “botando pilha” para que os dois se digladiassem sem que ele próprio fosse desmascarado. É uma boa estratégia, assim posso usá-la também além de ficar confortavelmente vendo as piranhas destruírem o boi de piranha enquanto a boiada passa. 

Dois "monstros" da música popular brasileira já fizeram isso: usaram a arte para provocar um ao outro. Aquela canção dizendo que cerca velha precisa de estaca nova é um bom exemplo. Os dois eram amantes, e ao se separarem começaram a mandar recados através das suas criações, aparentemente, sem endereço pré-pensado. Parece que faz parte da digital humana ter esse proceder, e, como estou enquadrado como humano, nada mais lógico do que fazer uso da minha mesquinhez para me sentir dentro desse parâmetro. 

Viva a mesquinhez do poder!, seja do conhecimento ou administrativo. Viva qualquer poder!, razão maior da nossa existência. Não posso deixar de fazer uso dele como fez um líder político depois que saiu da prisão: chamou seu carcereiro para uma refeição pomposa. Usar o poder para fazer fita de grandeza espiritual também é a marca de poucos que está se tornando de muitos, pois o resultado é imediato. 

Preciso estar no meio dos que fazem isso para que os demais acreditem na minha bondade. Quase todo mundo quer ser bom, jovem, bonito, inteligente e rico. Eu corro atrás desse conceito de bondade que precisa da opinião da plateia para que seja incorporado à minha personalidade. Se aqui e acolá não consigo segurar minha malícia, tenho que usar de muita sutileza para que a mensagem chegue clara e somente a um único endereço, porém está difícil de ser acima da média. 

Todos já adquiriram o poder de discernimento e a capacidade de enxergar nas entrelinhas, e minhas formas de críticas estão ficando ultrapassadas. Ou eu me calo, ou terei que utilizar parábolas, vídeos emprestados, publicações de autores diversos para mandar minhas mensagens dissimuladas. Vou fazer igual ao agredido que não tendo coragem para enfrentar seu rival, fica escrevendo o nome dele num papel e tocando fogo à meia-noite de uma sexta-feira treze com o objetivo de matá-lo. Mas sutil do que isso, impossível. 



Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 17.05.2023 - 07h29min.



2 comentários:

  1. Linguagem carregada de ironia e sarcasmo. O conto nos convida a refletir sobre nossas próprias motivações e a maneira como buscamos nos destacar em meio aos outros. – Gilberto Cardoso dos Santos

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