QUADRAS
E QUADRINHAS
Diogenes da Cunha Lima
A quadrinha tem a fisionomia poética
da gente portuguesa. De usança medieval, esse tipo de poema, em redondilha
maior, aportou com gosto no Brasil.
O escritor moçambicano Mia Couto diz que a poesia não
é um gênero musical, é, sim, uma língua anterior. Esse conceito tem algum
fundamento. De fato, a poesia funciona através dos seus códigos, serve a eleitos,
àqueles que sentem e dão valor às emotivas imagens acústicas e visuais. Não é
fácil a construção do poema perfeito. O poeta busca a expressão inaugural, o
seu “Fiat Lux”, a iluminação em palavras.
Encantei-me com quadras e quadrinhas de tal modo que
sei de cor (coração em latim) algumas.
A quadrinha pode conter visão filosófica, satírica, de
nonsense, sentimental. O acadêmico Luis Rabelo faz pensar com a trova: “O
mártir da Galileia/esta verdade traduz:/não morre nunca uma ideia/mesmo pregada
na cruz.
Conta-se que o poeta Gregório de Matos (1636 - 1696)
gostava de quadras e de quintilhas. Como advogado, teve petição indeferida por
juiz paulista. É que o tratamento dado não foi o tradicional vossa
excelência, mas vós. O poeta refez a petição à sua excelência, acrescentando
um P.S.: “Se tratam a Deus por tu, /e chamam a El-Rei de vós, /como chamaremos
nós/ao juiz de Igaraçu? /Tu, e vós, e vós e tu”.
O desembargador Wilson Dantas, homem atlético e
ríspido nos embates jurídicos, versejava com ternura: “Céu com três letras se
escreve/mãe também se escreve assim/e neste nome tão breve/existe um céu para
mim. ”
Em Portugal faz sorrir os versos de pé quebrado. O
invejoso da glória de Luiz de Camões, ressaltou-lhe um defeito físico: “Ele diz
que vê mais do que nós / e tem razão desta vez/ele vê em cada um de nós dois
olhos/e nós só lhe vemos um...”.
É secularmente repetida esta quadrinha de nonsense
lisboeta: “Eu cantando estou calada, /chorando me estou a rir/andando fico
parada, /desperta estou a dormir.
Um repentista nordestino comentando a situação de
sua “patroa” exigente e caprichosa: “A mulé do meu patrão/tá pra morrê de uma
dô/porque não fez um vestido/da fumaça do vapô”.
Também satírica é a admiração de Millôr Fernandes:
“Mestre, respeito o Senhor, mas, não a sua Obra/que paraíso é esse que tem
cobra?
Às vezes, a quadrinha tem um mote repetido para
provocar a glosa de um trovador. Um exemplo: “Não há machado que corte/a raiz
do pensamento”.
A quadrinha é tão do nosso gosto, como a quintilha
(cinco versos) tem preferência hispânica, o haicai (tercetos) no Japão e o
soneto (catorze versos) na Itália.
A quadrinha faz pensar, sorrir e apascenta. E é
jeito brasileiro de amar poesia.
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