segunda-feira, 19 de julho de 2021

PATRONO VIVO: SER OU NÃO, EIS A QUESTÃO - Gilberto Cardoso dos Santos



PATRONO VIVO: SER OU NÃO, EIS A QUESTÃO 

(Gilberto Cardoso dos Santos)


Ser patrono duma academia literária é um privilégio concedido a pouquíssimos, motivo de grande orgulho para os familiares e admiradores do escolhido. Patrono e vivo, privilégio mais raro ainda e significativo, pois o escolhido tem a chance de participar da festa. 

Quando Lindonete fez-me a proposta de tornar-me seu patrono, fiquei sem saber o que responder-lhe, pois até então não cogitara essa possibilidade. Minha primeira reação foi a de consultar alguns amigos escritores. Setenta e cinco por cento dos quatro consultados disseram-me que eu não rejeitasse o convite. Um deles, maranhense, a quem chamo de Anjoel, disse: "Esse negócio de só fazer homenagem póstuma está ultrapassado. Aceite, sem modéstia!". 

Nando falou-me: "Aceite. Não deixa de ser um reconhecimento. O importante é que foi em vida."

O que discordou achou temerária a honraria; argumentou que o mais sensato era morrer primeiro para poder ser patrono, pois quem garantirá que eu não farei alguma besteira nos anos que me restam, algo que venha a desabonar minha indicação? "A não ser", acrescentou, "que a pessoa que o escolheu o conheça bem e tenha muita confiança em sua pessoa". 

Num átimo de segundo pensei em satisfazer a gregos e troianos, até por causa da pandemia e das circunstâncias políticas. Tudo pela fama. Refleti no que disse Rousseau: 

"O homem que mais vive não é aquele que conta maior número de anos e sim o que mais sente a vida. Há quem seja enterrado a cem anos e que já morrera ao nascer. Teria ganho em ir para o túmulo na mocidade, se ao menos tivesse vivido até então" 

Ora, raciocinei, já garanti minha imortalidade na ANLiC (Academia Norte-rio-grandense de Literatura de Cordel) e agora, sendo patrono doutra academia, o que mais posso esperar da vida? 

Desisti da ideia.

Achei fortes as razões apresentadas pelo amigo poeta, liricamente tão doce, mas duro comigo nessa questão. Todavia, um dos poucos anjos que se acampam ao meu redor - provavelmente o da vaidade - chamou minha atenção para o fato de que alguns escritores vivos emprestam seus nomes a bibliotecas e outras instituições, como é o caso do vate José de Castro, da poeta Roseana Murray, de Drika Duarte, Manoel Cavalcante e tantos outros. "Quem garante" - argumentou enquanto agitava as asas - "que não cometerão algum deslize e se farão indignos da honraria recebida?!". 

"E tem mais", acrescentou", "Veja isso como um estímulo a manter o trem da vida na linha da ética e do bom senso."

Ante meu silêncio, posicionou-se como quem alçaria voo, mas voltou para acrescentar:

"Seu amigo fez algo bastante comum nesse meio: confusão entre autor e eu lírico. Veja a vida de seus escritores preferidos. Qual deles teve uma existência perfeita? Pense por um instante na vida que teve Edgar Allan Poe; lembre-se de Charles Bukowski. Drummond! Pense em Drummond, que aparentemente não fedia nem cheirava, cuja vida secreta se enquadra perfeitamente na música Mineirinho, de Alexandre Pires."

Convencidíssimo, e já com medo de ficar esquizofrênico, monologuei: "De fato: a morte não deve ser fator determinante para que alguém se torne patrono, tampouco a vida pessoal. Leve-se em conta a relevância no campo literário, no  incentivo ou na produção cultural."

Quis saber mais sobre a academia, depois comuniquei à proponente a aceitação, acrescentando que se sentisse à vontade para desistir da ideia. Disse-me ela:

"Muitíssimo grata, mestre. Jamais desistirei. Percebi que a maioria das pessoas que fazem parte dessa Academia tem patronos próximos, incentivadores, ativistas culturais. E pra mim, faz muito mais sentido ter você como patrono por tudo que tem sido." 

Portanto, eis-me aqui: patrono vivo, detentor de uma honraria que não foi concedida nem a Machado de Assis.  "Um dia estarei mudo e mais nada", diz-me Cecília Meireles. É bom poder, antes disso, dirigir palavras de gratidão a quem me escolheu.

(Trata-se da psicóloga e autora de Centelhas Poéticas, livro por mim prefaciado e corrigido, detentora de um prêmio nacional de poesia. O cargo em si é uma grande honra; ser ela a propositora, mais um motivo de regozijo).

Decerto o assunto continuará a gerar polêmicas. Trata-se de uma quebra de paradigmas e estes costumam demorar a virar senso comum. 

Um dia estarei morto, e o problema será resolvido. 


Santa Cruz, 18.07.2021

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Adquira os livros "Fábulas e Contos em Cordel" e "Um Maço de Cordéis - Lições de Gente e de bichos", da autoria de Gilberto Cardoso dos Santos. Contatos: Fone/Zap 84 99901-7248










 

8 comentários:

  1. Caro Gilberto, enquanto psicóloga e amiga confesso que, inicialmente, fiquei preocupada e constrangida com as suas dúvidas em relação a aceitação do convite para ser meu Patrono vivo (rsrsrs) na AIAP, inclusive referi que caso não aceitasse eu compreenderia demais. Por outro lado, suas consultas com outros escritores demonstraram compromisso e ética com sua atuação na literatura e me fez bem. Compactuo e aplaudo o seu amigo Anjoel quando diz: “esse negócio de só fazer homenagem póstuma está ultrapassado”. Atualmente existem muitas Academias comprometidas com a arte e a cultura à distância, assim como há tantas universidades espalhadas mundo afora. Mais do que na hora de romper com o academicismo e culturas elitistas. É realmente uma quebra de paradigmas em inúmeros aspectos, ponto positivo que une culturas e povos. É algo que circula tão livre, leve, e tão natural como as ondas no balanço do mar. Particularmente, acho extremamente valioso se fazer elogios, demonstrar reconhecimentos a toda pessoa e em qualquer ocasião em vida. Sempre questionei determinadas atitudes de valorização somente após a morte.
    Albert Einstein já dizia que “a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”. Estamos vivendo novos tempos onde a consciência humana está se expandindo de forma rápida, espetacular, e muitas padronizações já não fazem sentido para a humanidade.
    “Já com medo de ficar esquizofrênico...” Que bom que conseguiu manter a estabilidade emocional (rsrs) e enxergar a relevância literária que possui enquanto escritor e ativista cultural: isso basta para ser e tomar a decisão que quiser. Sobre o campo pessoal, não existe perfeição, há evolução, e muitos dos famosos escritores, com todo respeito, viveram também os chamados perrengues em suas vidas. Portanto, brindemos à vida, carpe diem!
    Parabéns pelo excelente texto, por seus questionamentos e pela coragem de ultrapassar conhecimentos sempre refutáveis. Quanto a mim, só tenho gratidão, reconhecimento pelo seu excelentíssimo trabalho em prol da cultura e por ter me acolhido nesse meio que não é de fato minha área, mas que amo com toda força e leveza de minha alma.
    Desculpa pela berlinda que te coloquei no melhor sentido da palavra. Sinto que não foi fácil, mas como citava Sigmund Freud, “podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio”. Ter escolhido você nessa missão foi uma verdadeira homenagem, mas finalmente você a recebeu e é mais uma que faz jus.
    Eis que iniciamos um bom debate e nova situação no seio da APOESC!

    Um abraço cordial, poético e fraterno! Lindonete Araújo.

    ResponderExcluir
  2. Gratíssimo, Lindonete, pelo generoso comentário, tão bem escrito. Mais um motivo para agradecer-lhe pela honra concedida! - Gilberto Cardoso

    ResponderExcluir
  3. Parabéns aos dois, Lindonete e Gilberto. Gostei do "Anjo da vaidade". Boa Sacada! Nesse caso acredito que todos estamos contentes, com nossos anjos pulando de alegria.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito grato, Heraldo, por seu comentário. - Gilberto Cardoso

      Excluir
  4. Que bom que você aceitou, Gilberto!! Parabéns pra você e que essa conquista, juntamente à louvável iniciativa de Lindonete, nos ajude a pensar e acolher melhor esse presente divino que é o tempo - "um senhor tão distinto, compositor de destinos, tambor de todos os ritmos"...
    O tempo NÃO para!!

    ResponderExcluir
  5. De: Francisco Seráphico (Chicao)/Santa Luzia/PB

    Achei interessante o assunto patrono vivo: ser ou não, eis questão.
    O grande pensador Sartre recomendava "desconfiar de nossas certezas, questioná-las, antes de chegar a uma conclusão.
    Tanto o patrono Gilberto Cardoso dos Santos, e a poetisa Lindonete Araújo que o convidou, pensaram, questionaram e chegaram a conclusão inteligente.
    Os argumentos apresentados foram convincentes e plantaram um novo marco, uma inovação, com relação ao patrono. Como diz a poetisa Lindonete, "mais do que na hora de romper com o academicismo e culturas elitistas".
    O patrono Gilberto corretamente afirma que "...a morte não deve ser fator determinante para que alguém se torne patrono...".
    Cabe aqui citar a sentença do grande homem público e da cultura paraibana, ministro, governador José Américo: "tudo que se faz é loucura até ser feito".
    Vocês estão de parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigado, Chicão, por seu bem escrito, inteligente e generoso comentário! - Gilberto Cardoso dos Santos

      Excluir

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”