domingo, 21 de março de 2021

DESILUSÃO - Poeta Daxinha

 


DESILUSÃO



I

Agora é que estou vendo

Como tenho agido errado

Desde que abandonei

O lugar que fui criado

Até hoje eu não combino

É culpar só o destino

Tem mais cúmplice do seu lado.

II

Encontrei outros suspeitos

Com minha investigação

A cabeça é uma delas

O outro é o coração

Tenho provas incontestáveis

Os três são os responsáveis

Por esta situação.

III

Foram vocês que aceitaram

Que eu deixasse o aconchego

Abandonasse a família

O lazer e o sossego

No auge da mocidade

Pra ir pra outra cidade

Atrás de diabo de emprego!

IV

Era pra eu estar aqui

Lutando como lutava

Comendo feijão macassa

E mocotó de boi com fava

Pra quê eu fui entrar nessa?

Uma tabocada dessa

Há tempos eu não levava!

V

Tudo o que o destino apronta

Tu, cabeça tonta, aceita

E tu, coração de pedra,

Não discorda nem rejeita

A culpa cai sobre os três

E cada um de vocês

Tem atitude suspeita.

VI

Iludiram um pobre moço

E o levaram embora

Judiaram do coitado

Vinte anos lá por fora

Ninguém mais conhece ele

Que diferença daquele

Pra porcaria de agora.

VII

Olhe aí, cabeça tonta,

Nem de longe se parece

Levastes um caboclo forte

Quando é agora aparece

Com este velho cansado

Visivelmente esgotado

Freguês do INPS.

VIII

Levaram um moço saudável

Tão corajoso e disposto

Trouxeram um velho cansado

Cheio de pregas no rosto

Que traz no olhar tristonho

A desilusão de um sonho

Que transformou-se em desgosto.

IX

Neste corpo ainda existe

As marcas da mocidade

Onde um passado brilhante

Foi reduzido à metade

Vítima desta malvadeza

O que plantou foi tristeza

E vive de colher saudade.

X

Não culpo só o destino

Por tudo que ele fez

Cabeça e coração

Culpados foram vocês

Se vier algum castigo

E me perguntarem eu digo

Tem que dividir com os três.

XI

Agora cheguem-se pra ele

Ponham os joelhos no chão

Como reconhecimento

Implorem, peçam perdão,

Provando assim que erraram

Iludiram e estragaram

A vida do cidadão.

XII

Quando a cabeça não pensa

O coração vira ingrato

O destino leva a culpa

De cumprir-se naquele ato

No meu caso, foram vocês,

Por isso eu acho que os três

Precisam pagar o pato.

XIII

Quando novo, a gente pensa

Que nunca, nunca envelhece

Que as forças não diminuem

Que o corpo nunca adoece

Que o coração nunca falha

Mas, por trás desta muralha,

Nem sabe o que acontece.

XIV

Esta é a diferença

Que na vida a gente alcança

Quando a pessoa é jovem

Pensa que aquela sustança

Jamais desaparecerá

E nem que um dia chegará

Essa terrível mudança.

XV

Que os três são responsáveis

Por parte do grande estresse

Cabeça e coração

E o destino acontece

Que esta grande diferença

Velhice, ruga e doença

Quando esse trio não pensa

Aí o corpo padece.


Autor: JOSELITO FONSECA DE MACEDO, o popularíssimo DAXINHA.

17/02/1998.


JOSELITO FONSECA DE MACEDO, mais conhecido como poeta Daxinha, nasceu em Cuité/PB, em 14/08/1938. Filho de José Adelino de Macedo e Maria Marieta da Fonseca, nasceu na zona rural de Cuité, mais precisamente no Sítio Boa Vista do Cais, popularmente conhecido como Sítio Pelado. Aos 20 anos, viajou para os estados de Minas Gerais e Goiás, onde trabalhou como agricultor e vaqueiro. Mas foi no estado de São Paulo que se fixou, trabalhando como metalúrgico nas principais usinas siderúrgicas da região do ABC paulista. Retorna à Paraíba em 1985, retomando suas funções de agricultor. Sempre gostou de poesia, sobretudo, do gênero cordel no qual, ainda menino, já escrevia seus primeiros versos. O retorno a Cuité aproximou-o ainda mais de suas raízes, fazendo-o mergulhar com mais fervor no mundo da poesia. Sempre convidado a se apresentar em eventos culturais da cidade, seus versos focavam, principalmente, no cotidiano das pessoas simples – como ele mesmo o era. Tem como obras publicadas um CD de poesias intitulado: “Poeta Daxinha – Um Amante da Poesia”, o cordel “O batente de pau do casarão” e uma participação póstuma no livro “APOESC em Prosa e Verso”, do também poeta Gilberto Cardoso dos Santos. Casado, pai, avô e bisavô, o poeta Daxinha faleceu em 04/05/2016, em Campina Grande/PB, vítima de insuficiência cardiorrespiratória. (Jaci Azevedo, filha)

 


2 comentários:

  1. Maravilhoso!!
    Só gratidão, Gilberto Cardoso dos Santos!!

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  2. Muito bem elaborada a poesia Desilusão.
    O Brasil perdeu um excekente poeta.

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