TUDO É
NOVO PARA O NOVO
Nasci ontem. Encontrei neste novo hábitat gigantes ao
meu redor. Olhei para eles... eles olharam para mim. Uma das gigantes me fez
chorar. Percebi logo que seria assassinado com o passar do tempo. Fiz
rapidamente os cálculos: no primeiro minuto um tapa na bunda. Se as agressões
se intensificassem em progressão aritmética estaria eu esfaqueado antes de dez
minutos. A sorte é que meu destino foi mudado. Jogaram-me de encontro a uma
montanha onde consegui sugar um líquido gostoso. Fiquei fã daquela gigante.
Quando uma montanha estava quase secando, transferiam-me para outra. Fiquei
confortável.
Um outro gigante me pegou e quase estoura meus ouvidos
com um amplificador gritando: papai está aqui. Papai está aqui. Eu já ouvi. Dá
para parar de repetir. Fiquei atordoado com tantas palavras sem nexo, tipo: é a
cara do pai! Não, é do avô! O nariz é do tio. Eu parecia com muita gente, menos
comigo mesmo.
De repente um relâmpago quase me cega. Mais outro e
mais vários. Fechei os olhos. Ouvi mais uma série de estrondos: vamos colocar
essa foto no face. Ficou boa. Eu não
sabia o que havia ficado boa, só sei que eu fiquei mal. Saí de mão em mão
durante um bom tempo. Já estava estressado. Chorei.
Abandonaram-me em um local cheio de lençóis. Aprendi
que o choro era minha arma. Bastava abrir o berreiro que a situação mudava. Fui
aprendendo rápido. Deu uma vontade na barriga de jogar algo fora. Para não
ficar molhado sem que ninguém percebesse, chorei novamente. Quando a gigante da
montanha me levantou, chiringuei na cara dela só por sacanagem.
Com uma hora depois de ter chegado, aprendi que cadeira é uma
coisa que faz os gigantes se curvarem sobre elas. De costas. Ficam um bom tempo
lá. Não descobri ainda o que fazem naquela posição. Mas acredito que é para
diminuírem de tamanho. São muito desnivelados. Quando utilizam a cadeira ficam
nivelados. Acho que é para isso.
Senti novamente, depois de um certo tempo, um
desconforto. Escutei alguém falar. É fome. Ah! Então é o nome disso, pensei.
Quando me dei conta estava com as montanhas novamente na cara. Escutei o
gigante que gritava “papai está aqui” dizendo. Ele adora peito. Fiquei
procurando quem era o “ele”, que o gritador tanto falava. Descobri que o “ele”
era eu, e que peito era o nome daquelas montanhas na minha boca. Que mundo
doido esses dos gigantes.
Trouxeram uns gigantinhos menores. Um deles bateu em
mim. Disseram: é ciúme! Pensei: quando
eu crescer vou descontar esse tapa. Esse filho de montanha não sabe com quem
está mexendo. Bota ele para dormir. Já havia aprendido que ele era eu, mas
dormir nem sabia do que se tratava. Fui de volta para os lençóis. Fiquei
atento. Qualquer descuido poderia levar tapas.
Um rato. Soube depois o nome daquilo. Vinha em minha
direção. Era um monstro menor do que os gigantes, mas parecia que queria também
me dar tapas, acho. Não esperei. Usei minha arma secreta. A gigante da montanha
deu tapas no rato. Fiquei salvo, por enquanto. Na penumbra, escutei a gigante
roncar. Vieram outras gigantes e me levaram. Depois de um dia raptado aprendi
vários nomes: polícia, bandido, tiroteio, refém, resgate, salvo... outros sons muito
repetidos é “Papai te ama”... estes eu não aguento mais ouvi-los.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Santa Cruz/RN, 31/12/2020 12:53
84-99973-4114
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”