A
VOZ DO SILÊNCIO
Diogenes da Cunha Lima
O
silêncio fala. Forma contrato, comunica e decide. É direito de todo acusado permanecer
silente.
O silêncio é ainda poderoso auxiliar da música. Georges Braque
(1882-1963) faz sutil e inteligente observação: “O vaso dá uma forma ao vazio,
a música dá ao silêncio”. Dos efeitos sonoros, a música é o mais agradável; com
o ruído invasivo é incômodo.
Um silencioso aperto de mão pode estabelecer o fechamento de
um contrato, desde que obedeça às circunstâncias. O uso ou o costume
garante-lhe o efeito jurídico. Não é omissão das partes, mas, sim, o que se
costuma chamar de silêncio ativo. O provérbio popular seria verdadeiro se
dissesse: “Quem cala nem sempre consente”.
O Código Civil brasileiro orienta a interpretação: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os
usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa” (artigo
111).
Como a gente cansa de ver nos filmes e seriados
norte-americanos, o réu pode ficar calado. No Brasil, o preceito é superior,
elevado à norma constitucional. Ninguém é obrigado a se autoincriminar.
Na vida
como nas flores, o silêncio pode exalar boa tranquilidade. A canção diz que as
rosas não falam...
No
silêncio dos livros estão as maiores verdades, fantasias, quase toda riqueza do
conhecimento humano e suas imaginações. Nos últimos tempos, a internet e os
audiolivros transmitem a informação pedida.
A própria vida começa com o grito dos bebês, já
desprotegidos do ventre materno, e termina com o silêncio da morte. Os
epitáfios registram pensamentos atribuídos ao morto vindo do além.
O reitor
Mário Moacyr Porto foi avisado pelo irmão que a Reitoria da UFPB estava cercada
por baionetas caladas por ordem do regime militar. O reitor não perdeu o seu
natural bom humor: “Caladas coisa nenhuma! Eloquentíssimas, eloquentíssimas”.
Também
da Paraíba tem a história da Câmara Municipal de Cuité. O presidente Manoel
Felipe comunica o assassinato de John Kennedy: “o maior de todos os presidentes,
da maior nação do universo”. Comandou: “Todos de pé, faremos uma hora de
silêncio”. De nada adiantou o protesto do vereador que pedia apenas um minuto
de silêncio.
As
cartas silenciosas, que tiveram importância fundamental na comunicação entre as
pessoas durante séculos, praticamente desapareceram, ou se refugiam pela mão de
poucos passadistas. Foram substituídas por e-mails e outras formas de
comunicação e estratégias digitais.
É
mais difícil ouvir os outros, sábios ou medíocres. Ouvir o silêncio de sua
alma, que muitas vezes pode se confundir com o silêncio de Deus.
Já
pensou na surdez de Beethoven, apenas imaginando suas sinfonias?
Somente
Shakespeare pode abarcar todo o final dessa voz, através de Hamlet. O resto
é silêncio.
Diógenes da Cunha Lima (poeta, prosador e compositor) é advogado e presidente da ANL (Academia Norte-rio-grandense de Letras). Alguns de seus livros: “Câmara Cascudo - Um Brasileiro Feliz”, “Instrumento Dúctil”, “Corpo Breve”, “Os Pássaros da Memória”; “Livro das Respostas” (em face do “Libro de las preguntas”, de Pablo Neruda); “A Memória das Cores”; “Memória das Águas”; “O Magnífico”; “A Avó e o Disco Voador” (infantil).
Foi Presidente da FJA, Secretário de Estado; Consultor Geral do Estado; Reitor da UFRN; Presidente do CRUB. Atualmente, dirige o seu Escritório de Advocacia e preside a ANL (Academia de Letras). Alguns de seus livros: “Câmara Cascudo - Um Brasileiro Feliz”, “Instrumento Dúctil”, “Corpo Breve”, “Os Pássaros da Memória”; “Livro das Respostas” (em face do “Libro de las preguntas”, de Pablo Neruda); “A Memória das Cores”; “Memória das Águas”; “O Magnífico”; “A Avó e o Disco Voador” (infantil).
Texto ótimo. Parabéns.
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