segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A VOZ DO SILÊNCIO (Diogenes da Cunha Lima)

 


A VOZ DO SILÊNCIO

Diogenes da Cunha Lima

      

O silêncio fala. Forma contrato, comunica e decide. É direito de todo acusado permanecer silente.

         O silêncio é ainda poderoso auxiliar da música. Georges Braque (1882-1963) faz sutil e inteligente observação: “O vaso dá uma forma ao vazio, a música dá ao silêncio”. Dos efeitos sonoros, a música é o mais agradável; com o ruído invasivo é incômodo.

         Um silencioso aperto de mão pode estabelecer o fechamento de um contrato, desde que obedeça às circunstâncias. O uso ou o costume garante-lhe o efeito jurídico. Não é omissão das partes, mas, sim, o que se costuma chamar de silêncio ativo. O provérbio popular seria verdadeiro se dissesse: “Quem cala nem sempre consente”.

         O Código Civil brasileiro orienta a interpretação: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa” (artigo 111).

         Como a gente cansa de ver nos filmes e seriados norte-americanos, o réu pode ficar calado. No Brasil, o preceito é superior, elevado à norma constitucional. Ninguém é obrigado a se autoincriminar.

Na vida como nas flores, o silêncio pode exalar boa tranquilidade. A canção diz que as rosas não falam...

No silêncio dos livros estão as maiores verdades, fantasias, quase toda riqueza do conhecimento humano e suas imaginações. Nos últimos tempos, a internet e os audiolivros transmitem a informação pedida.

         A própria vida começa com o grito dos bebês, já desprotegidos do ventre materno, e termina com o silêncio da morte. Os epitáfios registram pensamentos atribuídos ao morto vindo do além.

O reitor Mário Moacyr Porto foi avisado pelo irmão que a Reitoria da UFPB estava cercada por baionetas caladas por ordem do regime militar. O reitor não perdeu o seu natural bom humor: “Caladas coisa nenhuma! Eloquentíssimas, eloquentíssimas”.

Também da Paraíba tem a história da Câmara Municipal de Cuité. O presidente Manoel Felipe comunica o assassinato de John Kennedy: “o maior de todos os presidentes, da maior nação do universo”. Comandou: “Todos de pé, faremos uma hora de silêncio”. De nada adiantou o protesto do vereador que pedia apenas um minuto de silêncio.

As cartas silenciosas, que tiveram importância fundamental na comunicação entre as pessoas durante séculos, praticamente desapareceram, ou se refugiam pela mão de poucos passadistas. Foram substituídas por e-mails e outras formas de comunicação e estratégias digitais.

É mais difícil ouvir os outros, sábios ou medíocres. Ouvir o silêncio de sua alma, que muitas vezes pode se confundir com o silêncio de Deus.

Já pensou na surdez de Beethoven, apenas imaginando suas sinfonias?

Somente Shakespeare pode abarcar todo o final dessa voz, através de Hamlet. O resto é silêncio.

  


Diógenes da Cunha Lima (poeta, prosador e compositor) é advogado e presidente da ANL (Academia Norte-rio-grandense de Letras). Alguns de seus livros: “Câmara Cascudo - Um Brasileiro Feliz”, “Instrumento Dúctil”, “Corpo Breve”, “Os Pássaros da Memória”; “Livro das Respostas” (em face do “Libro de las preguntas”, de Pablo Neruda); “A Memória das Cores”; “Memória das Águas”; “O Magnífico”; “A Avó e o Disco Voador” (infantil). 

Foi Presidente da FJA, Secretário de Estado; Consultor Geral do Estado; Reitor da UFRN; Presidente do CRUB. Atualmente, dirige o seu Escritório de Advocacia e preside a ANL (Academia de Letras). Alguns de seus livros: “Câmara Cascudo - Um Brasileiro Feliz”, “Instrumento Dúctil”, “Corpo Breve”, “Os Pássaros da Memória”; “Livro das Respostas” (em face do “Libro de las preguntas”, de Pablo Neruda); “A Memória das Cores”; “Memória das Águas”; “O Magnífico”; “A Avó e o Disco Voador” (infantil).

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