quinta-feira, 14 de setembro de 2023

SELVAGERIA

 


SELVAGERIA


Você tem o mesmo costume dele de ficar com a caneta girando entre os dedos, disse o rapaz do bar-restaurante em que o pai dela lanchou pela última vez. A filha estava refazendo o roteiro que ficara registrado nas câmeras. No dia que aconteceu a tragédia, eu expulsei alguns mendigos que estavam a perturbá-lo. Ele chamou você para tirá-los? Não, eu vi e sabia que ele não gostava de lanchar com alguém perturbando-o. 

No palco, um trio de músicos animava o ambiente. Se você quiser dançar um pouco, pode contar comigo. Ah, faz tempo que não me divirto assim, mas acho que é como andar de bicicleta, aprendeu não se esquece nunca mais. 

Quando o rapaz segurou em sua cintura, ela arrepiou-se. O outro segurança já havia chegado e o casal podia enrolar a noite se divertindo. Dançaram por quase meia hora. No intervalo, ele sugeriu irem dar um passeio no seu 4x4 vermelho. Vamos aonde? Curtir adrenalina pura. Fecharam a conta e saíram pelos fundos. Que pneus enormes! É o ideal para o que eu quero. Se dependesse dela, faziam amor ali mesmo no banco da frente, mas acreditava que ele tinha planos mais interessantes. Hoje eu pego essa danadinha, pensava ele engatando a primeira e arrancando de vez. Aqui é motor turbinado, menina! Saíram em disparada com ela ainda tomando o resto da dose.

Você dirige muito rápido, hein! Ele estava concentrado como se procurasse algo. Naquela noite de ruas desertas, o ideal estava para acontecer. Na avenida principal não podia. O melhor seria virar à direita e entrar nas marginais. Para onde estamos indo? Calma, princesa! Preciso de um estimulante para ficar de bem com você. Mais adiante, subiu a calçada indo de encontro a um adulto de rua. Ele estava dormindo coberto com uma lona suja de vômito. Não acredito que você fez isso. Eu sempre faço. Olhe aqueles ali. Repetiu a manobra. Por isso que seu carro é vermelho. Isso mesmo, para não dar muito na vista que salpicou. E a polícia? Faz vista grossa porque é essa gentalha que assalta durante o dia. Por favor, eu quero descer. Aqui não, né boneca! Vou lhe deixar em um lugar seguro. 

Pararam em um motel. Vamos passar a noite aqui até as coisas esfriarem, e não adianta você dizer que não teve culpa. Estava comigo, então é cúmplice. Por favor, não me fale assim. É a cultura da cidade grande. Eu moro em uma delas, mas lá nós ajudamos as pessoas em situação de risco. Desça, venha! Ela ainda estava chocada, porém subiu os degraus com ele lhe abraçando. Quer tomar banho? É aqui, veja! Água bem quentinha. Ela estava deitada de bruços chorando. Calma minha dengosa, vamos tomar banho. Tirou os sapatos dela, as meias... ela parou de chorar. Ficou esperando... o que não demorou muito. 

Acordaram para continuarem o que haviam parado na noite anterior. O dia todo só foi interrompido quando ele desceu para limpar o sangue do veículo protegido pela garagem do motel. Ela ficou sem forças até para olhar as mensagens. O que está acontecendo? Será que encontrei o companheiro que tanto procurava? Um monstro disfarçado de gente!

Você não vai mais atropelar ninguém não, né? Não, hoje só vou deixar você em casa e voltar para o trabalho, senão serei descoberto.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 14.09.2023 – 08h27mim.



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