segunda-feira, 10 de julho de 2023

VIAJANDO NA INVEROSSIMILHANÇA

 


VIAJANDO NA INVEROSSIMILHANÇA


Tive que conhecer uma nova cidade nesse final de semana. Uma amiga telefonou-me dizendo que estava me esperando. Fui para a capital e de lá aluguei um veículo até aquele interior que ela tanto falava que era diferente dos demais. 

Ao abrir a porta do carro, lá estava ela toda vestida de noiva. Abraçamo-nos e já fomos adentrando ao recinto com todos os convidados esperando-me para o matrimônio. Nem sabia que ia me casar, mas em terra alheia não se pode dizer um não. Que coisa boa é ser recebido por uma noiva sem nem planejar o casamento. Lambeu a aliança que estava apertada para entrar no meu dedo e conseguiu enfiar seu compromisso de dedo adentro. 

Parece que lá as mulheres vivem somente para o casamento. Seis horas se passaram e eu ainda estava na festa apertando mãos de pessoas que se diziam muito satisfeitas por eu ter aceitado aquela quase encalhada. 

Permaneci sendo simpático até dar sono, mas logo tomei um despertador e fiquei em ponto de bala. Poderia ter permitido às amigas dela me abraçarem ainda mais, porém já estava ficando com dor porque toda vez que recebia um abraço havia uma apertada nas partes íntimas que é costume do lugar. 

Já tinha comido de tudo um pouco com cada uma chegando com seu prato e enfiando na minha boca o que queriam, também como costume tradicional. Minha barriga já não cabia mais nada. Vamos levar suas coisas para a parte de cima, ela disse ao se levantar do sofá em que ficamos durante a despedida dos últimos convidados. 

Ao longo da nossa subida, eu ia coçando o dedo porque a aliança já estava incomodando de tão apertada que ficou, porém ela dizia que eu jamais deveria tirá-la, mesmo que perdesse o dedo.  Antes de chegar lá em cima, eu enfiei o dedo na boca e puxei a aliança com os dentes. Ela deu um grito tão alto que se desequilibrou de escada abaixo gemendo e dizendo ai como sou infeliz. Calma meu bem, estou aqui e a aliança já coloquei no dedo mindinho. Tudo bem!, gritou ela lá de baixo desmaiando em seguida. 

A empregada apareceu querendo experimentar um pouco do que sobrou da festa. Não tive como rejeitar seu pedido e a deixei saborear o que tinha na cesta concordando que ela deveria deixar de ser gulosa.

Acabei comendo mais uma vez, e não sei que fome era aquela, e quando estava me preparando para pegar um pedaço de queijo, as duas ficaram se descabelando por causa de uma tapioca recheada que estava em cima do fogão. Minha recém-esposa abriu uma gaveta e se armou com um martelo e tufo na cabeça da gulosa que o sangue escorreu. O sofá ficou todo vermelho e eu fui pra cima, pois não posso ver sangue que fico maluco querendo socorrer quem está ferido. Quanto mais eu pedia para parar com as marteladas, mais sangue escorria e eu mais balançava a empregada de um lado para o outro querendo desviá-la das marteladas. 

Consegui estancar o sangue e subi para estacionar minha bagagem no quarto de cima, e por lá encontrei a irmã dela também armada por estar assistindo pelas câmeras e ter entendido que eu queria machucar sua irmã, agora minha esposa. 

Ela urrava de raiva de forma que as de baixo correram querendo também participar. Fechei a porta com a chave, mas elas arrombaram com uma picareta que encontraram na garagem. Perdi o controle e fui novamente enérgico com todas. Cada vez que eu derrubava uma, a outra se levantava como se fosse de mola. Já ia pra lá de meia-noite quando pude tomar um suco de beterraba para energizar-me. A mais jovem gritava e pulava quando eu a derrubava de escada abaixo, porém logo voltava correndo como se voasse. Parecia assembleia de cangurus com tanta algazarra que faziam. 

Dei uma descansada de quinze minutos enquanto estava tomando banho, e elas ficaram batendo na porta querendo mais. Todos aqueles anos, nós só havíamos trocado mensagens, de forma que eu estava guardando meus ódios para libertar em um casamento qualquer. Era uma vontade tão grande de brigar que meus punhos permaneciam fechados esmurrando até o sabonete.

Ao sair do banho, deparei-me com a casa na maior paz, as três sorridentes e bem arrumadas como se estivessem me esperando para outra cerimônia. Parecia que nunca havia tido desavenças por ali. O fim do mundo se aproxima, e temos que manter a paz, disse a mais jovem.  

Para festejar minha limpeza corporal, ligaram o som e fomos dançar. Elas começaram até bem comportadas, mas depois da segunda música começaram a pular e a gritar que pareciam que estavam possuídas. Uma ficou escanchada nas minhas costas segurando no meu pescoço, a outra no ombro esquerdo e a empregada no ombro direito. Ficamos rodando por um período de três horas. A cada música eu sofria um murro na cabeça, também faz parte do costume coreográfico da região. Não podia me ver livre daquilo facilmente, pois estava como se acorrentado por uma energia que não sei explicar. Do meu corpo escorria tanto suor que fiquei querendo tomar outro banho, dessa vez elas ficaram passando sabonete em mim totalmente modificadas por uma doçura característica de um nu à frente.   

Quando terminaram aquele afago, isso já no outro dia, resolveram me comer assado. Primeiro deram-me uma cacetada com um taco de beisebol, amarram-me e fizeram uma fogueira na área de lazer da mansão. Quando eu estava espetado rodando por cima das brasas, pessoas começaram a chegar animadas com garfo e faca esperando que eu acabasse de ficar torrado para elas me saborearem. 

Fiquei uns quarenta minutos rodando até iniciarem a cortar pedaços da minha barriga, pernas e partes íntimas. Minha noiva mastigava de forma de fazer inveja a todos os presentes. Depois que me comeram todo, passaram a bater nos ossos para tirar o tutano. Do meu fêmur saiu uma baba amarronzada que foi muito disputada. Todos queriam aquele tutano, e ficou decidido que seria de quem melhor manuseasse uma arma branca. 

Fizeram um círculo e começou o torneio. Um homem forte partiu para cima do outro com um espeto que o atravessou ao meio. Enquanto o espeto entrava, o adversário deu uma facãozada que a cabeça caiu rolando. Os demais correram para cima do tutano, e cada um esfaqueava o mais próximo de forma que ficaram todos mortos. Como eu estava nas barrigas de quem tinha me engolido, resolvi sair juntando minhas partes e voltei para contar a história.  


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 10.07.2023 – 16H44min.



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