terça-feira, 25 de abril de 2023

AMIZADE ANIMAL

 


AMIZADE ANIMAL


Nem pinto existe mais aqui perto. No feriado, ouvi um barulho e quando corri o carcará já havia raptado o último exemplar. 

Semana dessas, foi o gato que pegou o canário e poucos dias depois foram os fiscais do IBAMA. Minha sorte é que eu estava de prontidão e soltei todos os passarinhos antes que os “homens da lei” entrassem quebrando as gaiolas. Tive um prejuízo de mais de quinze mil. 

"Esse negócio" de fiscalizar as pessoas por causa dos animais está se tornando um bom negócio. Um dia desses, "abriu concurso" para mais de cem fiscais todos remunerados com meus impostos.

Antigamente havia a feira das aves. A pessoa ia lá e encontrava os meninos oferecendo papa-capim, pintassilgos, graúna... Hoje, somente a galinha pintadinha é que pode ser domesticada.

Só de raiva não quero continuar falando sobre pássaros, prefiro reclamar que não consegui acordar às três da madrugada para me atualizar. Geralmente fico navegando em busca de 'tudo," e só depois é que vou para o “trabalho.” 

Ao chegar lá, puxo conversa sobre o que eles nem imaginam que pesquisei com o intuito de formar o grupo que fica na copa "dando pilha" para que amanhã eu leve mais novidades. Claro que muita coisa eu invento para “tirar de tempo” os questionadores que se esforçam para tomar o título do maior "conversador" da repartição, no entanto a luta continua acirrada. 

Esse meu proceder tem o objetivo de conquistar os chefes para quando eu precisar sair nem seja obrigado a trazer o atestado. Nessas “viagens,” o foco é estudar culturas diversas esforçando-me para memorizar um pouco mais do que via no quadro-negro. 

“Numa dessas incursões,” vi que na Islândia as mulheres tomam a iniciativa de convidar os homens para fazer sexo e que nunca sentem vergonha de se mostrarem nuas, além de censurarem estrangeiros que ficam inibidos nos banhos públicos.  Eu ainda soube que setenta por cento das crianças de lá são filhos de mães solteiras, o famoso filho de rapariga, mas ninguém pode dizer assim porque essa questão sexual está bem resolvida na sociedade islandesa. 

Já na Noruega, quando os nativos de lá estão conversando é costume ficarem em silêncio por um bom tempo como se o outro interlocutor não mais estivesse presente. 

Diferentemente daqui, numa roda de conversa o blá blá brasileiro tem que estar funcionando a todo vapor, inclusive “quem fica com o microfone” quase não respira com medo de perder plateia, vem daí o motivo maior das intrigas com pessoas que se destacam no estilo fanfarrão. Foi o que aconteceu recentemente comigo... Nem vou contar para que a pessoa que me excluiu da sua lista telefônica não perceba que é com ele.  

Outra coisa que procuro só fazer na repartição, é “arriar o barro.” Levando em conta que passo uns quinze minutos na privada, ganho, proporcionalmente, um quarto de hora extra só para defecar. Essa é uma das grandes vantagens de ser servidor público.

...

Dei uma saidinha para o desjejum e já estou de volta. Nem gosto de dizer que cheguei do café da manhã porque no meu desjejum não há café. Existem pessoas que sentem dores de cabeça de origem alimentar, e estou no meio delas. Se eu comer algo mal temperado entro em estágio de "letargia tristonha," e se uma bebida contém cafeína, é enxaqueca na certa.

Dizem que quem vive comendo fora de casa é porque adora jogar conversa fora e aproveita esses momentos para isso. Escutei também que muitas pessoas precisam do ambiente “restaurantizado” para se sentirem vivas, só que isso ultimamente está sendo substituído por vídeos curtos. Gente mostrando todo tipo de conteúdo destrói confraternizações com uma força bem maior do que a TV preto-e-branco "nas antigas."

Na verdade, quem não estiver diariamente nas redes sociais fica superado em termos de conhecimentos gerais. Assisti que além da falta d’água no mundo há também a ameaça de faltar areia. Logo pensei nos desertos com tanta, só que a areia de lá não serve para construções porque os grãos foram polidos pela ação do vento.

Enquanto fico pensando em investir em "sílica," permaneço esperando chegar a hora para começar a fazer barulho. Analiso como é estranha a regra aqui na cidade grande de só poder meter o martelo em alguma coisa depois das oito da manhã, mas tudo bem, quando estou dormindo também gosto que o mundo permaneça em silêncio.  

Para onde a civilização caminhar levará esses costumes agregados, a não ser que vá para o sítio escondido onde eduquei uma lagartixa e um sagui para se tornarem meus amigos. O bom de ter bichos na lista de amizades é que eles não têm o costume de excluir pessoas com apenas um “toque na tela.” 


https://youtu.be/4L0DInKUnzc


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 25.04.2023 – 07h30min.



2 comentários:

  1. "Refratário sou ao café", dizia Rui Barbosa. Você tem esse e outros pontos em comum com ele. Já que falou em pássaros, se ele era o Águia de Haia, você é o Carcará do Seridó.

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  2. Vou deixar João do Vale responder:

    Carcará
    Lá no Sertão
    É um bicho que avoa que nem avião
    É um pássaro malvado
    Tem o bico volteado que nem gavião
    Carcará quando vê roça queimada
    Sai voando e cantando
    Carcará
    Vai fazer sua caçada
    Carcará
    Come inté cobra queimada
    Mas quando chega o tempo da invernada
    No sertão não tem mais roça queimada
    Carcará mesmo assim não passa fome
    Os burrego que nasce na baixada
    Carcará
    Pega, mata e come
    Carcará
    Não vai morrer de fome
    Carcará
    Mais coragem do que homem
    Carcará
    Pega, mata e come
    Carcará é malvado, é valentão
    É a águia de lá do meu sertão
    Os burrego novinho num pode andar
    Ele puxa no imbigo inté matar
    Carcará
    Pega, mata e come
    Carcará
    Não vai morrer de fome
    Carcará
    Mais coragem do que homem
    Carcará
    Pega, mata e come
    Carcará
    Carcará
    Carcará
    Pega, mata e come
    Carcará
    Não vai morrer de fome
    Carcará
    Mais coragem do que homem
    Carcará
    Pega, mata e come

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