terça-feira, 22 de novembro de 2022

A DITA MOLE - Heraldo Lins




A DITA MOLE


Antes de iniciar a leitura do texto, quero primeiro colocar o diálogo que tive com o Gilberto Cardoso dos Santos antes que fosse publicado. Gilberto mostrou o texto a uma pessoa e depois veio conversar comigo:


Amigo, esse ocorrido se deu em 2014. Trata-se de algo convertido em Fake news. Essa senhora tinha problemas mentais, por isto fez isso. https://goias24horas.com.br/42977-deu-g1-mulher-nua-sobe-em-para-choque-de-caminhao-e-para-transito-em-goiania/

Além disso, sem identificá-lo, mostrei a uma mulher para que opinasse a respeito do conteúdo.

 Ela que me alertou sobre ser de 2014 e fez algum comentário... eu também não sabia ser foto requentada... se quiser saber o q ela comentou, lhe mostro.

Pode ser, respondi.

Respire fundo. Tu sabes como é: quem escreve está sujeito ao elogio, à crítica ou à indiferença.

Sem problema...

Gilberto me repassou o que ela escreveu: 

“Nem sei dizer....

O texto é um emaranhado de ideias. Começa com uma defesa escamoteada do movimento negro quando diz "...caminhão branco e a mulher tb".

Vai na contramão quando defende o que a ditadura da moda sempre defendeu que é um corpo perfeito numa mulher perfeita, pois "A mulher não estava lá estas coisas..." e ultrapassa o sinal vermelho quando derrama sua gordofobia em "...com os dois caindo por cima da barriga e estes, por sua vez, derramava-se por cima da "maçã do pecado" e ainda arremata lá na frente com um "...a não ser que a montanha esteja acima do peso,..." isto escrito num contexto bem grotesco. 

E o resto do texto é de vomitar... eu como mulher me sinto afrontada, a todo tempo o texto reduz o trabalho da mulher à cozinha de sua casa, ao papel de mãe e, se trabalhar a de puta. 

E, por fim, a "dita dura"...


Depois que li, apenas mandei aplausos e ele logo me respondeu: "Essa é a atitude que devemos ter. Se a gente for se descabelar, amigo, sofre..."


Inicialmente eu disse a Gilberto que iria refazer, mas achei interessante deixar como forma educativa. Espero que Gilberto concorde em publicar, já que peço desculpas pela minha incapacidade de ser politicamente correto. Aí abaixo segue o que escrevi, e, em seguida, o Post scriptum.


A DITA MOLE

Caminhão com uma mulher ocupando o para-choque da frente. Essa foi a cena que me mostraram hoje pela manhã com ela em pé querendo impedir que o trânsito fluísse. Parece que virou moda e, por incrível que pareça o caminhão era branco e a mulher também. 

Para os gaiatos de plantão, foi um prato cheio. Além das filmagens, os gritos de euforia sobre o nu artístico permaneciam a mil por hora. A mulher não estava lá “essas coisas,” com os dois caindo por cima da barriga e esta, por sua vez, derramava-se por cima da "maçã do pecado."

Quem nunca foi artista e sempre teve o sonho de ser, agora basta tirar a roupa e fazer o seu show de celulite motorizada pendurando-se numa carreta, caminhão, fusca, só não pode numa bicicleta. Não me perguntem se é porque bicicleta não tem para-choque que não vou saber responder. 

Só sei que cada dia aumenta a “tara” por para-choque. É tanto, que as fábricas já estão querendo tirar esse item dos veículos, e se a pessoa quiser mostrar a mercadoria “in natura” que vá “pegar morcego” no para-choque de trás. O ruim de ficar atrás é que a poeira vai toda para a cara, e o chamativo de estar na frente é que há um vento passando entre as pernas subindo nas "gretas descobertas" que atrai as fanáticas por esportes radicais.  

Deve causar uma sensação de liberdade ao se quebrar os padrões do vestuário que diz: uma mulher bem vestida vale por duas. Não sei onde esse valor é medido, mas discordo, a não ser que a montanha esteja acima do peso, então, como foi o caso, quanto mais roupa, melhor.  

Agora imaginem o exemplo de “mau-caratismo” que essa galega deu para as novas gerações. Mãe, a senhora vai fazer aquilo? Não minha filha. É porque papai não deixa? Eu sou independente, só não vou me pendurar porque estou ocupada fazendo o almoço, mas seria uma boa oportunidade para juntar smartphones ao meu redor. Quando eu crescer vou fazer também, diz a menina já com o intuito de saber quem se interessará em discutir política naquele nível.   

Eu soube que até os desfiles de moda serão feitos com modelos naquela posição. As passarelas serão transferidas para as ruas onde passarão caminhões e mais caminhões com elas agarradas, olhando para o motorista e piscando para quando terminar o desfile ela ir conhecer melhor a cabine. Nessa nova modalidade de evento, pelo menos a grande massa terá acesso ao que há de mais evoluído na arte de vestir-se, ou de não se manter coberta, não sei bem como será. 

As dúvidas permanecem de norte a sul do país, e basta um feriado, para quem não consegue engolir a derrota ir para as ruas gritar por ditadura. Acho que essa mulher estava era mesmo atrás da “dita dura”, mas faço minhas as palavras de Gleisi Hoffmann: “aceite que dói menos.” 


P.S. Se alguém mais quiser, pode ficar à vontade para comentar. Faz parte do mundo literário essas pendengas. Só tenho a agradecer à mulher que soube apontar as discriminações mascaradas no texto. Servirá como exemplo para que os professores trabalhem em sala de aula os preconceitos embutidos numa simples crônica, aparentemente inofensiva.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 21.11.2022 — 15h38min



5 comentários:

  1. É isso ai, Heraldo! É escrevivendo e aprendendo! Parabéns pela atitude sensata e abertura à crítica, pela coragem em expor algo que ficaria nos bastidores. - Gilberto Cardoso dos Santos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grato, Gilberto. O importante é ver que o mais importante é o olhar do outro que nos faz evoluir na prática da tolerância.

      Excluir
  2. Parabéns, Heraldo! O preconceito está tão naturalizado em nós que na maioria das vezes nem percebemos. E é o que alimenta e fortalece o chamado discriminação estrutural. Parabéns, mais uma vez, pela atitude em colocar o texto original. As linhas e entrelinhas desta crônica tem muito a nos dizer e ensinar. Obrigada.
    Francisca Joseni dos
    Professora

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Joseni. Daqui a dez anos vamos lembrar que construimos algo juntos. No final das contas, isso é o que conta.

      Excluir

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”