sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

ESPINHO JÁ NASCE COM A PONTA - Heraldo Lins

 


ESPINHO JÁ NASCE COM A PONTA


Madalena foi adotada quando tinha dez anos. O casal estava em viagem pelo continente a bordo de um motorhome, e precisava fazer algo por aquela menina quase abandonada na casa de uma tia doente. Os primos a maltratavam, e a tia achou uma ótima ideia se desfazer da sobrinha apanhada na rua quando a irmã faleceu. 

Legalizaram a adoção e seguiram viagem. A vida sonhada estava acontecendo. A filha legítima do casal cuidava da coleguinha ensinando-lhe os detalhes de uma boa organização. Lavavam roupa, costuravam, enquanto a mãe e o pai conseguiam trabalhos temporários.

 No início foi difícil para aquela menina fazer suas necessidades com o veículo chacoalhando, mas, com o passar do tempo, nem precisava de maiores cuidados. A tontice havia passado e era fácil se equilibrar no balde.

As aulas pela manhã começavam logo cedo. As duas, com matrículas provisórias, aproveitavam a merenda para aliviar as despesas com a manutenção do veículo. Voltavam alimentadas e brincavam o resto da tarde depois dos deveres de casa. À noite, sempre ficavam ao ar livre perto do posto de gasolina onde estacionados estavam. 

Poucos dias depois seguiam rumo por esse mundão afora. As duas estavam muito apegadas. Eram como duas irmãs de sangue, uma cuidando da outra, trocando segredinhos de pré-adolescentes, tomando banho juntas etc. 

Numa dessas paradas obrigatórias por falta de combustível, o pai teve que andar dez quilômetros para conseguir um pouco. Depois dos dez litros colocados no tanque, e sem alimentos, a menina adotiva foi colocada no molho e servida no jantar. Os três membros da família sepultaram as unhas, ossos e cabelos e seguiram viagem com carne abundante na geladeira. Conseguiram comprar mais gasolina vendendo cachorro-quente da carne de Madalena, mas ninguém no lugarejo sabia qual a procedência do recheio. Agora a missão era encontrar outra criança para substituir a que virou comida. 

Foram "pegando o gosto" por carne humana, e, além das crianças adotadas, até andarilhos eram escolhidos para encherem o refrigerador. Seus salgadinhos, recheados com carne especial, faziam sucesso. Eles possuíam pistola a pressão para abater com um tiro na garganta suas vítimas. Decidiram, para não dar na vista, estacionar o veículo/casa um pouco distante de tudo, e ficar esperando algum curioso se aproximar. Também cavaram ciladas com estacas, e no outro dia era só recolher as vítimas espetadas. 

 O negócio estava crescendo, e a partir daí surgiu a necessidade de se conseguir mais vítimas. Era necessário atraí-las. Instalaram uma lanchonete no veículo, e aonde chegavam, vendiam seus bolinhos de carne. 

Posteriormente o veículo foi trocado por um ônibus com o propósito de melhor armazenagem da matéria prima. A filha legítima, agora com quinze anos, passou a atrair jovens sedentos por sexo. No fundo do ônibus ela fazia o varão adormecer em seus braços e, em momentos de grande movimentação, a carne era picada na mesma noite em que o jovem era abatido. Assada na brasa, ficava uma delícia. 

Até que um dia as autoridades, já no encalço, conseguiram prendê-los. A filha foi transferida para um convento distante. Seis meses após o internamento, a pobre adolescente, sem seus pais, desamparada da turma dos direitos humanos, foi encontrada sozinha no convento, entretanto, com os freezers cheios de carne de freira.    


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 06/12/2021- 17:51



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