sábado, 20 de março de 2021

CORDEL SOBRE AUTA DE SOUZA - Francisco Ribeiro

 

Auta de Souza – Luz e Poesia

Uma estrela cintilante

na Terra fez estadia,

tinha a pele cor da noite

e a aura da cor do dia;

dela a ternura brotava

e, a cada sopro que dava,

respirava poesia.

 

O sofrimento e a agonia

marcaram seu peito a fundo;

sua esperança na vida

crescia a cada segundo,

mas seu destino cruel

marcou, com gotas de fel,

sua existência no mundo.

 

No peito, um amor profundo

pela clemência divina…

sempre superava a dor,

sem lamentar sua sina,

pelos sofreres medonhos,

que arrebataram seus sonhos,

desde o tempo de menina.


A saga de sua sina

ficou marcada na lousa,

dizendo que sofreu muito

e amar é a melhor cousa.

O seu espírito divino,

é um cantar feito um hino,

que lá no olimpo repousa.

 

A estrela é Auta de Souza,

luz que no espaço permeia,

que nasceu em Macaíba,

em dezoito sete meia.

Sofreu penares e danos

e que, aos vinte quatro anos,

do corpo desencadeia.

 

Teve o encanto da sereia

no perfume do seu verso,

mas o destino, com ela,

foi doloroso e perverso;

desencarnou muito cedo,

para compor seu enredo

no parnaso do universo.


Num período controverso,

Auta de Souza nasceu;

de família aristocrata

misturada com plebeu,

viveu dois mundos seletos,

entre avós analfabetos

e um pai que muito aprendeu.

 

A contradição se deu

porque muito tempo atrás

o seu bisavô paterno,

um fazendeiro tenaz,

casou a filha adotiva,

Cosma, cabocla nativa,

com Felix, seu capataz.

 

Deste casamento audaz

nasce o pai da poetisa,

seu Eloy Castriciano,

o qual conquista divisa,

sendo eleito deputado,

único negro do estado,

que esse cargo preconiza.


Eloy novos trilhos pisa

quando se une em casamento

com uma moça do Recife,

onde fez o juramento.

Seu pai, homem de negócio,

que junto a Eloy era sócio

no mercado de fomento.

 

Deste fiel casamento

floresceram cinco filhos;

Eloy de Souza e Henrique

foram maiores nos brilhos:

Eloy Grande senador,

Henrique intenso escritor

que percorreu longos trilhos.

 

Auta sofreu empecilhos

ao longo de sua vida,

pois, com três anos de idade,

perdeu sua mãe querida;

mas o céu, querendo dois,

um ano meio depois,

seu pai também fez partida.

 

Foi plenamente acolhida

pela sua avó Silvina,

uma negra analfabeta

com sapiência divina

que, junto ao avô Francisco,

dissiparam qualquer risco

na atenção desta menina.

 

Conheceu nova rotina

na Veneza Brasileira,

porém, novamente a sorte

lhe foi muito traiçoeira,

pois o seu avô Francisco,

sem padecer qualquer risco,

morreu sem causa certeira.

 

E, assim, nossa pioneira,

tendo seis anos de idade,

chorou outra vez na vida

aquela nova orfandade.

Porém, sua avó Silvina

na vida não desatina,

demostrando majestade.


Com onze anos de idade,

outra tragédia se deu

na vida da poetisa,

que tanto penar sofreu;

uma chama desmedida,

findou por ceifar a vida

do seu irmão Irineu.

 

Nessa época num liceu,

Auta de Souza estudava

com todo apoio da avó,

que muito lhe incentivava;

então a nobre menina

na formação vicentina

de cultura se alumbrava.

 

A brisa do tempo estava

lhe sendo benevolente,

mas, já com quatorze anos,

lhe chega um mal de repente;

quando fez uma diagnose,

viu que de tuberculose,

já se encontrava doente.


Cai seu mundo novamente,

e o seu teto se derriba.

Deixa a vida no Recife,

e sem que a dor lhe proíba,

com a família penitente,

retrocedeu novamente

ao centro de Macaíba.

 

Já doente em Macaíba,

se integra com a mocidade;

sua família paterna

era ilustre na cidade

e Auta, num gesto afoito,

funda o Clube do Biscoito,

dando vida à sociedade.

 

Discutia a liberdade

e as coisas do dia a dia…

nos encontros joviais

se propagava a alegria,

mas via-se, nos eventos,

que o maior dos seus intentos

era difundir poesia.


Tendo a leitura por guia,

nossa estrela resplendeu,

e o mundo da poesia

ela adotou como seu;

mesmo sofrendo penares,

em busca de novos ares,

a poetisa floresceu.

 

Uma paixão floresceu

no seu peito jovial,

pelo promotor Loureiro,

da cidade de Natal,

porém, depois de dois anos,

viu abortarem seus planos

de um enlace nupcial.

 

Pois a família, afinal,

não concordando com isso,

forçou a nossa poeta

a romper seu compromisso.

Auta, sofrida, aceitou,

mas seu coração chorou

o fenecer desse viço.

 

Pouco tempo depois disso,

seu amado faleceu…

morreu de tuberculose,

teve um final feito o seu.

Padecendo esse langor,

no seu verso pôs a dor

deste amor que feneceu.

 

Muitos poemas teceu

nos lugares que passava.

Nas serras da Paraíba

todo ano se hospedava;

nas terras que percorria,

sempre um poema escrevia

e à cidade dedicava.

 

Na imprensa publicava

suas mais belas poesias;

com o apoio da família,

seu talento se expandia…

cantando o seu desencanto,

fez do desalento um canto,

num poema em nostalgia.


Um livro ela pretendia

feito “Dhálias”, divulgar,

porém, a sua editora

tratou de reformular

o seu projeto absorto

para, com o nome de “Horto”,

o seu livro publicar.

 

No seu poema ao luar,

ela expressa a nostalgia,

quando olhava a noite clara,

durante sua estadia

nas fazendas do sertão,

contemplando a solidão

que no espaço reluzia.

 

Terminou sua agonia

em mil novecentos e um,

a sete de fevereiro,

num ato nada comum,

e a cidade de Natal

parou para o funeral

desse ser tão incomum.


Por ter feito o bem comum,

seu nome se eternizou

com os espíritos de fé…

sua luz se propagou

por ser um fulgor do bem,

e no parnaso do além

seus poemas publicou.

 

De Natal se transladou

suas exéquias mortais,

as levando à Macaíba,

terra dos seus ancestrais.

E está escrito na lousa

finalmente: “… aqui repousa

quem sofreu...  e amou demais…”.

 

        ≠


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