sábado, 5 de dezembro de 2020

VIAGEM - Heraldo Lins

 


VIAGEM


 

Hoje o cano da criatividade entupiu. Coloquei ácido, e nada. Permaneceu entupido depois de oito horas de serviço. O desentupidor só conseguia extrair banalidades. Apelei para o mastigador de pensamento. Esse também não funcionou. Para quem não sabe esse mastigador eu comprei recentemente. Coloco um monte de palavras dentro e ele vai organizando as ideias. É bem fácil o manuseio. Qualquer pessoa pode escrever belíssimos textos. Só que o meu foi de segunda mão. Ele vai organizando as frases e de repente emperra. Já estou aprendendo a consertá-lo, mas é difícil.  Aliás esse modelo está um pouco ultrapassado.  Funciona a base de uma manivela. Eu vou girando, e, dependendo da velocidade, ele vai produzindo as frases. Para produzir drama tenho que girá-lo devagarinho e em sentido horário. Terror, é anti-horário. Comédia é um pouco mais rápido. Pelo meu temperamento não consigo nenhum deles. Vou muito bem no drama e de repente passo para a comédia. Volto para o terror. Um dia desse comecei a escrever um texto de terror e terminei colocando Drácula fazendo piruetas em um circo. A produção demora. Às vezes caio no sono. Estou até tendo o cuidado de ligar os fios na minha cabeça. Mesmo que eu durma o moedor registra meus sonhos. Quando acordo a estória está pronta. Um dia desses tomei um choque. Acordei e li que o mundo havia acabado. Só havia restado eu e minha máquina. Quando olhei em volta ele realmente não mais existia. Fiquei sem saber o que fazer. A minha sorte foi que no manual de instrução dizia que caso acontecesse isso eu começasse a refazer o mundo através das palavras. Tudo que eu escrevesse iria sendo construído. Foi o que fiz. Muitos nem se deram conta porque nesse mundo das ideias um bilhão de anos corresponde a um segundo do mundo real. Peguei os ladrões e coloquei todos eles para roubar as idades dos idosos. Quando encontrassem um velhinho fossem logo subtraindo a idade deles. Dotei os criminosos com a capacidade para matar vírus e bactérias nocivas. Os cientistas foram refeitos com a missão de inventar um chip para fazer as pessoas só praticarem o bem. Se não praticam surge dores nos ossos. O resultado foi imediato. As mais de cem guerras existentes no mundo foram cessadas repentinamente. Acredito que vale a pena continuar com essa máquina.          

 

      

Autor: Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 03/12/2020

 

Heraldo Lins é arte-educador

Zap:  84-99973-4114

Email: showdemamulengos@gmail.com

 

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