DO MEU
INTERIOR
Diogenes da Cunha
Lima
Você,
leitor, certamente, já percebeu o duplo sentido do título deste artigo. Do meu
eu e da vida interiorana.
A
vida do interior é sem luxos: “Infância pobre, mas linda/ tão linda que mesmo
longe/continua em mim ainda”. Vivo esses versos de Vinícius de Moraes. Há muito
tempo saí de Nova Cruz, mas a ribeira do Curimataú não saiu de mim.
Em
menino, fazíamos os nossos brinquedos: bois de barro, de osso de cardeiro, de
barro também assávamos as balas para baladeira. A imaginação criava mundos
novos. Uma castanha de caju colocada em pé sobre areia era o castelo que, em
jogo, tentava-se derrubar. Um cuspe no chão passava a ser as mães do menino
desafiante ou de seu opositor. O desafio era quem pisa na mãe de quem. E a tapa
comia.
As
mães zelavam pelo comportamento, linguagem, postura e, sobretudo, pela boa
escolaridade.
As
palavras tinham significado especial e, às vezes, entendimento único. Água
quebrada a frieza era menos que morna, suficiente para o banho. Esta sua
roupa não é para colocar na baía. Ou seja, só poderia ser usada em
momentos solenes, rituais ou festivos.
As
cores também são diferenciadas. Roxo
é o que os cultos chamam de grená. Vermelho é encarnado. Os pastoris têm torcida: “Do azul e do encarnado, sou do azul até os ossos e
não sou mais porque não posso”. Em Portugal, vermelho era proibido na ditadura
de Salazar. Havia uma associação com comunista.
Não
dê cabimento a ele, que é muito enxerido. Dar cabimento é admitir
aproximação, certa intimidade, enxerido é safado, metido a conquistador.
Qual
a sua graça? É modo gentil de perguntar o nome.
Os
táxis eram chamados de carros-de-praça.
Gente da praça é pessoa de cidade
grande.
Toda cidade do interior tem seu doido e seu doidelo.
Em Nova Cruz, era Lauro Doido, apelidado Sabugo-Liso, que dirigia um caminhão
imaginário e tinha palavras impublicáveis para quem o apelidava. Na minha rua,
havia um menino doidelo, que era especialista em fugir de casa. Fugia sem saber
para onde, buscava liberdade. Os meninos, precursores do bullying, cantavam a
frase musical com ritmo de xote: “Couro nele, dona Rosa, bota ele no Asilo”. Só
os filhos de dona Nicinha não participavam do coral. Não que fossem “bonzinhos”.
Mas porque havia a ameaça de lavar a língua com sabão.
A
linguagem varia em função da região do país, da escolaridade e da classe social
a que pertence o falante. Algumas expressões são usadas não apenas no interior,
mas em todo o país. O algarismo seis é substituído pela palavra meia (de dúzia).
Substituímos o pronome nós pela expressão a gente.
Outras
palavras têm sentido restrito e entendimento específico. Alinhado tem o
sentido de elegante, bem vestido, bem posto. Acochado significa valente,
brabo, destemido. Engembrado, é quem tem corpo deformado, torto.
Os
usos e costumes das pequenas cidades do interior integram-se para compor a sinfonia
da vivência brasileira.
Uma crônica excelente!
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