MADADAYO
PARA VOCÊS
Caros,
Gilberto,
Cláudia Jacinto, Fátima Pereira, Francinaldo Aprígio, Débora Raquiel, Joel
Canabrava, Aldenir Dantas, Wescley Gama, Iara Carvalho, João Maria, Cecília
Nascimento, Sol Saldanha, Eudimar, Altierres, Lucas Andrade, Carlos Barata.
Quando li a homenagem coletiva, encabeçada pelo meu
orientando do Mestrado Profissional em Letras, Gilberto Cardoso, fazendo essa
ponte entre a minha vida de professora e a contada no filme Madadayo, senti
vontade de assisti-lo para que, com mais propriedade pudesse agradecer a ele,
por estabelecer esta relação e a cada um que me enviou uma palavra de carinho
em relação aos momentos compartilhados em sala de aula e, posteriormente, fora
dela. Pedi um tempo para assimilar tamanha homenagem desses alunos que me
marcaram profundamente a vida acadêmica. Agora já posso. Por isso, passo a
fazer o relato que se segue:
1993[1] foi, para mim, um ano
emblemático: passei no concurso para professora efetiva do Curso de Letras da
UFRN-CERES, onde também fiz minha graduação em Letras. Antes disso, passei dez
anos como professora do Ensino Fundamental e Médio. De lá para cá, são 34 anos
bem vividos e dedicados à arte de aprender a ensinar.
Diria que comecei a aprender a ensinar com as crianças do
Fundamental, com a ajuda do amor incondicional que me dedicavam a cada
ensinamento recebido. Vi, neles e com eles, que o amor é semente que germina
fácil, quando bem semeada. Com eles, fiquei até 1986, quando concluí a minha
graduação. Fui então, para o Ensino Médio ensinar Literatura e Língua
Portuguesa no Fundamental – 5º ao 9º. Passei seis anos em processo de
readaptação do amor que recebia das crianças para a rebeldia da adolescência e
dos adultos em fase inicial. Vivi um amordurecimento. Essa é a palavra exata
para definir o amordaçamento dos afetos e a busca incessante por uma nova
fórmula de amar sem se ferir.
Como o Uchida do filme, tomei muita cerveja com meus
alunos de Ensino Médio (e algumas vezes, da Graduação, quando o tempo ainda me
permitia). Nunca eles perderam o respeito por mim, enquanto professora.
Respeito que se transformou em amizade permanente, como permanente é, ainda, em
mim, o amor daquelas crianças que, hoje, adultas, ainda me procuram para legitimar,
diante de seus filhos, uma professora para sempre. Isso não me chega como
vaidade, mas me enche cada vez mais de amor pela minha profissão, pelos meus
alunos de ontem e de hoje, pela minha vida, por ser, hoje, o que sou, fruto de
um trabalho que se consolidou no tempo, com a ajuda de cada aluno e de cada
colega de profissão. Por tudo isso, quero responder, individualmente, a cada um
que me prestou essa homenagem:
· Gilberto, querido, digo-lhe que o meu trabalho nunca foi
penoso. Todos os dias, agradeço a Deus por entrar numa sala de aula esses anos
todos, sem perder a ternura da primeira vez. Afirmo, com convicção, que o
professor é moldado pelos alunos que tem e o contrário também é fato. Fui
contemplada ao longo dos anos com alunos que possuem uma alma poética como a
sua, capaz de sensibilidades múltiplas.
O nosso encontro começou no terreiro da poesia, continuou na sala de aula e
permanecerá estrofes afora, enquanto a
vida nos permitir;
· Juciana, querida, o sorriso é uma arma
poderosíssima, quando bem empregado. A poesia, por exemplo, é o sorriso da
alma. Por isso, ele transborda e toca almas extremamente poéticas como a sua.
Obrigada pelo nosso encontro poético;
· Cláudia, a gente só
compreende a arte da palavra, se já tiver uma alma sensível igual a sua.
Tivemos a oportunidade de nos encontrarmos por duas vezes, em períodos
diferentes. O primeiro só veio se concretizar no segundo, graças a sua
persistência, sua força de vontade e competência. A literatura humaniza sim,
mas precisa que o seu leitor esteja predisposto a se deixar humanizar. Você é
pura humanização;
· Francinaldo, querido, os nossos
laços de amizade começaram no século passado e se fortaleceram neste novo
século, com novos conhecimentos. A amizade e o conhecimento nos proporcionam
grandes viagens. Que a Luz Divina nos cubra de paz e poesia;
· Joel, figura ímpar. Um coleguinha que
me preencheu com seu lado sério e brincalhão e também muito conhecimento de
Literatura. Um dia lhe escrevi dizendo que “toda a minha vida de professora foi
uma tentativa de humanizar o ensino e diminuir a distância entre professores e
alunos”. E é a mais verdadeira das minhas tentativas de verdade. O seu coração
carrega a beleza dos lençõis maranhenses que um dia hei de conhecer, tendo você
como guia;
· Wescley, quem não gama
em você? 100% música e poesia; 100% doçura. Um cronópio entre famas e
esperanças. Logo após o fim do mundo passamos a existir em plena comunhão de
amizade;
· Iara, a sereia que
transita pelo Seridó movediço do meu coração, que fez e faz da poesia um
milagre de vida. Tens o meu amor e a minha admiração eterna, na certeza de que
meu anzol só fisga os seres encantados e encantadores;
· João Maria, caríssimo, no tempo em que fui
sua professora estava dando os primeiros passos na arte de cativar pela Literatura.
Agradeço-lhe, imensamente, por ter sido um dos meus cobaias;
· Cecília Nascimento, obrigada por transformar meu
nome em um conceito poético. O que posso lhe dizer diante de seu gesto? Você
utilizou os verbos que mais utilizo nas minhas falas: encantar, enfrentar,
vencer, florescer, lutar, espalhar. Sem eles, não somos ninguém;
· Eudimar, querida, você tem competência
para se tornar uma grande pesquisadora e uma excelente professora. Isso tudo
vem com maturidade e dedicação. É um processo. Por isso, nunca pare de se
capacitar, siga em frente. O mundo é dos destemidos, dos que desejam fazer de
sua vida um acontecimento. Faça-se acontecer;
· Altierres, meu menino com
cara de anjo, descobri tua luz e abri as tuas asas em busca do saber. Seus dias
de aluno nunca mais serão sem mim, por mais que estejamos longe um do outro,
porque deixei na tua luz a minha sombra e debaixo da tua asa esquerda, o meu
coração;
· Sol Saldanha, obrigada pelo
seu amor e pela sua poesia em minha vida. Lembre-se de que a vida, como disse o
Ferreira Gullar, só é possível reinventada. Reinvente-se sempre, buscando sempre
o caminho da competência;
· Aldenir, meu companheiro de trocas
poéticas, obrigada por todas as fotografias antigas que você pendurou,
generosamente, nas paredes do meu coração. Falar teoricamente do que amamos é
quase impossível. Então, aprendi que devia (e ainda o faço, hoje), penetrar
“surdamente no reino das palavras”, para compreender que “meu tempo é quando”.
As teorias a gente aprende lendo; a poesia, sentindo. E eu prefiro sentir. Suas
palavras me lembraram de um poema de Whitman, de que gosto muito. Eis um
trecho:
Não conduzo ninguém à
mesa de jantar ou à
[ biblioteca ou à bolsa de valores,
Mas conduzo a uma colina cada homem e mulher
[ entre vocês,
Minha mão esquerda enlaça sua cintura,
Minha mão direita aponta paisagens de
[ continentes, e a estrada pública.
Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada
[ pra você,
Você tem que percorrê-la sozinho.
Não é tão longe assim .... está ao seu alcance,
Talvez você tenha andado nela a vida toda e não
[ sabia,
Talvez a estrada esteja em toda parte sobre a
[ água e sobre a terra.
Pegue sua bagagem, eu pego a minha, vamos em
[ frente;
Toparemos com cidades maravilhosas e nações
[ livres no caminho. (Walt Whitman • “Canção de Mim Mesmo”. In Folhas de Relva Edição bilíngüe, tradução e posfácio de Rodrigo Garcia Lopes Ed. Iluminuras, São Paulo, 2005
[ biblioteca ou à bolsa de valores,
Mas conduzo a uma colina cada homem e mulher
[ entre vocês,
Minha mão esquerda enlaça sua cintura,
Minha mão direita aponta paisagens de
[ continentes, e a estrada pública.
Nem eu nem ninguém vai percorrer essa estrada
[ pra você,
Você tem que percorrê-la sozinho.
Não é tão longe assim .... está ao seu alcance,
Talvez você tenha andado nela a vida toda e não
[ sabia,
Talvez a estrada esteja em toda parte sobre a
[ água e sobre a terra.
Pegue sua bagagem, eu pego a minha, vamos em
[ frente;
Toparemos com cidades maravilhosas e nações
[ livres no caminho. (Walt Whitman • “Canção de Mim Mesmo”. In Folhas de Relva Edição bilíngüe, tradução e posfácio de Rodrigo Garcia Lopes Ed. Iluminuras, São Paulo, 2005
· Fátima, querida, construir asas com
você foi uma viagem incrível. Isso se deve, certamente, à nossa simplicidade e
carinho mútuo. Acredito em encontros marcados e por isso tivemos a nossa chance
de trocarmos saberes e humildades. O que torna especial o nosso bem querer é
justamente o desejo de nos tornarmos cada vez mais humanas;
· Carlos Barata, o que me levou a enxergar o
lado atávico da vida, assim, de supetão, sem me dar a chance de me defender.
Acabei descobrindo nele qualidades e defeitos que são meus. Também me levou
para o caminho da loucura muriliana para constatar, mais uma vez que somos
seres atávicos sim. E não tenha dúvida nem dívida comigo. Tenhamos somente a
poesia que nos une e nos eleva para além de nós e de qualquer floresta, onde o
lobo jamais vai comer a vovozinha.
· Lucas Andrade, meu último bolsista de iniciação científica, um aprendiz atento e envolvido com as coisas da terra. Está apto a começar a realizar as suas transformações, para o bom, para o bem e para o alto. Seja feliz e busque a felicidade para a sua vida pessoal e profissional.
· Lucas Andrade, meu último bolsista de iniciação científica, um aprendiz atento e envolvido com as coisas da terra. Está apto a começar a realizar as suas transformações, para o bom, para o bem e para o alto. Seja feliz e busque a felicidade para a sua vida pessoal e profissional.
Por fim, como
Ushida, ainda não estou pronta. Nunca estarei, pois fiz laços que se
estreitaram, nunca se desteceram ao longo dessa vida de sala de aula. Nem me
canso de viver nem de aprender. É provável que eu tenha desempenhado mais o
papel de aluna que de professora, ao longo desses 33 anos (três a mais que
Ushida). Ainda me faltam cinco anos para que me torne uma anciã. E a vida corre
feliz, tagarela, nas minhas veias. E nada mais apropriado para encerrar minhas
palavras de agradecimento a vocês todos (alunos aqui nominados e aos incontáveis
que passaram por mim e que possam, um dia, ler esta mensagem), do que citar
as palavras do próprio Ushida:
Gostaria
de lhes dizer para encontrar alguma coisa de que realmente gostem. Encontrem
algo que sejam capazes de amar de verdade. E quando encontrarem, lutem com
todas as forças que tiverem, pelo seu tesouro. E assim vocês terão o tesouro
pelo qual lutaram. E irão adquirir o hábito de abraçar as coisas de coração.
Este é o verdadeiro tesouro. Será que falei muito difícil?( MADADAYO –
Diretor: Akira Kurosawa – 1993)
Recife, 20 de
fevereiro de 2017
[1] Coincidentemente, o filme foi lançado
dia 17 de abril de 1993, quatro dias após eu ter entrado para a UFRN.
Valdenides Cabral de Araújo Dias
Valdenides Cabral De Araujo Dias
possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1986), mestrado em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (1999) e doutorado em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (2007). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Teoria da Literatura e Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: poesia, narrativa, erotismo, regionalismos literários. Publicou em 1999 o livro de Poesias, Pulsações, pela Annablume (SP), em 2009, Poesia Menor, pela Editora Scorteci (SP) e O Corpo Erótico na Poética de Gilberto Mendonça Teles, pela Edições Galo Branco (RJ) e, em 2011, Pontos de Passagem, pela Scortecci (SP). Em 2013 publicou O Retórico Silêncio, pela Editora da UFRN (EDUFRN), ensaio sobre a poesia de Gilberto Mendonça Teles, fruto do estágio Pós-Doutoral, na UFPE/PGLETRAS. É membro da União Brasileira de Escritores/RN.
Veja também:
À mestra VAL com carinho
Veja também:
À mestra VAL com carinho
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”