Hoje estou
especialmente arrasada comigo mesma... Lembra do filme, quando Neo sai da
Matrix e retiram-lhe os eletrodos e ele começa a viver pela primeira vez fora
da ilusão virtual, mas cheio de dor e de buracos? Pois é, é assim que eu me
sinto agora... tendo um tubo retirado de cada vez e começando a viver um pouco
por dia, esburacada. Provei a vida e tem sabor amargo! Mas os tubos já não me
cabem mais, nem que eu quisesse repô-los. Preciso seguir adiante!
Como pude viver trinta
anos dessa maneira? Descobri que a ingenuidade tem prazo longo, podendo durar a
vida inteira e que é fatal, podendo tanto matar o corpo como fazer perecer a
esperança de muitos. Eis uma praga incomparável, que arrasa vidas e destrói
sociedades: a ingenuidade! Ela mesma, essa que é capaz de te cegar de tal forma
que podes caminhar facilmente à boca dos leões como quem caminha por um jardim
florido e pode fazer com que arrastes contigo até aqueles que já não padecem
desse mal, dadas as consequências dos estragos promovidos.
O Mestre nos alertou
para sermos “simples como a pomba e espertos como a serpente”, coisa que para
mim até hoje foi muito custosa; sempre fui afeita ao quixotismo e olha aonde
vim parar, sempre medindo as pessoas por aquilo que dava de mim, não atentando
para as possibilidades que habitam nossa carne, a de todos nós, sem exceção. E
eu, que tenho a cobra cega no nome,
não aprendi a lição das serpentes tão cedo quanto gostaria...
Espero, após tantos
estragos já curtidos e promovidos, aprender de vez o caminho das pedras, pois
já tenho matéria prima suficiente para construir um império de stonehenges,
cercado por uma queda d’água digna das Cataratas do Niágara, só que de
lágrimas, as velhas companheiras, porque não sou hiperbólica nadinha, só
traumática.
Mas, a essa altura do
curso das coisas, o saldo negativo ainda é maior que o benefício da visão. O
medo compõe poemas que não ouso declamar para mim mesma, mas também não me vejo
lendo outra coisa. Medo de confiar; medo de me doar; medo de ser o que sempre
fui; medo de não ser mais nada de que eu possa me orgulhar; medo de descobrir
que nunca tive nada para me orgulhar; medo de perceber que nada foi verdadeiro;
medo de ser justamente aquilo que sempre detestei e medo de constatar que não
há outra maneira de viver senão esta... Os temores da timorata renderiam um
novo livro, com final impreciso, ao contrário do de Seis Vezes Lucas. O livro Trinta
Vezes Cecília exigiria muita paciência dos leitores e não sei se ao final
da leitura, o esforço valeria o enfado; se algo resultaria proveitoso de tantas
ilusões jogadas ao pobre papel, indefeso contra minhas insanidades. Esse
exercício de descrever-me é talvez a única salvação para minha mente cansada e
enfadada da ressaca da vida. Mais um tubo se vai. Dor.
Cecília
Nascimento
28/05/2015 –
00h16min.
Como é belo as sábias palavras, o expressar-se tão bem quanto o seu Cecília, mesmo falando com pesar e tristeza das dificuldades que a vida nos trás veementemente, para que assim possamos aprender a lição diária, é simplesmente fantástico quem detém o poder da palavra. Me apaixono cada vez mais quando leio um texto tão bem elaborado, ao mesmo tempo, me sinto um tanto quanto triste por me sentir cada vez mais distante dessa capacidade. Continuo dizendo: quando eu crescer quero escrever como você, rsrsr.
ResponderExcluiraplausos
ResponderExcluirParabéns Cecilia, aprecio muito o seu trabalho
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