quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O LIVRO DOS LIVROS (3)



Gilberto, aí vai o terceiro capítulo da divertida teodiceia criada por Moacy Cirne, poeta, crítico literário, romancista e um dos fundadores do Poema Processo no estado do Rio Grande do Norte. Moacy é seridoense, torcedor do Fluminense, cinéfilo e  um dos maiores especialista em História em Quadrinhos do Brasil. Faço no entanto uma ADVERTÊNCIA, os mais ciosos, dogmáticos e religiosos talvez devam se abster de lerem esses textos, pois podem se sentir agredidos em sua fé com a paródia criada por Moacy, e NÃO É ESTE O NOSSO PROPÓSITO, mas tão somente o de mostrar a criatividade deste ESCRITOR POTIGUAR, radicado há muitos anos no Rio de Janeiro.
A propósito, omiti os palavrões (que no texto é substituído por um asterisco) também para não ferir SUSCEPTIBILIDADES de ninguém, de forma que quem desejar ler o texto com os palavrões omitidos, vá ao original, que se encontra no Blog BALAIO PORRETA. Gil, se resolver publicá-los (deixo ao seu senso e juízo), publique-os sempre com esta advertência. (Marcos Cavalcanti)

O LIVRO DOS LIVROS
(3)
Texto estabelecido a partir dos
Manuscritos do Mar Vivo das Arábias Orientais
com supervisão astrológica de
 Ludovicus Erasmus

A jangada de Mestre Cascudinho

E o Senhor das Alturas se fez impiedoso em sua fúria diabólica. Mas, entre todos os habitantes da terra, havia um que o Senhor das Alturas respeitava e considerava boníssimo: Mestre Cascudinho, morador da Cidade dos Reis, cujas andanças pelo interior do Rio Grande a todos causava admiração. Mestre Cascudinho era homem justo e íntegro. Gerou dois filhos. Ana Mariana Potyguar era o nome da donzela; Luís Fernandes Pedro Velho, o nome do mancebo. Mas a terra estava corrompida diante dos olhos do Senhor das Alturas.

Então o Senhor das Alturas disse a Mestre Cascudinho: "Chegou o fim de toda criatura mortal que existir. A terra está cheia de maldade. Vou destruir a todos com um toró tão grande que vai provocar, nos açudes da região e adjacências, a maior sangria de todos os tempos. Durante 40 dias e 40 noites choverá sem parar. Sangrará o Itans, o Boqueirão sangrará, sangrará o Gargalheiras, o Zangarelhas sangrará, sangrará a Passagem das Traíras, o Açudão de Açu sangrará".


E o Senhor das Alturas disse mais: "Construas uma jangada gigante, a maior possível, e nela abrigues tua família, os insetos do canto de muro de tua casa, o Boi Calemba, o Boi da Cara Preta, a onça Galileu Ziraldino e outros animais da fauna seridoense. E assim foi feito. E assim aconteceu. O toró que caiu, num raio de muitas e muitas léguas, inundou quase todo o Rio Grande e ainda sobrou água para outras terras e outras gentes.
Os mais antigos, os povos que, excluídos da jangada, conseguiram sobreviver, lutando contra a fúria do Senhor das Alturas, ainda se lembravam: as águas se tornaram violentas e aumentaram muito sobre a terra de modo que a grande jangada começou a flutuar na superfície das águas. As águas cresceram tanto sobre a terra que cobriram as montanhas mais altas que estão debaixo do céu.
Depois de mais 40 dias e 40 noites, quando as águas começaram a baixar, a jangada pousou sobre a Serra do Mulungu. Mestre Cascudinho e os outros, no meio de um lamaçal (*), a abandonaram e, unindo-se a homens e mulheres que, aos poucos, começaram a surgir da Paraíba, de Pernambuco e do Ceará, e mesmo das Alagoas Sergipanas, esperavam pela Palavra do Senhor das Alturas.
Então o Senhor das Alturas, espantado porque o número de homens e mulheres era maior do que ele imaginara, mas momentaneamente conformado com a situação, falou a Mestre Cascudinho e aos demais: "Já que muitos sobreviveram, mesmo sem estarem na jangada, saiam, todos vocês, pelos sertões do Seridó, e forniquem bastante, sejam fecundos e se multipliquem sobre a terra". O Senhor das Alturas disse mais: "De minha parte, vou estabelecer minha aliança convosco e com vossa descendência: nenhuma vida animal será novamente exterminada pelas águas de um dilúvio, a não ser pelas bombas, pelos fuzis, pelas metralhadoras e pelas balas perdidas".
E assim Caicó se reergueu, reergue-se Acari, São José se reergueu, reergueu-se Serra Negra, Cruzeta se reergueu, reergueu-se Carnaúba dos Dantas. Currais Novos, também. Também Timbaúba dos Batistas. São Fernando, também. Também Parelhas. Ouro Branco, também. Também São João do Sabugy e Jardim de Piranhas. Só o Jardim do Seridó não fora engolido pelas águas e, com sua Biblioteca de Babel, permanecia praticamente inacessível para os pobres mortais de todas as cores e de todos os credos.
E a humanidade voltou a se espalhar por esse mundão de deus e o diabo na terra em transe, com seus vaqueiros e cantadores, e assim se formaram novos homens, novas mulheres, novas amizades, novas amigações. E a humanidade voltou a se impor: Rosembergue das Amérikas conheceu Carla Brunilda e outras mulheres e de tanto chumbregarem muitos filhos tiveram e muitos filmes fizeram. Chico Antônio do Coco Queimado conheceu Mário dos Andradas e os dois se apaixonaram por Patrícia Gavião, mulher de Oswaldo Pau-Brasil. Sindoval Rodrigo do Grajaú conheceu Rosa Hamburgo e de tanto discutirem as idéias dos livros proibidos da Biblioteca de Babel criaram a Comunidade Arretada do Mundo Novo. Dailor Galo da Madrugada conheceu Civone Completamente Nua e os dois, pássaros errantes, geraram filhos e filhas. Oswaldo Fescenino conheceu Nísia Mata Atlântica e de tanto chamegarem muitos filhos tiveram e muitos livros escreveram. Todos viviam, em média, 69 anos. E todos falavam a mesma língua-mãe: a língua tapuia.

Um comentário:

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”