sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O ser lendário da viola e da toada - André Soares

Uma breve análise sobre a intervenção histórica do vaqueiro nordestino.

O vaqueiro, o qual nascera em uma rancharia temporária, cresce em meio a um habitat de muita rusticidade e adaptação, o improviso e a dificuldade fazem com que se acostume a viver com limitações sejam elas de ordem cultural, educacional e/ou financeira. Sem acesso a escola ele aprende na própria lida com o gado todas as formas de encarar a vida real, suas dificuldades e oportunidades. O tipo étnico do vaqueiro provém do contato do branco colonizador com o índio, durante a penetração do bovino nos sertões do Nordeste brasileiro.
Esse personagem é a figura central de uma fazenda, propriedade de um latifundiário que reconhece e recompensa-o pelo seu trabalho, árduo e contínuo. Passa grande parte do tempo montado a cavalo percorrendo a fazenda, fiscalizando as pastagens, as cercas e as aguadas (fonte, rio, lagoa ou qualquer manancial existente numa propriedade agrícola). O maior problema enfrentado pelo vaqueiro é mesmo o da água. Às vezes o gado tem que ser levado por dezenas de quilômetros até os bebedouros. Na época da migração ele tem que conduzir o gado para lugares distantes na ida e na volta.
A indumentária do vaqueiro é sua armadura. Envolto no gibão de couro curtido, de bode ou de vaqueta; apertado no colete também de couro; calçando as perneiras, de couro curtido ainda, muito justas, cosidas às pernas e subindo até as virilhas, articuladas em joelheiras de sola; e resguardados os pés e as mãos pelas luvas e guarda-pés de pele de veado — é como a forma grosseira de um campeador medieval desgarrado em nosso tempo.
O interior do RN é embelezado com paisagens que falam por si só da presença outrora e presente deste tipo de humanidade. Diversas cidades estabelecidas, foram outrora entrepostos e grandes fazendas ou currais onde os tropeiros e vaqueiros se arranchavam, ou momentaneamente vagueavam o gado. Cercados e currais, casas com coxeiras e mata-burros  ilustram a lida da pecuária.
Entre os moradores destas regiões se formaram uma típica rotina de cooperação, muitos povoados se estabeleciam ligados a uma arvore genealógica comum, essa troca de favores permitiu seguidamente a realização de festividades religiosas, casamentos, batizados e a vaquejada. Esta última despontou como uma manifestação que embora pertencente a atividade natural da lida, ocorria simbolicamente como uma prova de coragem e astúcia para o homem sertanejo. Euclides da Cunha descreve:
“Esta solidariedade de esforços evidencia-se melhor na "vaquejada", trabalho consistindo essencialmente no reunir, e discriminar depois, os gados de diferentes fazendas convizinhas, que por ali vivem em comum, de mistura, em um compáscuo único e enorme, sem cercas e sem valos.” ( CUNHA1984)
Com todo este aparato se forma a atmosfera de um imenso sertão. Onde o sertanejo vive do trabalho que executa, sua lida molda-o à sua imagem. A recompensa pela sua dedicação e empenho era uma quarta do rebanho recolhido, permitindo assim que o pequeno homem da labuta possa um dia torna-se um criador independente. Outra atividade desempenhada é a de agricultor, ora apenas de subsistência como destaca Darcy Ribeiro em “O Povo Brasileiro”:

“Cada criador procurou, então fazer-se também lavrador de mocó, ocupando nessa tarefa as famílias de seus vaqueiros e, depois, gente especialmente atraída para os novos cultivos, povoando assim ainda mais os sertões semi-áridos.” (RIBEIRO, 1995)

Em face da oportunidade de trabalho inovadora, o lavrador e o vaqueiro sertanejo enquadraram-se como uma oferta de mão-de-obra barata, que embora não sendo escrava preencheu o ímpeto e o interesse dos latifundiários. Os sertanejos executando o trabalho de meia, somente conseguiam render o que lhes era necessário pra sobreviver. Tal situação se equivale ao camponês aldeão da Europa feudal, que nascia e morria extraindo da terra sua necessidade e nada mais, em virtude dos foros e tributos que haviam de conceder aos seus Suseranos. O direito a terra não é possível, vive arranchado.


Escrevo esse tema de dentro dele, dando testemunho real, uso meu estigma de gente da roça, sertanejo, filho de vaqueiro para mostrar a cantoria, a melodia e o cantador deste meio que conheço. Do sertão de Japi, sitio Jacú de orfãos, do esbanguelar do século XXI, pesquiso seobre a cantoria, o verso e a viola, neste ambiente sugestivo.O Fazendeiro e vaqueiro são os clientes, consumidores desta cultura. Vaqueiro que é agricultor : a rusticidade da terra sertaneja molda seus filhos à sua imagem. Vaqueiro que também improvisa que é aboaidor, que versa enquanto clama pela rês que pasta longe, que se reúne e festeja na Vaquejada reproduzindo no curral sua história, sua Vida, sua glória, que conhece seu destino, que ama sua sina:

“(...) mas eu tenho que morrer assim, o meu destino é esse: é morrer com cavalo e com gado. Eu sei que se eu morrer em cima de uma cama de doente sei que eu não me salvo, agora, eu morrendo junto com gado e com o cavalo assim:- -Um boi matou!!! Uma queda de um cavalo! Uma Carreira no mato morreu estrepado em cima de um pé de árvore, eu vou alegre, vou satisfeito de coração.Sei que me salvo, e isso não to nem ligando, tenho que adorar o meu destino, e abraçar a profissão que Deus me deu até o fim da minha vida.” (desconhecido)


Referências( Sugestões para aprofundamento)
RIBEIRO. Darcy.O Povo brasileiro, A formação do sentido do Brasil. Comp. das Letras.São Paulo, 1995.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984 (Biblioteca do Estudante).


André Soares
Graduando em História-Universidade Potiguar, Natal-Rn

4 comentários:

  1. O vaqueiro nordestino, teme a Deus e mais ninguem, belo texto Andre, seja bem vindo.

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  2. Texto muito interessante e bem escrito !
    ADOREI !!!

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  3. Eu me sinto honrado em fazer hoje parte desta comunidade tão seleta! publicar no blog da APOESC é uma oportunidade impar!
    Agradeço pelas palavras professores Gilberto e Hélio...e o carinho amiga Joelle...grande abraço...

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