ENCONTRO COM AS FERAS

 

ENCONTRO COM AS FERAS

Era conhecido da família vizinha desde o tempo em que o pai dele era vivo. Não foi quem o matou, mas por várias vezes houve ameaças. Venha tomar um cafezinho, sempre o recebia com simpatia a herdeira do sítio próximo ao seu. 

Sua mulher o havia deixado pelas surras que sofria. Por onde ela andará? Ninguém queria lhe informar. Eu agora estou andando armado. Vivia puxando arenga nos forrós onde era contratado para tocar sanfona. Depois de certo horário, embebedava-se e não cumpria com o contrato. Tirem-me daqui, implorava para quem vinha se aliviar perto da árvore onde haviam lhe amarrado. Só não vou lhe matar, cabra de peia, porque você não paga uma bala. Ainda bem que alguém sugeriu que ele passasse a noite inteira pensando na besteira de não querer mais tocar para quem havia pagado a cota. 

Sua fama de desordeiro só crescia desde que foi impedido de se aproximar da casa da ex-mulher. Abra aqui, sua sem-vergonha! Nem ela e nem o menino estão em casa. Estão sim, ela pensa que me engana. Chamem a polícia! A vizinhança de tanto gritar, conseguiram afastá-lo. Ela não está, e não venha mais aqui não que você se dá mal, disse o irmão dela morador de um bairro periférico. 

O menino não queria nem lhe ver. Você não é meu pai, seu cachaceiro. O único filho com cinco anos parecia o espelho do pai em matéria de atrevimento. Você pensa que eu esqueci quando você batia em mim e em minha mãe? Quando eu crescer, vou lhe matar. Essa rotina era normalíssima para aquela família destroçada pelo vício. 

Prenderam sua motocicleta por falta de documentação. Ei, seu soldado de merda, foi você, não foi? Saia daí se for homem. A mulher do militar abriu a porta para saber o que se passava. Vá para casa. Eu quero acertar minhas contas. Recebeu as contas bem-pagas de uns murros aplicados pelo policial. Para ele tanto fazia bater como apanhar, o importante era causar mal-estar em quem estava nas imediações das suas iras.

Sem a motocicleta, teve que ir à feira de bicicleta. Dá para vocês guardarem minha bicicleta na sala enquanto vou fazer a feira? Os vizinhos do sítio dispunham de uma casa na cidade e o receberam com a mesma simpatia. Ele saiu para a feira e a família anfitriã ficou na companhia do neto de seis anos que mexia nos pedais da bicicleta fazendo vrummmm. Nessa aqui eu ainda não sei pedalar, só na minha com rodinhas. 

Depois de feita a feira, o sanfoneiro, já embriagado, deitou-se próximo à porta dos seus vizinhos do sítio. Estava tomando fôlego para voltar pedalando para casa enquanto assistiu o pai do menino chamando o filho para visitar a outra avó. Eu vou, mas venho almoçar aqui. Quando iam saindo, o bagunceiro costumaz colocou os pés para o menino cair sentado. Aiiii. Ficou achando graça. Cabra ruim. O pai aberturou o bêbado e o largou no chão. Se tia estivesse aqui, ela danava umas chineladas nele, viu papai! A avó largou a bicicleta no meio da rua que o pneu ficou rodando. Está proibido de ir ao meu sítio, viu seu cabra safado. Ele ficou se fazendo que estava dormindo com um riso por baixo da pálpebras semi-abertas. 

Poucos minutos depois, encosta a caminhonete da família. Vamos levar você para casa. Colocaram a bicicleta e o bêbado em cima da carroceria, delicadamente. Chegaram lá ofereceram mais bebidas ao vizinho como forma de reconciliação. 

À noite, a família foi assistir ao circo na estreia. O menino ficou admirado com os leões que fugiram na brecha da jaula. Pânico geral ficando o alarme ligado com o aviso de que todos fossem para casa em grupos. Os animais estavam soltos e famintos. 

No outro dia, a polícia recebeu uma ligação de um número desconhecido avisando que a porta da casa do sanfoneiro estava aberta. Foram averiguar e encontraram roupas ensanguentadas no chão e os três leões dormindo saciados. 

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 28.08.2023 – 07h37min.