O MUNDO DOS VISIONÁRIOS
Entra na floresta densa sem pensar em mais nada. Olha para os lados e vê que as flores também povoam seu campo de visão. Está sentindo o ar úmido da chuva passada há pouco. O riacho fica parado com águas correntes. As sombras se fecham sobre ele.
Suas botas vão precisar de costura. Suas roupas rasgadas deixam-lhe tonto de tanta miséria. A miséria está nas almas perscrutadoras. É dependente da floresta vegetal e da floresta de veias e artérias em que seu pensamento está constantemente sendo moldado.
Debaixo das árvores, formigas passeiam com folhas nas costas. Um caminho traçado está aos seus pés. Será que as formigas pensam sobre nós o tanto quanto pensamos sobre elas? Acredita que elas têm mais o que fazer.
Os besouros abrem suas asas e voam ao seu redor. Não posso me sentir superior a esses besouros. Eles sabem voar. Se eu pudesse também, ficaria sem uma mulher ao meu lado. Ela não iria querer viver com um homem carregando asas enormes nas costas.
O tronco, em que está sentado, serve para outros também usarem. Uma folha seca no chão diz quase tudo. Está úmida e em estado de putrefação. Ele hoje é formiga, amanhã, quem sabe, será folha apodrecida.
Olha para o alto e vê os galhos se balançando como se o abençoassem. Alguns raios de sol chegam de forma arredondada ao chão. Se eu fosse sombra, precisava do sol para me fazer ser. As nuvens se fecham, tornando-as uma só. Está vendo!?, mais uma dependência para ser sombra.
Ali ninguém o procura. Está invisível. Precisa arrumar o que comer ou voltar para a civilização onde depende dos outros para se manter vivo. Ele sempre vem aquele lugar meditar enquanto dura a bateria do apetite.
Trovões anunciam que deve ir embora. A floresta não o aceitou de bom grado. Seres vivos sentem a energia dos outros como se gente fossem. Não posso provar isso. Ou fico molhado ou vou embora seco. Os pingos começam a cair. Não dá para permanecer admirando o lugar desse jeito. O que era bom há pouco, tornou-se desprezível. Levanta-se e sai do quintal.
Entra em casa pela porta da cozinha. O que era uma floresta densa, transformou-se em alguns pés de manga. A vala do esgoto, recebe água novamente igual um riacho. A chuva veio trazê-lo de volta à realidade.
Na cozinha, a mulher o recebe com um lindo sorriso. Quer um pouco de caviar? Ele se senta. Ela faz os gostos dele dizendo que a sopa não é sopa, e sim a comida preparada pelas ovas do esturjão. Ele queria que o poeta estivesse falando a verdade sobre o sorriso da esposa faltando alguns dentes.
Começa a saborear o alimento se lembrando da miséria real em contraste com a riqueza poética.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 27.08.2023 – 08h05min.
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