ACASALADOR FREELANCER

 ACASALADOR FREELANCER 

Chegou ressaqueado à redação do jornal. Que tal tirá-los já que aqui dentro não está tão claro assim a ponto de precisar usar óculos de sol? É conjuntivite, explicou mentindo e deixando exposto a vermelhidão nos olhos-vítimas de uma noite maldormida. Sentou-se em frente ao chefe para assinar o contrato de trabalho como única opção por não ter feito sucesso com seus dois últimos romances. Que coisa...!, ter que escrever por encomenda, pensou ele enquanto tomava café oferecido pela secretária sedutora. 

Vou ter que administrar mais um pinguço, refletiu o chefe com desprezo por ele estar fitando sua peruca. Havia outros jornalistas que traziam mais problemas do que furo jornalístico, e este seria mais ou menos um desses.

Apesar da aparente bagunça, não poderá fumar aqui dentro, está escrito aí como cláusula em destaque. Eu vi. Por qual coluna ficarei responsável? Horóscopo! Não entendo nada disso. Eis o livro que ensina como fazer essa bobagem vender jornais. Procure gostar do trabalho, senão vai pra rua. 

Dirigiu-se à sala no final do corredor, do mesmo jeito quando sua mãe o havia colocado para sofrer castigo por ter quebrado um pote da vizinha. Ele e seu irmão tentavam furtar pinhas quando escorregou de cima do muro. Sofreu alguns arranhões e ouviu a ordem para consumir o resto do dia analisando como conseguir o dinheiro do prejuízo. 

Na sala, a jornalista responsável pela seção de culinária apresentou-se bastante simpática. O rosto daquele rapaz trazia lembranças do seu ex-marido que aproveitava sua ausência para embriagar-se com garotas de programa na cama do casal.

Vou chegando, respondeu ele querendo saber em qual dos computadores poderia produzir seus textos. O único que está funcionando, além do meu, é o que está por trás daquela prateleira. Ela se levantou e o levou até aquele esconderijo. Aqui também serve como almoxarifado visitado pelo arquivista uma vez ao dia. Trabalho sozinha desde que o outro colega foi cooptado pela concorrência, e acredito que depois da modernização estaremos tomando novos rumos.  

Ele achava aquilo tudo um saco. O local tinha aparência da bodega do pai em que trabalhava junto com os irmãos na adolescência, inclusive até o odor de mofo contribuiu para se lembrar das manhãs que passava transformando um saco de açúcar com sessenta de peso em outros menores de um quilo. 

Nem pense que vai fazer só isso. Daqui a pouco vão lhe mandar cobrir algum evento e você terá que dar conta de cinco ou seis matérias ao mesmo tempo, dizia sua colega chamando a atenção dele para aquela boca carnuda e cheia de brancos despertando antigas lembranças de mordidas que o fizeram andar de pernas separadas durante uma semana. 

Se é assim, posso fazer suas matérias, e em troca você fica responsável por esse horóscopo, o que acha? Pode ser, até porque quem estava nas últimas edições copiando e colando era eu mesma. Aceita um biscoito? Ela tirou um embrulho da gaveta e foi logo aproximando um deles na boca daquele que despertava arrepios íntimos. Ele ainda quis segurá-lo... hum hum...gosto de dar na boquinha. Era uma massa açucarada de tão bom gosto que ele se deixou levar pela gentileza daquela que se mostrava sorridente, e a cada mordida ela sincronizava a outra mão abaixo da linha da cintura dele. 

Eles já haviam terminado quando um fotógrafo veio lhe chamar para acompanhá-lo ao aeroporto. Um político estrangeiro estava chegando para firmar acordos e precisavam noticiar antes dos demais.

Saíram apressados deixando aquela mulher satisfeita e com a responsabilidade em posicionar a camisinha no fundo da lixeira. Já conheceu a devoradora de homens?, perguntou o fotógrafo que se parecia com um claviculário de tanta peças de metal penduradas acima do pescoço. Conheci há pouco. Se ela der em cima de você, cuidado porque está infectada com HIV.

Ainda bem que me preveni, pensou ele sentado em um banquinho de madeira no veículo de reportagem.

Quer um pouco de rum? Não, obrigado. Aquele copo tirado do porta luvas empoeirado e a garrafa debaixo do banco, trouxeram-lhe lembranças de quando trabalhava no restaurante do seu tio. Depois de várias exigências de que a bebida estava malpreparada, um dos garçons levou o copo para um reservado e mexeu o gelo com a glande. Voltou e entregou ao cliente chato que bebeu e elogiou o novo sabor do drinque. 

Sua coluna vertebral dava sinais de revolta quando chegaram à sala reservada para a imprensa. Nem se esforçou para que a garçonete permanecesse ao seu lado com a bandeja de salgados à disposição. Na verdade, ela queria sair daquela função de distribuidora de bebidas, e ele, na cabeça dela, representava um casamento que lhe permitiria educar seus sonhos, levá-los à escola, dar banho e colocá-los para dormir. Estava tão carente que vinha agendando exames ginecológicos com frequência só para sentir uma paixão fantasiosa para com o espéculo. 

De volta à redação com o número do celular da garçonete no bolso, foi direto para outra sala tentando evitar a dúvida da soropositivo. Ela já estava lá parecendo que previa sua movimentação. Aqui está meu exame. Quero lhe mostrar porque tem um certo cara aqui que vive pregando que estou doente. Eu não soube de nada. Então voltemos para o almoxarifado. Ele teve que obedecer sob a ameaça dela não fazer mais o horóscopo que ele tanto detestava. No caminho de volta, ela deu uma rasteira no fotógrafo que foi cair por cima do chefe e, não tendo onde se apoiar, levou junto a peruca. 

À noite, ele só conseguiu dormir depois que deu a devida atenção à jornalista que nem se importou em dividir a cama e ele com a secretária e a garçonete.

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 26.06.2023 – 13h45min.