O COCO É SECO

 

O COCO É SECO 

Sentiu-se mal na segunda-feira com uma dor trancando os peitos. Essa maldita, doutor, foi dormir com ele. Pensei que tinha sido com você, repreendeu o pensamento sem expressar o que serviria para contar no churrasco do próximo domingo junto com os outros colegas médicos. 

O marido estava branco e sem disposição para andar dez metros sem se cansar. Tem tudo para ser infarto. Vou medicá-lo enquanto não temos o diagnóstico. Na fila havia uma pessoa mordida de cobra, outra com covid... Tome estes remédios, mas não se esqueça de fazer os exames. 

A enfermeira terminou de tirar a pressão reconhecendo seu antigo namorado. Veja como são as coisas. Você veio parar em minhas mãos e se eu quisesse me vingar do seu desprezo, aplicaria uma injeção de já era. Ele nem respondeu à desfeita. Mas não posso fazer isso porque senão você seria aliviado do martírio que terá que passar daqui para frente. 

Por mais que ela fosse bonita, ele preferiu uma que não tivesse uma folha recheada de histórias picantes. Foi até bom não ter ficado com você senão meus filhos agora teriam um pai inválido. Ela hoje está amigada com outro depois do quarto homem. Vivo uma vida sossegada e com a liberdade de sair com qualquer um que eu queira, e você era muito ciumento, deve ter sido por isso que infartou. Os filhos dela eram de pais diferentes e isso a enchia de satisfação por mostrar que ainda conseguia atrair quantos quisesse. 

Vou caminhando. Não senhor, estou aqui para lhe levar, disse o maqueiro aproximando a cadeira de rodas e ajudando-o com o soro. Já estava quase no final do seu plantão e a vontade que ele tinha era sair em disparada para se ver livre daquele engordurado. Não pode comer isso ou aquilo. Não posso por quê?, perguntava já dizendo que se descia de goela abaixo, é porque podia.    

Saíram do hospital com a mulher ao volante. Hoje você não vai carregar minha mãe para a sala. E quem vai? O homem sempre manuseava a paralítica da cama para o sofá, do sofá... pegando peso depois de um dia estafante transportando gente. Mesmo que você quisesse ajudar a minha mãe, não teria condições, reforçou a esposa sorrindo para o casal de filhos que veio recebê-lo no portão. 

Vovó quer saber como foi. Depois de explicado sobre os cuidados que deveria ter, lembrou-se que além de carregar a sogra ontem, ainda fez o bem bom. Deve ter sido por isso que ao concluir sua obrigação de marido, o tranca aumentou como se alguém estivesse apertando seu pescoço e empurrando duas pedras grandes junto ao tórax.  

Fui ao céu e lá encontrei todos os seus parentes dizendo que eu viesse buscá-lo, disse essa brincadeira quando se encontrou com um dos cunhados que se treme de medo de morrer. Vá pra lá com essa conversa, saiu deixando todos gargalhando na porta de casa. 

O irmão se prontificou em ir dirigindo para a cidade onde seriam feitos os exames.   Você está em cima da faixa amarela. Fique calmo que eu sei dirigir. Os quatro não estavam levando a sério o problema. Pararam para almoçar fazendo piadas chamando-o de O duro na queda, e só chegaram ao outro hospital distante quatro horas depois da saída, pela tardinha. Sente-se ali, deite-se acolá, ficou internado. Amanhã será feita uma angioplastia. Foram colocados dois stents. Nunca mais poderá trabalhar dirigindo ônibus. Será aposentado e se brincar... 

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 27.06.2023 – 20h27min.