MISCELÂNEA DE POESIA
(MACIEL SOUZA)
O narrador esportivo da Globo Luiz Roberto anuncia Vinicius
Junior, jogador da seleção brasileira de frente para a bola, que bate o pênalti
contra Guiné e faz o gol. Na comemoração o narrador faz a pergunta: “SABE DE QUEM?”.
Todos sabemos! Eu achava pobre a frase, bem enjoado o bordão a nível nacional, até
descobrir a explicação salvadora: o bordão foi um resgate que virou homenagem ao
seu criador, um colega de profissão, Edson Callegares, que morreu aos 62 anos,
vítima da Covid-19. Passei a ouvir o bordão com outros ouvidos e para mim agora
se tornou poético.
Lá de Caicó, meu filho acompanhou a construção de uma poesia na
parede de um muro e procurou me manter atualizado sobre o que foi produzido por
lá. Da parede que deu suporte à poesia, separados por duzentos e vinte
quilômetros, meu filho repassou pra mim uma primeira leitura, até então de um
texto aparentemente não poético, mas conclusivo: “FORA BIBI!”. Menção ao
prefeito da época. Em sua releitura, nas entrelinhas, suspeitou de que um
simpatizante do gestor municipal fizera poeticamente do F um B: “BORA BIBI!”, dando
assim um novo rumo aos fatos e logicamente uma abertura para rotatividade da
poesia. Depois, meu filho me fez ciente de que possivelmente aquele que iniciara
o protesto voltara lá, pois notabilizou e fez-me ciente do acréscimo de um prefixo
e um verbo imperativo, devolvendo o tom da mensagem inicial: “VÁ EMBORA BIBI!”.
Meu filho-poeta e leitor atento não manipulou este lápis-pincel, mas anteviu a escrita
de um breve e incisivo não: “NÃO VÁ EMBORA BIBI!”, ao que os antagônicos poderiam
revidar, acrescentando intercalado depois um possível e simples sinal de exclamação:
“NÃO! VÁ EMBORA BIBI!”. Embora não saibamos quem são os autores para apresentá-los
aqui e se fazer justiça aos seus nomes, nem sobre o tamanho do orgulho e da
satisfação do dono do muro, independentemente de vencidos e vencedores, a
poesia esteve ativa com ao menos dois leitores assíduos, expectadores imparciais
do poema.
Até trabalhei
em sala de aula o contexto de uma dessas frases de caminhão: “O CAVALO É DO
PATRÃO, MAS A ESPORA É MINHA” e na frente de uma seguradora de automóveis, a mensagem
que li, com minhas passadas de caminhante, “AQUI CONFIAMOS NO SENHOR!”, poderia
ser lida por alguém que passasse correndo, tal qual o recomendado no livro
sagrado em Habacuque 2:2-4, como uma das primeiras orientações para criação de outdoor
e ao lado, dividindo o mesmo espaço, uma outra mensagem, aparentemente inspirada
pelo mesmo autor, com letras de tamanho e modelo idênticos, talvez trabalhadas
pelas mesmas mãos, que imagino usando o mesmo pincel e a mesma tinta preta: “NÃO
ARRISQUE, FAÇA SEGURO!”.
Já em casa, escutei o anunciante do som potente falando de um
salão de beleza com um remate irresistível: “AGENDE A SUA TRANSFORMAÇÃO!”. Quem
não se interessa? Mais tarde voltou, desta vez para avisar que já tinha bode na
Casa do Frango.
Certo dia me levantei do balanço da rede só para olhar na rua,
atraído por uma voz fanhosa que pedia calma, não precisava empurrar e me deparei
com o vendedor sozinho na esquina, aparentemente sem desânimo algum, anunciando
sobre um chinelo que segundo ele dava até para o curioso aqui ir pra festa. Mas
convenhamos, contra toda negatividade mesmo, o recado foi dado pela escrita no
carrinho de CDs, lentamente empurrado por seu dono: “A SUA INVEJA É A VELOCIDADE
DO MEU SUCESSO!”. Com velocidade agora, fui e voltei da minha infância na
lembrança das bicicletas marca Bristol e ao menos uma delas com um dos poucos
adesivos mais vendáveis: “NÃO CORRA PAPAI, PENSE EM NÓS!”.
Vale a frase que tomava a frente de uma modesta casa de taipa,
contrastando poeticamente com imponentes casarões: “PIOR É NADA!”, bem como a
citação filosófica por trás da porta do banheiro público: “AQUI SE ACABA O
ORGULHO E TODOS FAZEM FORÇA”.
São registros
simples do dia a dia que valem pela poesia ou resquícios dela, pela beleza do
escrito, do intento, do contraste, do filosófico ou somente em nome do bom
humor. Esses vieses poéticos contribuíram na consagração de escritores tais
quais Ariano Suassuna, contemplados no além da crítica de Drummond ao estilo literário
de época: “NÃO NOS AFASTEMOS MUITO, VAMOS DE MÃOS DADAS... O TEMPO É A MINHA
MATÉRIA, O TEMPO PRESENTE, OS HOMENS PRESENTES, A VIDA PRESENTE”. (Do poema Mãos
dadas – Carlos Drummond de Andrade).
A poesia e o bom-humor estão ao nosso redor, permeando nossa vida e proporcionando momentos de reflexão e encantamento, como ocorre nesta crônica. - Gilberto Cardoso
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