terça-feira, 27 de junho de 2023

MISCELÂNEA DE POESIA


MISCELÂNEA DE POESIA

(MACIEL SOUZA)

 

O narrador esportivo da Globo Luiz Roberto anuncia Vinicius Junior, jogador da seleção brasileira de frente para a bola, que bate o pênalti contra Guiné e faz o gol. Na comemoração o narrador faz a pergunta: “SABE DE QUEM?”. Todos sabemos! Eu achava pobre a frase, bem enjoado o bordão a nível nacional, até descobrir a explicação salvadora: o bordão foi um resgate que virou homenagem ao seu criador, um colega de profissão, Edson Callegares, que morreu aos 62 anos, vítima da Covid-19. Passei a ouvir o bordão com outros ouvidos e para mim agora se tornou poético.

Lá de Caicó, meu filho acompanhou a construção de uma poesia na parede de um muro e procurou me manter atualizado sobre o que foi produzido por lá. Da parede que deu suporte à poesia, separados por duzentos e vinte quilômetros, meu filho repassou pra mim uma primeira leitura, até então de um texto aparentemente não poético, mas conclusivo: “FORA BIBI!”. Menção ao prefeito da época. Em sua releitura, nas entrelinhas, suspeitou de que um simpatizante do gestor municipal fizera poeticamente do F um B: “BORA BIBI!”, dando assim um novo rumo aos fatos e logicamente uma abertura para rotatividade da poesia. Depois, meu filho me fez ciente de que possivelmente aquele que iniciara o protesto voltara lá, pois notabilizou e fez-me ciente do acréscimo de um prefixo e um verbo imperativo, devolvendo o tom da mensagem inicial: “VÁ EMBORA BIBI!”. Meu filho-poeta e leitor atento não manipulou este lápis-pincel, mas anteviu a escrita de um breve e incisivo não: “NÃO VÁ EMBORA BIBI!”, ao que os antagônicos poderiam revidar, acrescentando intercalado depois um possível e simples sinal de exclamação: “NÃO! VÁ EMBORA BIBI!”. Embora não saibamos quem são os autores para apresentá-los aqui e se fazer justiça aos seus nomes, nem sobre o tamanho do orgulho e da satisfação do dono do muro, independentemente de vencidos e vencedores, a poesia esteve ativa com ao menos dois leitores assíduos, expectadores imparciais do poema.

Até trabalhei em sala de aula o contexto de uma dessas frases de caminhão: “O CAVALO É DO PATRÃO, MAS A ESPORA É MINHA” e na frente de uma seguradora de automóveis, a mensagem que li, com minhas passadas de caminhante, “AQUI CONFIAMOS NO SENHOR!”, poderia ser lida por alguém que passasse correndo, tal qual o recomendado no livro sagrado em Habacuque 2:2-4, como uma das primeiras orientações para criação de outdoor e ao lado, dividindo o mesmo espaço, uma outra mensagem, aparentemente inspirada pelo mesmo autor, com letras de tamanho e modelo idênticos, talvez trabalhadas pelas mesmas mãos, que imagino usando o mesmo pincel e a mesma tinta preta: “NÃO ARRISQUE, FAÇA SEGURO!”.

Já em casa, escutei o anunciante do som potente falando de um salão de beleza com um remate irresistível: “AGENDE A SUA TRANSFORMAÇÃO!”. Quem não se interessa? Mais tarde voltou, desta vez para avisar que já tinha bode na Casa do Frango.

Certo dia me levantei do balanço da rede só para olhar na rua, atraído por uma voz fanhosa que pedia calma, não precisava empurrar e me deparei com o vendedor sozinho na esquina, aparentemente sem desânimo algum, anunciando sobre um chinelo que segundo ele dava até para o curioso aqui ir pra festa. Mas convenhamos, contra toda negatividade mesmo, o recado foi dado pela escrita no carrinho de CDs, lentamente empurrado por seu dono: “A SUA INVEJA É A VELOCIDADE DO MEU SUCESSO!”. Com velocidade agora, fui e voltei da minha infância na lembrança das bicicletas marca Bristol e ao menos uma delas com um dos poucos adesivos mais vendáveis: “NÃO CORRA PAPAI, PENSE EM NÓS!”.

Vale a frase que tomava a frente de uma modesta casa de taipa, contrastando poeticamente com imponentes casarões: “PIOR É NADA!”, bem como a citação filosófica por trás da porta do banheiro público: “AQUI SE ACABA O ORGULHO E TODOS FAZEM FORÇA”.

São registros simples do dia a dia que valem pela poesia ou resquícios dela, pela beleza do escrito, do intento, do contraste, do filosófico ou somente em nome do bom humor. Esses vieses poéticos contribuíram na consagração de escritores tais quais Ariano Suassuna, contemplados no além da crítica de Drummond ao estilo literário de época: “NÃO NOS AFASTEMOS MUITO, VAMOS DE MÃOS DADAS... O TEMPO É A MINHA MATÉRIA, O TEMPO PRESENTE, OS HOMENS PRESENTES, A VIDA PRESENTE”. (Do poema Mãos dadas – Carlos Drummond de Andrade).

 

 


Um comentário:

  1. A poesia e o bom-humor estão ao nosso redor, permeando nossa vida e proporcionando momentos de reflexão e encantamento, como ocorre nesta crônica. - Gilberto Cardoso

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