terça-feira, 3 de janeiro de 2023

A INTERMINÁVEL BUSCA POR RECEITAS - Heraldo Lins

 


A INTERMINÁVEL BUSCA POR RECEITAS


A humanidade é fabricada em formas com no máximo vinte tipos diferentes. Isso foi comprovado quando recebi um catálogo definindo-os, e logo que tive acesso a esse estudo procurei enquadrar meus conhecidos em pelo menos doze.

Para comprovar a veracidade da pesquisa, enfurnei-me numa pequena casa e fui estudar o que fazer para nunca mais errar em como tratar cada um de acordo com sua classificação.

Realizei mais de mil consultas tentando enquadrar pessoas nos tipos definidos, e logo depois lhes dava um cabedal de regras para agirem de acordo com sua personalidade. Quando me cansava, procurava continuar sem descanso para ver se conseguia fugir do meu padrão, mas não, parecia que havia uma digital definindo meus pensamentos. Eu tinha esperança que bastava um empeno na alma para que eu preferisse andar descalço ou comer sem talher, só que por mais que eu forçasse, tudo voltava para seus devidos costumes. 

Tentei jantar pela manhã, foi quando a comida transformou-se em "coffee break" dando-me subsídio para entender que os acontecimentos e as coisas recebem influência das datas e horários na hora que são nomeados. Um desjejum, servido ao meio-dia, transformou-se, de imediato, em almoço. Fiquei num beco sem saída quando percebi que o jornal "O domingo" saía sempre depois do sábado. Então pensei: o tempo é mais influenciador do que imaginei, aí nasceu dúvidas se fui eu que o inventei ou foi ele que me construiu.

Propositadamente, fantasiei-me de Papai Noel no mês de junho, porém ninguém quis receber meus presentes; chuvas de verão, jamais as cataloguei no outono. 

Foram tantas as frustrações que decidi colocar um espelho no rosto de forma que eu pudesse enxergar por trás, assim, consegui que as beldades olhassem nos meus olhos deixando-me contentíssimo após conhecer o verdadeiro interesse delas. A máscara foi feita no modelo de armário de banheiro. Todos os dias, quando eu saía para passear, aparecia logo uma para conversar comigo, ou melhor, com ela mesma, onde eu entrava apenas com o cérebro sem rosto para ela poder me chamar de espelho meu. Na hora de fazer amor, sentiam como se estivessem fazendo com elas mesmas. 

Ninguém queria me ver sem a fantasia. A todo tempo perguntavam-me se havia alguém mais bela do que ela, e a resposta não seria outra, tendo em vista que eu também era beneficiado com a mentira.  Espelho meu, abrace-me, e lá ia eu abraçá-la acabando de vez com a concorrência, pois os belos tornaram-se feios porque nada há de mais bonito do que o próprio semblante. E aí, espelho, alguma novidade? Você está mais magra! Ela olhava confirmando porque comecei a encomendar máscaras que alterava a imagem. Para as magras, eu usava um espelho que engordava, para as baixinhas, um que esticava. Eu perguntava como gostariam de se verem, e cores mais claras e escuras também entraram no rol de escolhas. 

Além do reflexo ser delas, eu ainda reforçava através de palavras ensaiadas, e o sucesso foi imediato. Li horóscopos, previsão do tempo, previsão de vácuo que são aqueles momentos em que a pessoa acha que a vida não tem sentido. Para esse vazio da alma, eu encomendei um espelho digital que transformava qualquer bruxa num “avatar” de princesa, aí foi, e continua sendo, só alegria!



Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 02.01.2023 – 15h23min




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