SEGREDOS FATAIS
− Pois saiba que fui ao aniversário. Se houve dança, eu digo que sim, dancei com muitos rapazes, mas você eu escolhi para me casar. Nem se preocupe que jamais trocaria o futuro pai dos meus filhos por outro qualquer.
Alfredo disse que o motivo das perguntas era evitar comentários maldosos. Não suportaria vê-la em outros braços. Tinha conhecimento que Amanda gostava de outro, mesmo esse outro sendo casado e com filhos. Amor reprimido não é amor acabado, por isso o seu cuidado.
− O “juízo” de quem gosta tem uma lógica diferenciada da razão, dizia ele.
− Nem se preocupe. Isso já está muito bem resolvido na minha cabeça.
− Se você soubesse o quanto tenho andado preocupado....
Amanda pegou-lhe nas mãos:
− Gostaria de ir embora daqui.
− Um dia sairemos de perto desse “disse-me-disse”.
Ele mesmo sabia que estava exagerando. Logo depois voltava atrás e reiniciava suas desconfianças. Tinha o maior respeito e admiração por quem professava a fé.
Pouco antes do casamento morreu a sua futura sogra. Ao padre, coube-lhe aconselhamentos com temática pós-morte assunto por demais estudado por Amanda.
A busca por mais aconselhamentos virou rotina. No confessionário, Amanda se fazia presente, mas a verdade é que gostava de ficar pertinho de Humberto. Sempre encontrava tempo para auxiliá-lo nos trabalhos sacerdotais.
As orações conjuntas, pela alma da mãe, passaram da igreja para a casa paroquial. Os dois isolados no oratório aproximavam-se cada vez mais. A intimidade foi crescendo. Em uma noite que Alfredo havia saído em missão, ela foi além da oração. Tudo no mais perfeito mistério.
Ninguém jamais iria desconfiar de uma beata tão jovem e séria com um padre respeitador. Depois desse primeiro encontro, os dois não conseguiam ficar distantes.
Seu coração de trinta anos voltava constantemente sua atenção para aquela linda mulher de dezenove. A sua luta interna não o deixava sossegado.
− O que diria o bispo depois de descobrir essa traição para com a Santíssima Igreja? perguntava-se o padre.
− Padre Humberto me ofereceu um emprego na secretaria da igreja. Você concorda que eu vá trabalhar lá?
− Sim, disse Alfredo. Será um prazer que você fique cada vez mais envolvida com as coisas santas, pelo menos não terá tempo para ir a festinhas das amigas quando eu estiver fora.
O tão esperado convite para ir a Roma aconteceu no mês do casamento. Alfredo soube que era o desejo dela e a presenteou com a viagem à Itália.
Dias depois do regresso da lua de mel, ela anunciou a gravidez. Ele fingiu contentamento e no dia seguinte teve que se ausentar para uma missão especial.
− Cuide-se! Possa ser que eu não volte com vida e você deve estar preparada. Meu trabalho é arriscado. Estou indo em missão secreta e só vou saber do que se trata, quando chegar lá.
− Tudo bem!
Despediram-se em plena manhã de domingo. À noite, Amanda dormiu com o padre Humberto e prosseguiu com a mesma rotina os demais dias que ficara sozinha. O melhor era deixar Alfredo e fugir com o padre. Pela manhã havia mudado de ideia.
O marido, no dia anterior, avisou que chegaria por volta das vinte horas e perguntou a Amanda se o padre poderia confessá-lo como haviam combinado.
− Sim, diga a Alfredo que estarei na igreja esperando-o. Abrirei só para lhe atender. Oriente-o para entrar pelos fundos. Neste horário disponho apenas das chaves da sacristia.
O padre o recebeu sorridente e foram para o confessionário. Rezaram as orações habituais e Alfredo de joelhos disse:
− Reverendíssimo, eu matei muitos homens nessa missão. Gostaria que o senhor absorvesse meus pecados. Sou um homem que preciso desbaratar quadrilhas e não tem como evitar mortes.
− O padre, depois de ouvi-lo, passou penitências para o agente da lei cumprir. Alfredo continuou:
− Eu matei também um casal que não tinha nada a ver com o tráfico de entorpecentes. Para esse casal eu quero um perdão especial. Preciso que o senhor ore junto comigo e me benza com água benta.
− Os dois rezaram o Santo Ofício da Imaculada Conceição, e o padre o benzeu conforme o pedido.
Alfredo levantou-se da posição ajoelhada e, logo que fez o que tinha o que fazer, saiu tranquilamente da sacristia e dirigiu-se para uma estrada carroçável. Abriu o porta-malas e lá estava Amanda algemada e chorando. Não faça isso Alfredo. Você vai se prejudicar.
− O padre já me absolveu pelo seu assassinato, também.
− Como foi que você descobriu?
− Você me deu uma dica do que estava acontecendo.
− Eu?
− Sim. Você confessou que estava grávida, lembra? E eu, sem que você soubesse, havia feito vasectomia antes do casamento.
− Como descobriu quem era o amante.
− Instalei em seu celular um dispositivo que filma e transfere as imagens em tempo real, mesmo estando desligado. Vi tudo que você fazia com ele. Portanto...
− Vão descobri que foi você, disse Amanda querendo dissuadi-lo.
− Para efeitos legais ainda me encontro na fronteira. Meus superiores acreditam que estou refém do grupo que atacou nossa base. Estou voltando para lá neste exato momento.
No outro dia, dois corpos com tiros na cabeça foram encontrados distantes seis quilômetros um do outro.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 31.12.2022 – 16h27min
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