quarta-feira, 26 de outubro de 2022

TUDO BEM COM O BEM - Heraldo Lins

 


TUDO BEM COM O BEM


Deparo-me com a escuridão pálida do amanhecer e aproveito o momento para vasculhar as lembranças que irão me ocupar durante o dia. Chegam-me os horários das refeições, a prática dos exercícios e, forçando um pouco mais, encaixo as idas e vindas às redes sociais. 

O trabalho não, porque vou ficar de folga e poderei usar meu tempo livre para jogar granadas por aí, no entanto meu bom senso deixa-me preso ao conforto da família. Tenho até medo de falar em família para não contribuir em ligar esse conceito a algo danoso. Percebo que nossas palavras estão sendo criminalizadas pelos jargões da moda a ponto de até em pronunciar o nome "bandeira" eu me sentir desconfortável. Pode até não ser, mas tenho a impressão que estão cometendo o crime de "posse ilegal de símbolo."  

O visor do microondas aponta para mais de uma hora até o dia ser chamado de claro. Quase todos dormem, com exceção também das baratas e formigas. Na verdade, coloquei-as no roteiro apenas para ver se mudo o foco da vontade avassaladora que estou de votar. Para mim, domingo teria sido ontem para que hoje já estivéssemos vivendo sem medo de ser feliz.    

Há pouco, senti raiva ao encontrar água no chão da geladeira entreaberta. Esqueci de empurrar a garrafa de leite que ficou forçando a porta e isso fez o gelo ativar meu mau-humor dando “asas” para alguém apontar-me o dedo de “foi você o culpado,” aliás, acusaram-me também de estar utilizando minha pena a favor da democracia. São tantas as acusações virando verdades que quase não sei distinguir o que é ou não fake news. 

Depois da estreia da mentira no horário nobre, lembrei-me de Ariano dizendo que gostava da mentira artística, aquela fake news que não estraga a vida de ninguém e nem o autor tira proveito da inocência alheia. Concordo plenamente com Suassuna. É tanto que atualmente a primeira reação que tenho ao saber de algo é pesquisar a veracidade do que está sendo dito. Já não acreditava em muita coisa, agora que o chefe do executivo institucionalizou as fake news como sendo o bem maior do seu governo, fiquei ainda mais cético.  

Dou um pulo para a bolha do meio da manhã e entro em um local onde vejo pessoas em vigília para que o inimigo do amor seja eleito. Se há contradição, não cabe aqui julgá-la, mas acho estranho pessoas passarem a vida inteira estudando sobre a salvação da alma e agora posar de defensor do ódio. Grito: hipócritas, mas sei que mesmo que eu utilize “Mateus 7,1-5" no argumento, está difícil tirar-lhes a “trave dos olhos.” 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 26.10.2022 – 03:27



2 comentários:

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