terça-feira, 29 de março de 2022

DECISÕES ESSENCIAIS - Heraldo Lins



 DECISÕES ESSENCIAIS


Picos e túneis rodeando a estrada dava a entender que haviam perdido o destino. Estava guiando em círculos há mais de uma hora. Quem sabe, se perguntarmos àquele nativo ele nos ensinará a sair desse labirinto! O caminho para campos alísios é por onde? Peguem à direita ou voltem. Vocês deixaram a entrada lá atrás.

O combustível chegando ao final e nada de posto. Dirigia desligando o veículo nas descidas. Poderia ter abastecido naquele com o preço alterado, mas sua vontade de economizar no próximo, sempre o fazia protelar a decisão. Campos Alísios é por aqui mesmo? É sim, mas é melhor se adiantar porque choveu por acolá e o riacho desce com água, rapidinho.

O osso da perna do pai continuava exposto. Também não tinha como uma fratura exposta não doer. Mesmo tendo amarrado com tábuas, os gemidos continuavam. O senhor poderia ter colocado o pneu de suporte para se proteger da possível queda do macaco. Mas quem é que ia adivinhar que ele se quebraria?!

A “senhorinha” no banco traseiro rezava um terço. Sua madrasta preferiu vir junto. Ele acredita que se perderam exatamente por isso. O mastigado baixinho lhe tirava a atenção. Dá para a senhora rezar em silêncio? Eu pensei que estava ajudando.

A estrada escorregadia e a pouca visibilidade, proporcionada pelo final da tarde, deixava-o tenso. Puxou o freio de mão. Saiu do veículo e percebeu que o outro pneu havia baixado. Agora, sem pneu de suporte, só restava esperar uma alma boa para ajudar-lhes. Ainda dói? Nunca parou de doer. O senhor deixou de gemer. Gemer não resolve, então, foi melhor não o aborrecer senão seriam reza e gemidos atrapalhando sua atenção.

A lua já conseguia fazer sombras naquele emaranhado de curvas e aparentes castelos. Avistou um branco mais acima. Devia ser uma casa abandonada, tão comum nessa região depois que o ouro acabou. Fiquem aí que vou ver se encontro ajuda. Se encontrar água, traga um pouco nesta garrafa. 

Uma coruja voou quando ele caminhava na vereda tomada por pedras e rala vegetação. Andava olhando de lado, para trás e, raramente, para a frente. Acredito que papai não irá morrer desse acidente. É só uma perna machucada. 

Ô de casa! A porta estava entreaberta. Com o máximo de cautela foi empurrando-a. Alguém em casa? O silêncio sepulcral continuou mascarado por um pequeno assobio do vento. Está, aparentemente, abandonada, mas não vejo poeira nos móveis. Oi, alguém aqui? A geladeira estava ligada e com uma jarra cheia de água. Lembrou-se da garrafinha do pai, quase esquecida em uma das mãos. Encheu-a e tomou um pouco, servindo-se em uma taça, a única em cima da pia. 

O quarto estava trancado. Não quis bater. Teve medo inicialmente, depois resolveu matar a curiosidade. De leve, fez-se ouvir. Entre! Sou um viajante em busca de ajuda. Ajuda está descansando, respondeu a voz. Que resposta inconveniente para uma pessoa desconhecida, pensou ele. Você não é desconhecido. Como será que essa mulher soube no que eu estava pensando, pensou novamente. É melhor entrar e parar de me questionar. Eu sei tudo sobre você, inclusive seus pensamentos. Não precisa falar. Entre!

A mulher de cabelos brilhantes esvoaçantes o mandou sentar-se à mesa. Ele deslumbrou-se com a grandeza do quarto. Como é possível um quarto daquele tamanho numa casa tão pequena? Só a cama mede três casas. A altura do teto supera em muito o telhado. Vamos comer e beber! Está precisando “forrar a barriga”, e ali está sua comida preferida. Sentam-se, e ela gira o prato bailarina para que ele escolha a entrada. Sei que sua vida sempre foi perceber as coisas e deixá-las acontecerem para ver como é que fica. Aqui é diferente. Vai ter que escolher este aqui. Ah, esqueci que você lê meus pensamentos, e é exatamente isso que queria comer primeiro.

Aquela mulher cintilante tinha os olhos sem pálpebras, comia sem mastigar e andava deslizando. Estou à procura de ajuda, meu carro quebrou... eu sei, disse ela. Sou sua consciência, e o que posso fazer para resolver essa questão é voltar atrás e fazê-lo tomar outra atitude antes de o macaco quebrar-se. Você perderá todo o prazer de comer este caviar, esta lagosta e de ter deitado comigo, há pouco.

Ela inseriu uma vivência do prazer carnal que ele estava desejando. Desde cedo queria uma princesa, agora havia realizado seu sonho. Escolha! Seu tempo está terminando. Se passar alguns minutos a mais você ficará preso nesse seu mundo egoístico, onde seu pai andará de muletas e você viverá uma procura sem fim atrás de um pneu cheio de ar.

O pai estava preparando o macaco para a retirada do pneu. Se este equipamento se quebrar, haverá um acidente. Pai, coloque esta pedra aqui embaixo, caso o macaco caia o senhor não irá se machucar. Está bom! Nem sei para que esse cuidado todo. Sempre fiz desse jeito e nunca aconteceu nada. Ele também sempre fez sem se preocupar com os cuidados, dessa vez, alguém lhe soprou a necessidade de prevenção. Melhor assim, disse para si, sem saber por que fazia.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 28.03.2022 - 23:01



2 comentários:

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”