sábado, 26 de março de 2022

ENCREQUEIRO POR NATUREZA - Heraldo Lins





ENCRENQUEIRO POR NATUREZA


Logo cedo já havia sofrido quatro decepções. Ao descer no elevador e encontrar um “cara” sem camisa, leu o aviso, em voz alta, onde estava escrito que não era permitido, sem trajes adequados, a utilização daquele meio de transporte. O “bombadão” o mandou tomar naquele canto, só que ele não foi. Ficou resmungando a falta de cumprimento das normas, e sua adrenalina subiu, subiu, desceu, desceu e nada aconteceu.

Ele mesmo nunca teve problemas com o uso de camisas, mas o que ele queria era começar o dia brigando. Nesse caso, por perceber que levaria a pior, preferiu que a mulher interferisse fingindo estar ligando para uma amiga. São combinados. Quando ela vê que o marido vai apanhar, interfere colocando conversas no meio. Na maioria das vezes funciona, outras, os dois “apanham a rodo”. Ela, também, é atrevida.

Estavam indo se vacinar, e planejaram chegar ao local às oito horas. Só que o guarda disse que ainda faltava mais de uma hora para as nove, e era melhor eles darem uma voltinha. Nessa segunda decepção errou o horário e o caminho de volta. Poderia ter ficado esperando, mas prefere ficar pulando de que sentado. Gastou gasolina, paciência, e ainda brigou com a esposa dentro do carro. O motivo foi porque ela quis manipulá-lo mandando-o entrar em uma rua de atalho. Passaria o resto do dia tentando voltar, mas naquela rua ele não entraria. Eu devia ter deixado o “bombadão” amassar sua a cara. Você não fez nada para impedi-lo, e digo mais: ele não tem peito de aço. Eu teria metido uma bala nos peitos que ele agora já estaria na fila do inferno esperando o bafo de Satanás para entrar. Você não tem nem revólver. 

Eu quero só ver aquele guarda me mandar, de novo, eu dar uma voltinha. Ele vai ver só com quantos paus se faz uma cangalha. Com quantos paus se faz uma canoa, seu burro. Eu nasci no sertão, e lá não tem água. A gente só fazia cangalha. Se você morou no litoral, faça canoa. Eu digo cangalha, algum problema? Lá está o guarda.  Está vendo como ele está com medo de mim? nem veio perto. 

Por que não vamos para aquele outro posto que também está vacinando? Boa ideia. Dirigiram-se esperançosos que resolveriam a questão da imunização. Foi lá que você tomou a segunda dose? Foi! Eu tenho a impressão que foste fazer o teste, e não se vacinar. Ah! Foi mesmo. Já havia me esquecido. E agora? Ainda com raiva dessa terceira decepção resolveram pegar o drive thru de um outro que, pensavam, estava funcionando. Ledo engano. Tiveram que enfrentar o riso irônico do guarda. Está vendo que ele ficou rindo por causa de a gente está de volta? Que nada. Ele nem está olhando para cá. 

Eu nunca entrei nessa loja. É bacana? Você pode ir conhecê-la. Sobe na rampa ou no elevador. Vou ficar ali sentado, esperando.

 O senhor é preferencial?  Tenho 59 anos. Pegue a ficha de preferencial. Só um ano a menos não vai nem vem. Ele que sempre prezou pela honestidade, passou quarenta minutos pensando na defesa que iria utilizar quando a  enfermeira o flagrasse tentando usar a ficha de preferencial para enganar os  demais. 

Nada disso aconteceu. Ninguém perguntou a idade, ele levou a agulhada e foram embora em silêncio. Estava satisfeito e sem brigar. Um bem-estar apoderou-se dele e, desconfiado, foi ao hospital para medir a pressão. Não era comum estar bem. Queria ficar brigando, mas não tinha motivo. Como é monótona, pensou, a vida sem briga. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 26.03.2022 – 06:26







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